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Como a indústria da China está causando um rombo na economia global

A economia chinesa, com baixo consumo e alto investimento, garante crise com outros países

Por Greg Ip The wall street Journal
Publicado em
7 min
traduzido do inglês por investnews

A economia da China é incomum. Enquanto os consumidores contribuem com 50% a 75% do produto interno bruto em outras grandes economias, lá eles respondem por 40%. O investimento — como em propriedades, infraestrutura e fábricas — e as exportações garantem a maior parte do restante.  

Ultimamente, esse baixo consumo se transformou em um obstáculo ao crescimento chinês, porque o investimento imobiliário, que já foi um componente importante da demanda, entrou em colapso.

Este não é apenas um problema para a China — é um problema para o mundo inteiro. O que as empresas chinesas não conseguem vender aos consumidores chineses, elas exportam. O resultado: há agora um excedente comercial anual de bens de quase US$ 900 bilhões, ou 0,8% do produto interno bruto global. Esse excedente efetivamente exige que outros países incorram em déficits comerciais. 

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O excedente da China, há muito um ponto sensível nos EUA, vai complicando a economia em outros lugares também. Embora a balança comercial de 12 meses da China com os EUA tenha aumentado US$ 49 bilhões desde 2019, ela aumentou US$ 72 bilhões com a União Europeia, US$ 74 bilhões com o Japão e as economias recém-industrializadas da Ásia e cerca de US$ 240 bilhões com o resto do mundo, de acordo com dados compilados por Brad Setser, do Conselho de Relações Exteriores.

Logan Wright, chefe de pesquisa da China no Rhodium Group, empresa de pesquisa dos EUA, disse que o país asiático responde por apenas 13% do consumo mundial, mas 28% de seu investimento. Esse investimento só faz sentido se a China assumir a participação de mercado de outros países, inviabilizando o investimento destes em manufatura, explicou ele.

“Neste momento, o modelo de crescimento da China depende de uma abordagem de mais confronto com o resto do mundo”, garantiu ele.

Muitos países em desenvolvimento dependeram de investimentos e exportações para alimentar o crescimento inicial, mas a China é um ponto fora da curva, dado seu baixo nível de consumo e seu tamanho. Em um relatório, o Rhodium estima que, se a participação do consumo da China fosse igual à da União Europeia ou do Japão, os gastos anuais de suas famílias seriam de US$ 9 trilhões em vez de US$ 6,7 trilhões. Essa diferença de US$ 2,3 trilhões — aproximadamente o PIB da Itália — equivale a um buraco de 2% na demanda global.

As fontes desse subconsumo estão profundamente enraizadas nos sistemas fiscais da China e em suas escolhas políticas.

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A renda chinesa é altamente desigual e, como os ricos gastam menos de sua renda do que os pobres, isso automaticamente deprime o consumo. O Rhodium cita dados que mostram que 10% das famílias mais ricas tinham 69% da poupança total, enquanto um terço delas tinha taxas de poupança negativas.

Outros países abordam essas disparidades tributando os ricos mais pesadamente e aumentando o poder de compra das classes baixa e média por meio de transferências de renda, saúde pública e educação. A China faz muito menos disso. Apenas 8% de sua receita tributária vem do imposto de renda pessoal, em comparação com 38% do imposto sobre valor agregado, semelhante aos impostos sobre vendas, que recaem muito mais sobre as famílias de baixa renda, estima o Rhodium.

A China também gasta menos em saúde e educação do que as principais economias de mercado, forçando as famílias pobres e de renda média a gastar mais de sua renda disponível com ambas.

Navio porta-contêineres no mar carregando contêineres com a bandeira da China
Foto: Adobe Stock Photo

Enquanto isso, salários e taxas de juros reprimidos deprimem a renda e os gastos familiares, ao mesmo tempo em que aumentam os lucros das empresas estatais. A autoridade tributária limitada dos governos locais os obriga a aumentar a receita com a venda de propriedades para manufatura e infraestrutura, o que infla ainda mais o investimento.

Uma década atrás, os principais formuladores de políticas chineses compartilhavam a perspectiva dos economistas ocidentais de que, no nível macro, a China precisava se reequilibrar do investimento para o consumo. Em 2013, o Partido Comunista disse que, dali para a frente, o crescimento dependeria das forças do mercado e dos consumidores. 

O presidente Xi Jinping acabou indo na direção oposta; o consumo permaneceu fraco enquanto o controle estatal sobre a economia cresceu. Os reformadores foram substituídos por pessoas leais a ele, mais preocupadas com metas específicas de setor do que com o crescimento geral.

O princípio fundamental por trás do comércio é a vantagem comparativa: os países se especializam no que fazem de melhor e depois exportam em troca de importações. Xi rejeita esse princípio. Em busca de “independência e autossuficiência”, ele quer que a China produza o máximo e importe o mínimo possível.

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As autoridades chinesas se gabam de “sermos o único país a produzir em todas as categorias de produtos industriais das Nações Unidas”, observa Andrew Batson, da Gavekal Dragonomics.

Mesmo que a China tenha como alvo produtos avançados, como veículos elétricos e semicondutores, ela se recusa a abrir mão de participação de mercado em produtos de menor valor: “Garanta o novo antes de quebrar o velho”, Xi instruiu seus burocratas, relataram meus colegas. 

Como resultado, argumenta o Rhodium, “a China oferece menos oportunidades como mercado de exportação para os países emergentes, ao mesmo tempo em que compete de frente com eles no espaço de baixa e média tecnologia”.

Países que antes viam a China como cliente agora a veem como concorrente. “Muitas empresas chinesas estão fabricando bens intermediários, que é basicamente o que exportamos”, disse Rhee Chang-yong, presidente do Banco da Coreia, no ano passado. “O apoio de uma década do boom econômico chinês desapareceu.”

O ministro das Finanças mexicano, Rogelio Ramírez de la O, reclamou no mês passado: “A China vende para nós, mas não compra de nós e isso não é comércio recíproco”.

Ironicamente, as autoridades estrangeiras tendem a ver os EUA como a maior ameaça ao sistema de comércio mundial, desde que o presidente Donald Trump impôs tarifas pesadas à China em 2018 e tarifas mais estreitas a outros parceiros comerciais. Ele prometeu expandir essas tarifas se eleito este ano.

E, no entanto, as tarifas de Trump devem ser vistas como uma reação ao modelo econômico chinês, que se mostrou impermeável às regras comerciais existentes.

Porém, nenhum país consegue resolver o problema. Como um dique desviando as águas das enchentes, as tarifas dos EUA desviaram as exportações chinesas para outros mercados.

Esses outros países estão agindo agora. México, Chile, Indonésia e Turquia anunciaram ou disseram que estão considerando tarifas sobre a China este ano. Esta semana, o Canadá anunciou novas tarifas sobre veículos elétricos chineses, aço e alumínio, alinhando-se com as já anunciadas pelos EUA. 

No entanto, o mundo até agora carece de uma solução unificada para o subconsumo chinês, porque a China não vê isso como um problema.

Xi negou o apoio fiscal às famílias, classificando-o como “assistencialismo” que gera preguiça. Em abril, a secretária do Tesouro, Janet Yellen, reclamou que o “fraco consumo doméstico e o excesso de investimento empresarial” da China estavam ameaçando empregos nos EUA. A agência de notícias estatal Xinhua chamou isso de pretexto para o protecionismo. No início deste mês, o Fundo Monetário Internacional aconselhou Pequim a gastar 5,5% do PIB em quatro anos comprando casas inacabadas. Pequim educadamente recusou.

Com a China entrincheirada, mais atrito certamente virá, e um sistema de comércio mundial já frágil será estressado até seu ponto de ruptura.

Escreva para Greg Ip em [email protected]

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