Pfizer investe bilhões em medicamentos contra o câncer para voltar a crescer
Sob o comando de Chris Boshoff, Pfizer concentra esforços na oncologia para reverter a queda de receita pós-pandemia
Em uma recente reunião da empresa, o chefe de negócios da oncologia da Pfizer olhava para cerca de cem cientistas, profissionais de marketing e outros funcionários que haviam acabado de ingressar na gigante farmacêutica por meio de uma aquisição de US$ 43 bilhões e pediu-lhes que pusessem a mão embaixo de suas cadeiras.
Dez dos novos funcionários da Pfizer na grande sala de conferências pegaram óculos escuros da Ray-Ban que haviam sido colados sob o assento e os colocaram, enquanto colegas na multidão riam.
“O futuro é brilhante para todos na oncologia”, disse Chris Boshoff, diretor de oncologia da Pfizer, usando seus Wayfarers pretos.
A Pfizer conta com isso. A farmacêutica está apostando grande parte de seu futuro em medicamentos contra o câncer, acreditando que conseguirá arrecadar bilhões de dólares em novas vendas e reverter a situação de uma empresa que luta com a queda da receita relacionada à Covid-19 e com a concorrência, com preços mais baixos, que ameaça alguns de seus produtos mais vendidos.
A Seagen, cujos escritórios na área de Seattle Boshoff estava visitando, é fundamental para a estratégia de câncer da Pfizer. Por meio da compra da empresa de biotecnologia, a Pfizer colocou no mercado três terapias oncológicas de última geração e tem pelo menos uma dúzia de medicamentos em desenvolvimento.
A Pfizer espera que os medicamentos da Seagen, conhecidos como ADCs, de antibody drug conjugates (drogas e anticorpos conjugados), gerem US$ 10 bilhões em vendas anuais até 2030.
A empresa precisa de uma cartada certa. Uma das maiores empresas farmacêuticas do mundo em vendas, a Pfizer teve ganhos espantosos durante a pandemia, graças à sua vacina contra a Covid-19, desenvolvida com a BioNTech. A receita em 2022 ultrapassou os US$ 100 bilhões. Mas depois que a emergência da pandemia recuou, a Pfizer errou no cálculo da demanda da vacina e de medicamento para a Covid-19. As vendas de vários novos remédios ficaram abaixo do esperado, e a primeira tentativa da empresa com uma pílula para perda de peso, que gerou muita expectativa, não foi muito bem.
Wall Street azedou. As ações da Pfizer caíram mais de 50% desde seu ponto máximo, atingido durante a pandemia, o que equivale a uma perda de US$ 180 bilhões em valor de mercado. Pelo menos US$ 4 bilhões em cortes de custos não conseguiram mudar a opinião dos investidores, enquanto as demissões prejudicaram o clima dentro da empresa.
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Agora, a esperança recai sobre Boshoff, o talentoso, mas tímido, pesquisador de câncer. Seu conhecimento sobre a doença lhe rendeu o apelido de Oncopédia e suas habilidades pessoais impulsionaram sua ascensão na Pfizer desde que ingressou na empresa em 2013.
Boshoff recebeu recentemente uma nova função executiva: supervisionar a P&D e o marketing do câncer da Pfizer. “Ele tem algo raro para um cientista: é um administrador muito bom”, disse o CEO da Pfizer, Albert Bourla.
Trazer a ágil Seagen para a Pfizer corporativa — e avançar em tecnologia de medicamentos contra o câncer para usos novos e mais amplos — será um teste administrativo difícil. E o mercado de medicamentos contra o câncer de US$ 211 bilhões é ferozmente competitivo.
Acima de tudo, Boshoff deve encontrar uma maneira de impedir que o talento saia da Seagen. As saídas em massa geralmente ocorrem após as aquisições de grandes empresas farmacêuticas. Os trabalhadores por trás do sucesso de uma empresa de biotecnologia não querem trabalhar com uma grande burocracia. E muitas vezes acabam saindo da companhia, levando seus conhecimentos com eles.
Boshoff disse que pretende preservar a cultura e a ciência de ponta da Seagen, mantendo seus pesquisadores, permitindo que opere como uma empresa de biotecnologia dentro da Pfizer. Ele pretende estimular a empresa dentro da companhia a encontrar usos adicionais para seus medicamentos e desenvolver uma nova geração de drogas.
Aproximadamente metade da equipe de liderança de Boshoff vem da Seagen. Seu logotipo ainda pode ser visto em algumas paredes, e cientistas da Seagen e da Pfizer estão escrevendo artigos juntos.
“Eles têm a receita secreta para desenvolver ADCs de sucesso”, disse Boshoff.
A Seagen foi pioneira nos ADCs, que conectam a quimioterapia a um anticorpo que causa o câncer, possibilitando o ataque direto de toxinas ao tumor, poupando células saudáveis. A Seagen levou décadas para resolver os problemas da tecnologia. Agora, seus medicamentos são aprovados para combater linfomas, câncer de bexiga, de colo do útero e outros.
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Boshoff, de 61 anos, cresceu na África do Sul e cursou medicina. Antes de ingressar na Pfizer, construiu uma carreira acadêmica iniciada pela instituição de caridade de Freddie Mercury, o falecido cantor da banda Queen, que sofria de um câncer raro chamado sarcoma de Kaposi quando morreu.
O fundo ajudou a financiar o salário inicial de Boshoff como estudante de doutorado no Instituto de Pesquisa do Câncer, em Londres, para que pudesse pesquisar a doença. Mais tarde, seu laboratório na University College London contribuiu com avanços para descobertas sobre as origens do sarcoma de Kaposi, além de um gene-chave que protege contra o câncer de pulmão.
Depois de ingressar nos laboratórios da Pfizer em San Diego, Boshoff combinou um conhecimento detalhado do câncer com a empatia por suas vítimas, de acordo com pessoas que trabalharam com ele. Discutia dados com cientistas de laboratórios e os passava em frases de efeito para o conselho da Pfizer. E também acompanhou em consultas médicas e tratamentos alguns colegas que haviam sido diagnosticados com a doença.
Boshoff nunca buscou os holofotes, de acordo com pessoas que trabalharam com ele. Ele é conhecido por evitar grandes eventos da Pfizer, preferindo socializar com grupos menores, e ficando no fundo da sala em reuniões corporativas.
Sua reputação dentro da empresa cresceu devido às suas habilidades em navegar a burocracia da Pfizer e defender, enfrentando a dissidência interna, drogas experimentais que acabaram sendo bem-sucedidas.
Entre elas estava um medicamento para câncer de pulmão chamado Lorbrena, que algumas pessoas da empresa não consideravam uma prioridade, porque já havia tratamentos rivais à venda e o mercado não era grande. O Lorbrena foi aprovado em 2018. Os analistas esperam que o medicamento gere mais de US$ 1 bilhão em vendas em 2027.
Boshoff foi uma voz importante na Pfizer pela aquisição da Seagen, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto. A Pfizer agora tem cinco dos 11 ADCs no mercado. Um deles, o Padcev, para câncer de bexiga, deve gerar cerca de US$ 4 bilhões em vendas anuais até 2029, segundo analistas.
Boshoff disse que quer mais pesquisas sobre como os ADCs funcionam em combinação com outras drogas, incluindo imunoterapias e terapias direcionadas. “Há muitas oportunidades para refinar, otimizar, obter os melhores medicamentos possíveis no microambiente tumoral”, afirmou.
Sua outra prioridade é fundir a Seagen com a divisão de câncer da Pfizer com o mínimo de solavancos. “Você não consegue fazer nada se as pessoas não estiverem felizes”, disse ele em uma entrevista. “Você não consegue fazer nada se não tiver colegas talentosos, motivados, movidos por propósitos.”
Em recente visita aos escritórios da Seagen, ele se misturou com funcionários da empresa durante a hora do almoço no estacionamento, onde os food trucks locais estavam estacionados.
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Usando os mesmos Ray-Bans da reunião, conversou com os trabalhadores, dizendo-lhes que era um entusiasta da astronomia e confidenciando que às vezes examina o céu noturno com seu telescópio.
No negócio de câncer da Pfizer, Boshoff está tentando introduzir algumas mudanças para facilitar e agilizar o desenvolvimento de medicamentos. Ele está dando aos funcionários maior autonomia, abandonando a aprovação gerencial para certas decisões e ajudando a equipar mais rapidamente os times comerciais com dados científicos para ajudar na venda de medicamentos.
Além disso, está usando inteligência artificial para ajudar a desenvolver um painel abrangente de oncologia combinando conjuntos de dados de resultados de estudos com progresso de recrutamento de ensaios e pesquisas das próprias rivais.
Quando Boshoff se reuniu com executivos na Seagen após a reunião dos óculos escuros, Roger Dansey, ex-funcionário da Seagen que agora dirige os testes de medicamentos contra o câncer da Pfizer, pediu cautela na tentativa de fazer com que os funcionários aprendam muitos programas novos ao mesmo tempo.
“Eles estão tentando encontrar o caminho para o banheiro”, comparou ele. “Agora estamos oferecendo três outras versões de banheiro.”
Na reunião, Boshoff mencionou o fato de pesquisadores da Seagen terem prematuramente enviado prematuro informações sobre o desenvolvimento de um medicamento contra o câncer de pulmão para um site de ensaios clínicos público do governo. Uma publicação comercial relatou a notícia, o que não deixou a Pfizer muito satisfeita por causa da concorrência.
Boshoff garantiu que não estava bravo. A Seagen pode ter tido procedimentos diferentes, disse ele. E acrescentou que as empresas trabalhariam juntas mais de perto daqui para frente.
traduzido do inglês por investnews