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Falem mal, mas falem de mim: quando críticas são boas para empresas e produtos

Avaliação negativa não costuma ser bom para marcas e empresas, mas, a depender de quem fez a resenha, os fãs delas se mobilizam em sua defesa.

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Imagine que você quer investir em uma empresa dona de determinada marca de sucesso, como um relógio, roupas ou celulares. Junto com os dados financeiros, para determinar mais corretamente o valuation, resolve examinar como a clientela e influencers a veem e, para isso, passa a ler o que publicam sobre ela e seus produtos nas resenhas em canais de vendas e sites especializados.

Algumas são péssimas, relatando casos absurdos, e mesmo quando não são tão graves, um número razoável de relatos é negativo. Seria o caso de reavaliar o investimento? Talvez, se for considerada a existência de todo um setor do marketing das empresas dedicado a reverter danos de imagem e a opinião negativa de clientes, seguindo a lógica de que opiniões negativas = vendas menores.

Ou não, levando-se em conta um estudo de pesquisadores da Sauder School of Business (Universidade de British Columbia, no Canadá) e da Universidade de Boston (EUA), recém-publicado no Journal of Marketing. Receber uma avaliação negativa não costuma ser bom para marcas e empresas, mas, a depender de quem fez a resenha, os fãs delas se mobilizam em sua defesa, compensando o estrago na imagem.

Foram 16 diferentes experimentos em laboratório reunindo fãs de marcas mais populares, como a Apple (AAPL34) ou o Campeonato Nacional de Futebol Americano, que conseguem mobilizar um grande número de fãs e consumidores. Em uma das etapas, os três pesquisadores – Nailya Ordabayeva, Lisa A. Cavanaugh e Darren W. Dahl – sondaram torcedores de futebol americano sobre críticas recebidas na internet por uma camisa referente à competição.

Descobriram que, entre os mais fanáticos, as resenhas negativas não afetaram a vontade de ter a camisa. Na verdade, eles se disseram 27% mais dispostos a fazer a compra. Aconteceu o mesmo quando um fã da Apple leu uma resenha negativa sobre o Apple Watch, relógio inteligente da marca. E também entre os admiradores de uma marca de café, que ficaram até 12% mais dispostos a experimentar um novo tipo de produto.

Especialistas em marketing nos acostumaram a pensar que quando as pessoas dizem coisas positivas sobre algo aumentam a disposição de outras para comprá-lo. Geralmente, é mesmo assim. Mas o trabalho demonstra que é uma relação complexa, na qual um fator conta muito: proximidade.

A maior parte das rejeições ocorria quando os consumidores não se sentiam próximos de quem fez a crítica, fosse geograficamente ou por falta de alguma afinidade, como ser estudante ou mesmo ter o gosto musical parecido. Caso houvesse alguma proximidade, no entanto, a probabilidade da resenha negativa ter impacto sobre o gosto alheio era maior.

Pode até mesmo acontecer de marcas ou produtos se beneficiarem de críticas negativas caso ressaltem, de maneira sutil, que partem de alguém que não está próximo dos consumidores de determinada região ou de alguém com grandes diferenças em relação aos compradores convencionais. Ao mesmo tempo, uma quantidade razoável de resenhas negativas identificadas como próximas pode ser devastadora para as vendas.

É claro que fica complicado mensurar isso em um investimento. Nesse caso, vale mais a pena focar nos fundamentos da empresa. Mas o estudo ressalta um aspecto curioso da nossa psicologia, com possibilidade de outros desdobramentos. Será que valeria o mesmo, por exemplo, para a atenção que damos à análise de um determinado papel, valorizando as afinidades com o analista? Vamos ter que esperar o próximo estudo para saber.

A grande notícia negativa da semana passada no mercado americano foi a queda das ações da Netflix (NFLX34). Enrolada na estagnação no número de assinantes na Europa e na Ásia e a perda de 700 mil na Rússia depois da decisão da gigante de streaming de deixar o país, pela primeira vez desde 2011 terminou um trimestre perdendo assinaturas – 200 mil.

As projeções do mercado eram de crescimento de 2 milhões. Foi o gatilho para a ação despencar até chegar a uma queda de praticamente 70% no ano, afastando investidores. Um deles foi Bill Ackman, megainvestidor que é fundador e CEO da Pershing Square Capital Management, conhecido pelas apostas de sucesso.

Apenas três meses depois de anunciar a compra de 3,1 milhões de ações da Netflix, ele zerou a posição, acumulando um prejuízo de US$ 430 milhões. Como justificativa, apontou a impossibilidade de olhar hoje, com os dados disponíveis, para o futuro da Netflix e saber o que deve acontecer. Ao se deparar com um grau maior de incerteza, preferiu não arriscar.

Se foi um movimento acertado ou não, só o futuro dirá. Como digo sempre, ninguém tem bola de cristal para saber. Mas o episódio deixa uma lição importante sobre a psicologia dos investimentos. Para começar, o megainvestidor foi surpreendentemente sincero ao admitir que errou ao investir na Netflix. “Estou 100% pronto para admitir meus erros e 100% pronto para fazê-lo rapidamente”, explicou, numa entrevista.

Ao se desfazer das ações, ele evitou também dois erros comuns dos investidores: segurar por muito tempo papéis que estão caindo, vendendo os que sobem, e se arriscar mais para reverter uma perda. São ambas grandes fontes de prejuízo nos portfólios, combinada com uma terceira; fazer operações demais. Neste caso, Ackman até poderia ser acusado, já que montou e desfez uma grande posição em pouco mais de três meses.

Só que aí entra uma grande qualidade do investidor. Ele explicou que caso tivesse posições menores, poderia absorver o prejuízo sem precisar vender. A Pershing, no entanto, conta só com oito ou nove empresas na carteira. Um prejuízo de 43%, como o sofrido, tem potencial muito maior de afetar o retorno do portfólio como um todo. E, com a reversão das expectativas do mercado sobre a empresa, o papel pode cair ainda mais se a onda de vendas continuar.

Certamente foi doloroso absorver um prejuízo tão grande, mas Ackman foi disciplinado ao seguir seu método. Atingido o ponto em que podia suportar o prejuízo, não hesitou em sair mesmo com pouco tempo de investimento e com elogios à Netflix e à gestão da empresa.

A incerteza tem crescido em meio à chamada guerra do streaming, com mais concorrência com a Disney e HBO e a necessidade da Netflix continuar investindo alto para ter sucessos como Round 6 e Ataque de cães e seguir atraindo assinantes. Também terá que buscar novas fontes de receita. Nada que impeça a Netflix de continuar crescendo.

O lado positivo dos resultados do primeiro trimestre mostrou, por exemplo, uma forte alta do lucro por ação. Também é tradição o balanço da Netflix no começo do ano trazer números mais fracos. E, no fim das contas, se a Netflix perdeu assinantes, foi graças a um fator incomum: a guerra na Ucrânia. Se não tivesse excluído a Rússia, a empresa teria terminado o período de janeiro a março com 500 mil novos assinantes.

Paciência, além do mais, costuma presentear investimentos. É importante, porém, se manter fiel à estratégia definida. E foi o que o investidor fez.

*Samy Dana é Ph.D em Business, apresentador do Cafeína/InvestNews no YouTube e comentarista econômico.

As informações desta coluna são de inteira responsabilidade do autor e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação. 

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