Com o Congresso aprovando a jato um grande pacote eleitoreiro de R$ 41,5 bilhões (até a última contagem), não faltaram os alertas sobre o efeito negativo que vai causar na economia. O mais evidente já tem sido visto: a subida do dólar, que, se não cair logo, elevará a inflação e também os juros. A relação entre a dívida do governo e o Produto Interno Bruto (PIB), que vem caindo, pode voltar a subir com a piora da percepção de risco dos investidores, exigindo taxas ainda mais altas.
São, além de tudo, impactos que devem ser muito mais duradouros do que os supostos benefícios do pacote, válido só até o fim do ano. Mas, em nome dos ganhos eleitorais dos parlamentares governistas ou de não serem acusados de votar contra a população, no caso da oposição, todos aprovaram uma medida que vai pesar sobre as contas públicas.
Se resta algo positivo, é a oportunidade de mostrar como funciona a tragédia dos comuns. É uma situação, como a atual, em que as pessoas, agindo em nome de benefícios imediatos e particulares, contrariam os interesses mais gerais – e geralmente duradouros – de uma comunidade.
A expressão surgiu mais de cinco décadas atrás em um artigo do ecologista Garrett Hardin, para quem estamos condenados a produzir miséria a não ser que ocorra o reconhecimento de que os recursos do planeta são limitados. Ele usa o exemplo de um um grupo de pastores que compartilha o mesmo pasto criando suas ovelhas.
Cada pastor tem a opção de elevar a própria renda aumentando o rebanho, mas se o fizer, a grama vai se degradar mais rápido, trazendo problemas para alimentar os animais no futuro. Mesmo assim o custo será compartilhado por todos e apenas no longo prazo, enquanto o ganho para cada pastor com cada novo animal é individual e imediato, fazendo que a decisão racional seja acrescentar o maior número possível de ovelhas, degradando o ambiente.
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do aumento de gastos faz o mesmo e não à toa foi batizada de Kamikaze pelo Ministério da Economia. Com a justificativa de ajudar os brasileiros mais pobres, afetados pela alta dos preços dos combustíveis e seus efeitos, corre o risco de piorar a situação financeira deles com mais inflação e também a degradação da economia. Mas daqui até as eleições de outubro, o aumento de gastos garantiria o voto dos beneficiados.
A ideia de uma tragédia dos comuns vem sendo questionada por décadas, às vezes de maneira dura, acusada de justificar racismo, a degradação ambiental, políticas rígidas de imigração e a exploração dos índios em alguns países. A mais ampla crítica veio da economista Elinor Ostrom, ganhadora do Nobel, que revisou o trabalho e, mesmo concordando que a tragédia dos comuns ocorre muitas vezes, demonstra que na maioria dos casos a tragédia não chega realmente a ocorrer.
Diante da tragédia, segundo ela, as comunidades – ou países –, tendem a adotar medidas que evitem o pior cenário. É o que imaginam algumas análises, que, mesmo condenando o aumento de gastos, sugerem que a partir de 2023 o governo, esteja quem estiver no poder, será obrigado a conter gastos para compensar o excesso de agora, nos livrando do pior. O aumento de gastos poderia ser compensado mais adiante.
É uma aposta, mesmo que ignore a probabilidade maior de que alguns gastos temporários se tornem definitivos. Ou o cenário internacional, com os Estados Unidos caminhando para uma recessão e a economia da China mais fraca. Mas mesmo que seja mesmo assim, não será mais benéfica do que o crescimento sustentável, que exige controlar gastos, dirigindo a ajuda apenas aos realmente necessitados.
*Samy Dana é Ph.D em Business, apresentador do Cafeína/InvestNews no YouTube e comentarista econômico. |
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