O ano de 2022 foi o segundo mais forte da história do private equity, após recorde no valor de negócios em 2021. Depois dos bons resultados, especialistas consultados pelo InvestNews avaliam que em 2023 o cenário para os negócios tem sido de ajustes e busca por eficiência.
Private equity é uma modalidade de investimento alternativo aplicada em empresas privadas. Segundo a consultoria Bain & Company, depois de 2021 bater recordes com o valor total de negócios de US$ 1 trilhão, 2022 alcançou US$ 654 bilhões, sendo o segundo ano mais forte da história do private equity, embora o número geral de negócios tenha diminuído 10%, para cerca de 2.318 transações concluídas. Confira:
Rodrigo Meirelles, fundador da Highpar, avalia que, atualmente, os gestores de private equity que estiverem mais capitalizados ou tiverem mais facilidade de captação de recursos vão aproveitar oportunidades na medida em que uma crise de crédito se intensifica em meio ao ciclo de taxas de juros elevada para controle da inflação.
“Acredito que 2023 marcará também uma mudança cultural na forma de investir dos gestores, que, por muito tempo, contaram com dinheiro mais farto e não deram a devida importância na geração de caixa das investidas e cobraram crescimento dos empreendedores a todo custo. O equilíbrio entre crescimento e resultado vai ser palavra de ordem e os múltiplos de valor de uma empresa tendem a ser mais conservadores por isso”, destaca Meirelles.
Na mesma linha, Tomás Zakia, CEO da multi family office WIT, pontua que o private equity passará por um momento de ajustes e busca por eficiência em função da maior concorrência do mercado, com ativos de renda fixa oferecendo um bom prêmio com um risco menor.
“Para 2023, acreditamos em uma retração dos valores de negócios e captação de recursos, ainda sustentada pelo momento de desenvolvimento do setor e necessidade das empresas”.
Tomás Zakia, CEO da multi family office WIT.
Impulsionamento do private equity
Filippe Apolo, cofundador da Fox Human Capital, explica que o primeiro grande boom no private equity nos últimos anos se deve, em grande parte, aos incentivos de bancos centrais para impulsionar economias impactadas pelos efeitos da pandemia de covid-19. Assim, segundo Apolo, houve um volume de recursos disponíveis em quase todos os mercados e boa parte dos estímulos monetários foi direcionada para public e private equity, já que os juros baixos eram um convite para se tomar mais risco.
“No Brasil, não foi diferente. O que vimos aqui foi uma explosão do volume de contratações, investimentos em capital humano. Em 2022, o efeito ainda foi prolongado, mas a realidade começou a mudar quando a curva de juros subiu e a inflação galopou”, destaca Apolo.
Além disso, Meirelles lembra que o período da pandemia, associado a outros fatores, resultou em um movimento de alta no mercado acionário. Assim, segundo o fundador da Highpar, em meio a esse cenário, investidores passaram a ver poucas oportunidades em empresas listadas e buscaram melhores retornos no mercado de private equity.
Desafios e longo prazo
A própria Bain estima que, apesar da previsão de crescimento no private equity, a combinação de taxas de juros mais altas e pressões inflacionárias representa uma ameaça ao private equity. Nesse sentido, a consultoria observa que fatores que podem impulsionar a inflação e, consequentemente, os juros, permanecem inalterados. Isso inclui o envelhecimento da população, as tensões orçamentárias dos governos e a alta de custos devido a problemas de abastecimento.
Apolo, da Fox Human Capital, avalia que o Brasil tem uma posição de destaque na América Latina, à frente do México, Colômbia e Chile, por exemplo, e que o país está bem posicionado também em relação ao capital humano.
O especialista alerta, no entanto, que, além dos juros em patamares elevados, está entre os desafios para o Brasil no private equity a segurança jurídica. Além disso, embora seja um diferencial positivo, o capital humano também é um ponto de atenção.
“Os desafios de captação de recursos, que dependem em boa parte desses três fatores (juros, segurança jurídica e capital humano), são críticos. Hoje, as casas mais líquidas – principalmente em dólar – têm mais vantagens competitivas para formar times mais fortes e para ter acesso a transações mais interessantes”
Apolo, da Fox Human Capital
Meirelles, por sua vez, alerta que alguns aspectos chamam a atenção sob o ponto de vista de riscos associados às investidas de private equity, como:
- Capacidade dos empreendedores lidarem com cenário de capital mais escasso e caro;
- Impacto da inteligência artificial no modelo de negócios de várias empresas investidas;
- Entrada de investidores individuais no segmento, o que resultará em uma cobrança de mais necessidade de liquidez.
“Vejo uma mudança significativa no perfil dos gestores. Atualmente temos grande gestores com portfólios diversificados e acredito que surgiram gestores mais especializados em determinados segmentos. Isso resultará em mais apoio às investidas e melhores resultados no longo prazo”, diz o fundador da Highpar.
Zakia, da WIT, acredita que o private equity esteja bem posicionado para o crescimento no longo prazo. Ele ressalta, porém, que a superação do atual momento poderá balizar a intensidade desse movimento.
“O setor passou por um período de evidência que acredito que nunca tenha vivido antes, e o simples conhecimento de um determinado mercado faz com que ele tenha maior potencial de crescimento. Mas, se em um momento delicado como o atual, forem apresentados muitos resultados ruins, pode-se gerar uma barreira que poderá atrasar o desenvolvimento do setor no que diz respeito a crescimento”.
TOMÁS ZAKIA, CEO DA MULTI FAMILY OFFICE WIT.
O executivo acredita que, com o desenvolvimento que vem ocorrendo dos entes reguladores em setores potencialmente ligados ao private equity, como o setor de crowdfunding, haverá uma maior difusão do private equity, bem como uma consequente descentralização, possibilitando investidas fora do eixo tradicional, trazendo evoluções ligadas a controle e mecanismos de condução dos investimentos, que são um desafio a ser superado no setor.
Private equity como alternativa
Em meio ao cenário macroeconômico adverso, com empresas com dificuldade de financiamento e fazendo renegociações de dívidas, Apolo diz enxergar o private equity como uma alternativa a quem não quer pagar juros como no mercado de crédito. Ele alerta, no entanto, que não existe “encaixe perfeito”, já que os valuations hoje têm sido mais descontados do que há 2 ou 3 anos.
“Em um cenário de janela fechada para crédito, principalmente após o episódio da Americanas, muitas casas de special situations e distressed assets têm ganhado terreno e assumido o protagonismo que o private equity assumiu na pandemia, com empresas em dificuldade e oportunidades geradas com ativos mais sensíveis”, diz o cofundador da Fox Human Capital.
Meirelles relembra que o cenário de dinheiro barato e inflação baixa permitiu um excesso de alavancagem de muitas empresas e que, naturalmente, o desdobramento será “dolorido” para o portfólio de muitos gestores com empresas problemáticas.
“Isso se agrava à medida em que a maioria deles não vivenciou cenário diferente, porém, o resultado disso sempre é uma evolução, profissionais ficam mais preparados e resilientes para o futuro do private equity”, acredita o fundador da Highpar.
Zakia destaca que, por um lado, se tem um momento de oportunidade gerado para o capital, à medida que os preços das operações foram calibrados para baixo em função do cenário atual. Por outro lado, segundo executivo, há um momento de eventual necessidade para operações que estavam ajustadas para crescimento com base no cenário anterior e precisarão mostrar que são capazes de gerar eficiência.
“Tivemos uma certa inversão na balança entre o capital e as empresas e, do lado das empresas, o capital ficou mais caro e será captado muito mais em função de necessidade do que de oportunidade. Resta saber qual será o tamanho desta necessidade para as empresas. O momento para o private equity é propício para encontrar boas oportunidades de investimento, porém, desafiador na busca por acréscimo de capital para o setor”, diz Zakia.
Motor de crescimento
Segundo a Bain, os investidores individuais são o novo grande motor de crescimento para o private equity. Isso porque, de acordo com a consultoria, os investidores individuais de varejo detêm cerca de 50% de todos os ativos globais, mas possuem apenas 16% do capital de fundos de investimento alternativos.
Para a Bain, esse segmento representa um mercado amplo e inexplorado para gestores de private equity que querem manter um crescimento acompanhando o amadurecimento do setor. De acordo com a consultoria, os fundos que já exploram os mercados de investimento de varejo estão se movendo rapidamente e isso força o restante do segmento a se posicionar.
Os especialistas consultados pelo InvestNews compartilham da mesma avaliação. Filippe Apolo destaca que os investimentos em private equity, por muitos anos, sempre estiveram nas mãos de investidores institucionais e de famílias e pessoas com grandes patrimônios. Ele diz ver com bons olhos o movimento de democratizar o acesso a investidores de varejo, que sempre ficaram à margem das captações.
Rodrigo Meirelles destaca que os investidores individuais, atualmente, têm muito mais acesso à informação e estão cada vez mais sofisticados, além da tecnologia, que permitiu a criação de produtos mais acessíveis para este público.
“Cabe ressaltar que muitos gestores de private equity também atingiram um bom estágio de governança, reportando de forma mais transparente os resultados das suas investidas, suas estratégias e suas dificuldades. O resultado disso é confiança e, portanto, a demanda de investidores individuais tende a crescer neste segmento de investimentos”, diz Meirelles.
Para Zakia, o setor viveu um grande período de evidência, trazendo novos players e áreas relacionadas, o que difunde conhecimento e alternativas buscando atingir a maior gama possível de investidores.
O executivo da WIT alerta, no entanto, que há necessidade de as agências reguladoras trabalharem mais ativamente na regulação das atividades e também no fomento da difusão de informação para os investidores individuais, parte mais sensível relacionada ao mercado.
Atratividade de investidores
Apolo acredita que indivíduos com alto patrimônio líquido podem ser cada vez mais atraídos por investimentos alternativos, explorando opções de diversificação, indo além dos mercados tradicionais de ações e dívidas públicas e mirando, por exemplo, o private equity. Ele ressalta, porém, que esse tipo de investimento não é adequado para qualquer perfil.
“Assim como venture capital, o investimento em private equity é definido por altos retornos, porém, associados a riscos igualmente altos. Para efeito de diversificação de carteira, a alocação nessa modalidade tem ganhado cada vez mais popularidade, mas ainda é cedo para se avaliar o histórico de desempenho ao longo do tempo de tantas casas que têm surgido”
Filippe Apolo, cofundador da Fox Human Capital
Na mesma linha, Meirelles acredita que o indivíduo de alto patrimônio está melhor assessorado ou com mais conhecimento para investir, sendo natural a busca por melhor rentabilidade, que pode ser encontrada no mercado de private equity, se comparado às oportunidades do mercado de ações.
Por outro lado, o fundador da Highpar diz ter receio que o desejo por maior rentabilidade resulte em apostas acima de uma proporção razoável para o portfólio do investidor individual, o que poderá resultar em falta de liquidez.
Na visão de Zakia, cada vez mais pessoas com alto patrimônio líquido podem ser cada vez mais atraídas pelo private equity. “Entendemos que qualquer indivíduo que tenha possibilidade irá além dos mercados tradicionais de ações e dívidas públicas para construir patrimônios maiores em busca de qualidade de vida”, defende.
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