O aumento das expectativas de que o Federal Reserve (Fed) vai começar a cortar os juros nos Estados Unidos na primeira metade de 2024 faz com que a apreciação do real seja uma das principais convicções para o ano que vem. Essa é a avaliação de gestores da Itaú Asset, que, no entanto, apontam fatores internos que reforçam essa tese (especialmente porque, para eles, o estrangeiro parece não ter notado ainda a tendência).
O real caminha para fechar o ano com valorização sobre o dólar. Até a semana encerrada na última sexta-feira (8), a moeda norte-americana tinha queda acumulada em mais de 6%, com o câmbio abaixo dos R$ 5.
A projeção de continuidade desse movimento faz com que o real seja a principal convicção para 2024 de gestores de fundos multimercados do braço do banco, como Bruno Bak, gestor do Itaú Artax, e Pablo Salgado, do Itaú Optimus. Os sinais do Fed, claro, têm forte relação com essa expectativa, já que juros mais baixos tornam os EUA menos atraentes para investidores, o que reduz a demanda pela moeda do país.
Mas, em painel com investidores, Thomas Wu, economista-chefe da Itaú Asset, destacou que a visão otimista da casa “vai além de questões como ‘o Fed vai começar a cortar os juros’”, destacando fatores como safra agrícola, cotação do petróleo, “tudo isso tudo gerando um superávit de conta corrente mais favorável, que independe se o Fed vai cortar os juros ou não”.
“Obviamente, a conjunção dos dois fatores torna a força de apreciação muito maior”, disse Wu. Outra força propulsora para a moeda, segundo Bak, é o fato de que a avaliação de que o real deve se valorizar ainda não chegou ao investidor estrangeiro. Mas isso, segundo ele, vai acontecer e, então, elevar a demanda pela moeda.
“A grande preocupação é que, entre os locais, tem algum otimismo, muita gente já fez conta. Mas nas conversas com os estrangeiros, as pessoas nem perceberam ainda a mudança na conta corrente brasileira. Essa mensagem vai chegar lá, e aí tem bastante participante para ajustar sua carteira mais otimista com o real.”
Bruno Bak, gestor Itaú Artax.
Também otimista sobre o real em 2024, Salgado chama atenção ainda para outras duas estratégias sobre moeda: vender euro e comprar iene, a moeda do Japão.
A primeira estratégia reflete a projeção de que, quando se iniciar o ciclo de afrouxamento monetário das principais economias diante da inflação mais comportada, o Banco Central Europeu (BCE) será um dos primeiros a fazer o movimento de queda de juros – o que enfraquece a moeda e justificaria a estratégia de venda. O segundo se deve ao fato de que a moeda japonesa sofreu muito nos últimos meses e, num cenário de normalização dos juros, “pode andar bem”, segundo o gestor.
Perspectivas para o mercado
Depois de um ano de incertezas e volatilidade das expectativas sobre a política monetária dos EUA, os gestores da Itaú Asset preveem um movimento de “pouso suave” da economia dos Estados Unidos – ou seja, não está no radar o risco de recessão que chegou a ser alvo de receio do mercado nos últimos meses.
“Com isso, é um cenário favorável para América Latina, Brasil e ativos de risco”, diz Bak. Bruno Serra, gestor Itaú Janeiro, ressalta que essa percepção tem ganhado cada vez mais força em meio aos últimos dados de inflação e emprego dos Estados Unidos.
“O Fed tem mercado de trabalho próximo do pleno emprego e inflação próxima da meta. Fora alguma surpresa muito grande que reverta essa tendência, o Fed hoje está mais próximo, de fato, caminha para cortar juros.”
Bruno Serra, gestor Itaú Janeiro
A análise se estende para a política de juros de outros países. “A grande questão para os ativos nos últimos dois anos e meio foi a inflação, e isso a gente está em vias de perceber que de fato resolveu”, analisa Serra, também com perspectiva de benefício a mercados como o brasileiro nesse cenário.
“A gente vai entrar num primeiro momento em um ciclo de cortes moderados, no início do segundo trimestre. Não importa muito se no final do primeiro trimestre ou início do segundo. Importa é que no primeiro semestre a gente comece a reverter e olhar para o outro lado do vale, que é um ambiente muito mais positivo para performance dos ativos financeiros em geral.”
Bruno Serra, gestor Itaú Janeiro
Mariana Dreux, gestora Itaú Hedge Plus, concorda e acrescenta que “a gente vê, de fato, especialmente depois dos últimos dados de mercado de trabalho americano, ainda que lentamente mostrando um equilíbrio maior entre oferta e demanda, inflação nos EUA surpreendeu para baixo, a gente vê sinais realmente de maior confiança que desta vez é de verdade a virada de ciclo”.
Riscos no radar
Apesar de se mostrar otimista para os ativos em 2024, Dreux menciona os riscos que estão no radar e podem reverter a tendência – apesar de esse não ser o cenário base.
“O primeiro seria a gente descobrir que essa safra de dados positivos externos fez com que os BCs baixassem a guarda de forma muito precipitada. As condições financeiras afrouxam muito e logo ali na frente a gente vê uma piora desses indicadores de novo”, diz a gestora.
O segundo, continua ela, seria a hipótese de que “os BCs exageraram na dose e na verdade já tem uma recessão contratada, e aí em vez de ‘pouso suave’ a gente na verdade está num ambiente de recessão global espalhada”.
Ela menciona ainda um terceiro risco: o cenário fiscal brasileiro, já que ainda há dúvidas sobre a capacidade do governo em gerar receitas suficientes para cumprir as metas do arcabouço fiscal. Outro ponto é a possibilidade de mudança da meta fiscal. “A gente acha que em março volta essa discussão. É muito possível que o governo tenha que mudar essa meta de resultado primário”.
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Também falando sobre riscos e contas públicas, Pablo Salgado joga luz a outro fator: “a questão fiscal americana é preocupante, sim”. Para ele, “esse componente fiscal vai ser importante para a formação de preços de ativos”.
O gestor comenta que a percepção de risco sobre a sustentabilidade da situação fiscal dos Estados Unidos podem mexer com os juros, com a percepção de risco impulsionando as taxas de longo prazo. Se isso acontecer, a taxa de dívidas de outros países, como o Brasil, devem ser afetadas, já que a taxa norte-americana é referência para níveis de risco.
“A situação é preocupante. Não é uma questão de fuga de dólar e comprar bitcoin, não é esse o caso, mas vai ser uma questão, sim, de primeira ordem, que vai ter diversas ramificações para outros ativos”, diz Salgado.
‘Quem manda é o BC’ e outros aprendizados no ano
Diante dos resultados do ano até agora, Wu classificou 2023 como um ano “desafiador”, apesar de os principais fundos multimercados caminharem para encerrar o ano com retorno positivo. O Optimus Long Bias acumula rentabilidade de 11% no ano e o Titan, 9,94%. O Artax, de 12,19%.
“A gente não está feliz. Não nos dá nenhum conforto o ano ter sido desafiador para toda a indústria, todos os pares. A gente não está satisfeito”, diz Wu.
O economista diz que a ideia agora é tirar aprendizados da situação para que o cenário não se repita em 2024. A primeira veio após as sequências de dados desencontrados sobre a economia dos Estados Unidos, que se refletiram em volatilidade nas expectativas sobre os juros e, consequentemente, sobre os ativos financeiros.
“Qual foi o aprendizado? Quando os dados estão muito incertos e o cenário, muito diferente, não interessa o que eu acho, o que o mercado acha. Interessa o que o Banco Central acha. No fim das contas, quando os dados permitem múltiplas interpretações, o que importa é quem toma a decisão, que é o BC.”
Thomas Wu, economista-chefe da Itaú Asset
O outro aprendizado é relacionado ao cenário interno, especificamente na área fiscal. Ele diz que, apesar das discussões sobre um sistema tributário justo e eficiente, distribuição de gastos e outros temas, “para preços de ativos financeiros, o que importa mais é a sustentabilidade (fiscal)”. “Para a dimensão de ativos, a discussão que importa é a de sustentabilidade, e essa discussão piorou.”
Ele minimizou o impacto ao mercado interno de incertezas como o crescimento da China, temas recorrentes nas discussões do mercado em 2023. “Independente se alguém está crescendo mais ou menos, ele vai comprar mais ferro, mais das nossas commodities, a nossa soja”.
“E isso explica, na minha opinião, a resiliência dos ativos brasileiros, a despeito dos juros nos EUA terem sido muito maiores do que a gente imaginava que iria ser e o crescimento da China ter sido mais fraco, e a despeito da discussão interna sobre o fiscal, na dimensão sustentabilidade, ter sido de uma qualidade menor do que do ano passado”, acrescentou.
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