Ninguém duvida que a indústria dos fiagros teve um excelente 2023. No ano passado, o número de fundos que investem no agronegócio brasileiro passou de 51 para 86, e seu patrimônio líquido chegou a R$ 20,5 bilhões, quase o dobro do final de 2022, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Parece muito – e é, tendo em vista que eles surgiram em 2021. Mas as chances de crescer são tão grandes quanto os desafios em torná-los mais populares.
Especialistas ouvidos pelo InvestNews estimam que a necessidade de financiamento anual do agronegócio brasileiro esteja entre R$ 850 bilhões e R$ 1 trilhão. O Plano Safra 23/24, anunciado pelo governo como “o maior da história”, reserva R$ 364,2 bilhões para o crédito rural.
O restante é ofertado por bancos, que precisam equilibrar suas carteiras de crédito entre diferentes produtos, ou acaba financiado por meio de operações de barter. Neste caso, em troca de insumos, o produtor entrega parte da sua colheita. Ou seja, diante da falta de crédito no mercado, a intermediação financeira dá lugar ao “escambo”.
“O agro tem dificuldade de acessar capital de longo prazo porque concorre com vários outros setores muito mais desenvolvidos na agenda da governança”, explica Idalício Silva, gestor do fiagro AAZQ11, da gestora AZ Quest. “Além disso, há o problema do conhecimento do setor. Nos bancos, tem pouca gente com domínio do assunto e capaz de fazer essa alocação”, pontua.
De olho nessa necessidade, as gestoras passaram a montar equipes capazes de fazer a conexão entre botinas e mocassins. Foi o caso da Suno, que em 2022 fez do ex-secretário de Agricultura do Espírito Santo Octaciano Neto o seu diretor de agronegócio. Ele tem percorrido eventos do setor pelo país e pregado a palavra do mercado financeiro aos produtores rurais.
“Os fiagros, sobretudo os listados, têm um grande diferencial: quando você compra uma cota e depois decide vendê-la, você vende no mercado secundário, não chega no gestor do fundo e pede o dinheiro de volta. Com os fiagros, tem o investidor pessoa física financiando o agronegócio nacional, o setor mais competitivo da nossa economia brasileira”.
Octaciano Neto, diretor de agronegócio da suno.
Mas, afinal, os fiagros estão tomando seu próprio rumo ou disputando espaço com bancos e com o próprio governo? “Não existe briga, para cada pé tem uma bota certa”, defende o diretor da Suno. “A depender das necessidades, o produtor tem que fazer um tipo de operação de crédito”.
Mucio Mattos, sócio e head de crédito da Vectis Gestão, concorda. Para ele, a palavra não é concorrência, mas complementaridade. “Vemos o fiagro como uma fonte alternativa de financiamento agrícola, que permite a captação de linhas muitas vezes mais customizadas e flexíveis às necessidades do setor”, argumenta.
No entanto, para ter acesso ao mercado financeiro, os empresários do agronegócio precisam colocar as contas em ordem. E aí surgem outros problemas.
Segundo Octaciano Neto, grande parte dos produtores toca a contabilidade das fazendas na pessoa física, incentivados por impostos mais baixos do que pagariam caso a operação fosse por um CNPJ da fazenda.
Na prática, isso dificulta a estruturação dos Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) que são comprados pelos fiagros. “Tem um processo de aprendizado e tradução. Na Suno, a gente pega o Imposto de Renda e transforma em um balanço, é um processo complicado. Estou bem animado, mas o mato ainda é muito alto”, reconhece.
Na AZ Quest, a situação é parecida, com a gestora trabalhando junto aos tomadores de crédito para organizar a contabilidade. Idalício Silva diz perceber um atraso no agro brasileiro em relação à governança e acrescenta que não é fácil encontrar produtores com balanços auditados, por exemplo.
E o cotista?
Nestes casos, explica o gestor, há a formalização de um compromisso para que a empresa tomadora de crédito passe a reportar informações contábeis de maneira periódica e transparente. “Eu não tenho nenhum problema em ser o primeiro capital de longo prazo dessa empresa, mas não quero ser o único”, explica Silva, preocupado com as cobranças dos cotistas.
Os cotistas, aliás, são outro desafio. Os fundos imobiliários (FIIs) acostumaram seus mais de 2,5 milhões de investidores com a ideia de rendimento mensal. Isso é muito mais difícil de replicar nos fundos do agronegócio, já que a geração de caixa fruto das colheitas tende a ser anual ou semestral.
A dúvida é se no longo prazo os cotistas vão aprender a esperar pacientemente pelos rendimentos ou se os gestores vão continuar precisando fazer malabarismos para distribuir proventos todos os meses.
É uma caminhada para educar o investidor, defenderam os especialistas entrevistados para esta reportagem. Mucio Mattos, da Vectis Gestão, destaca que apesar das especificidades do setor de atuação, os fiagros são produtos interessantes para os investidores pessoa física, em especial para quem tem uma pulga atrás da orelha com a economia do Brasil.
“O investimento no agro tem um caráter anticíclico, um contraponto em períodos de queda de dinamismo econômico do país. Além disso, os fiagros estão expostos muito mais ao mercado global, pela exportação de commodities, do que à economia brasileira. Historicamente, o setor se mostrou resiliente a crises”.
Mucio Mattos, da Vectis Gestão.
O sócio da Vectis está otimista. Ele projeta um crescimento continuado dos fiagros em 2024, impulsionado também pela recuperação do mercado de crédito em meio à queda da taxa de juros.
Na AZ Quest, Idalício Silva explica que os fundos devem continuar a atrair novos investidores conforme o agronegócio for melhor compreendido pelo próprio mercado financeiro.
Perguntado se o produtor está pronto para abraçar o mercado de capitais, Silva corrigiu o repórter. “Produtor não, é empresário do agronegócio. É cada vez mais sofisticado e tem mais cara de empresa mesmo”, arrematou.
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