A blockchain é a base tecnológica que possibilitou o surgimento das criptomoedas. É um sistema descentralizado e transparente, capaz de operar sem a necessidade de intermediários, como governos ou empresas. Com o passar dos anos, a tecnologia evoluiu e deu origem a novos modelos, incluindo versões privadas voltadas para companhias e instituições públicas.
Neste guia, o InvestNews explora em detalhes como a blockchain funciona, os principais tipos disponíveis e como esse sistema tem sido aplicado não apenas no mercado de criptoativos, mas também em diversas outras indústrias. Além disso, revela suas vantagens, riscos e o nível de segurança que ela realmente oferece.
O que é blockchain?
O termo blockchain vem da junção das palavras em inglês block (bloco) e chain (cadeia ou corrente), podendo ser traduzido como “cadeia de blocos”. Em essência, é uma tecnologia que funciona como um livro contábil digital, permitindo que todas as transações de criptomoedas dos usuários sejam armazenadas e verificadas, sem a necessidade de um controlador central.
“Imagine como se fosse um grande caderno em que anotamos todas as transações feitas, mas com uma diferença: ele é compartilhado com várias pessoas ao redor do mundo. Cada página deste livro é um ‘bloco’ e, quando ela é preenchida, é ligada à página anterior, formando uma ‘corrente’ de informações. Sempre que alguma coisa é anotada ali, ninguém consegue apagar ou alterar, o que torna a blockchain confiável e transparente”, explica Márlyson Silva, CEO da Transfero, fintech de ativos digitais.
Debates sobre redes descentralizadas ocorrem desde o início da década de 1990. Contudo, sua aplicação prática ganhou vida apenas no final de 2008 no white paper (guia) do Bitcoin (BTC), criado por Satoshi Nakamoto, um personagem misterioso do mercado cripto cuja verdadeira identidade permanece um mistério até os dias de hoje.
Qual diferença entre Blockchain, Bitcoin e criptomoedas?
A blockchain é a tecnologia subjacente do Bitcoin e das criptomoedas, funcionando como um livro-razão que registra transações delas de forma imutável. Uma vez processadas, as informações não podem ser alteradas.
Já o Bitcoin e as demais criptomoedas são uma aplicação específica dentro da blockchain. O Bitcoin, por exemplo, foi o primeiro caso de uso prático nesse sistema. Normalmente, tanto a blockchain como seus criptoativos nativos são chamados pelo mesmo nome.
Como Blockchain funciona?
Atualmente, existem diferentes tipos de blockchain. Para fins didáticos, a explicação, abaixo, foca no sistema utilizado pelo Bitcoin e por outras criptomoedas similares, como Litecoin (LTC), Bitcoin Cash (BCH) e Dogecoin (DOGE).
Quando um usuário envia Bitcoin para outro, seja por meio de uma exchange ou diretamente por uma carteira, essa transação é registrada em um dos blocos da blockchain. Cada bloco pode conter, em média, 2.500 transações e é “fechado” aproximadamente a cada 10 minutos. Isso significa que, em um dia, cerca de 144 blocos são concluídos.
Sem empresas ou governos no controle, a validação e o registro das transações ficam a cargo dos “mineradores”, computadores de alta potência espalhados pelo mundo, que trabalham sem parar para manter a rede funcionando. Como recompensa pelo trabalho, esses mineradores recebem novos BTCs por cada bloco finalizado, em um processo chamado de mineração. Tudo é gerido por um algoritmo chamado Proof of Work (prova de trabalho, na tradução para o protuguês).
Atualmente, essa recompensa é de 3,125 Bitcoins por bloco, um valor que é reduzido a cada 4 anos em um evento conhecido como halving, o que torna a criptomoeda cada vez mais escassa. De acordo com as regras definidas por Nakamoto, o número total de Bitcoins que podem ser minerados é limitado a 21 milhões de unidades. Estima-se que essa marca será atingida por volta do ano 2140.
Blockchain e os ‘smart contracts’
Até meados de 2015, a blockchain era basicamente associada ao Bitcoin, sua primeira aplicação prática. Porém, com o lançamento do Ethereum (ETH) em meados daquele ano, a tecnologia evoluiu. Isso porque o novo projeto cripto, hoje o segundo maior do mundo em valor de mercado, introduziu os famosos smart contracts (contratos inteligentes), que expandiram os casos de uso do sistema.
Os smart contracts são códigos de computadores executados automaticamente quando certos termos e condições definidos previamente são atendidos, sem a necessidade de um intermediário para garantir essa execução. Essa funcionalidade abriu espaço para desenvolvedores criarem seus próprios projetos, como novos tokens, aplicativos descentralizados (DApps), plataformas de empréstimos, entre outros.
Quais os principais tipos de blockchains?
Há 4 tipos principais de blockchains, segundo relatórios da consultoria Deloitte e da Paxos, uma fintech de criptomoedas baseada nos Estados Unidos. Veja:
Blockchains públicas
São descentralizadas, abertas e transparentes, permitindo que qualquer pessoa participe sem restrições. São ideais para as criptomoedas. Alguns dos desafios desse tipo de blockchain são a baixa velocidade de transação e a escalabilidade limitada. Elas não têm privacidade. As redes do Bitcoin, Ethereum e outras criptos são públicas.
Blockchains privadas
São blockchains controladas que limitam acessos aos participantes. Portanto, oferecem maior privacidade, controle e processamento rápido de transações. Alguns dos exemplos são Hyperledger Fabric e MultiChain. O Banco Central escolheu a plataforma Hyperledger Besu, que é privada, para o projeto-piloto de moeda digital do banco central (CBDC), o Drex.
Blockchains híbridas
As blockchains híbridas combinam características das públicas e privadas, oferecendo níveis de acesso personalizáveis e equilíbrio entre descentralização e controle. São recomendadas para setores regulados que precisam compartilhar dados seletivamente, como saúde e finanças. Exemplos incluem a plataforma XinFin e a blockchain da IBM. Apesar da flexibilidade, sua governança e gerenciamento podem ser complexos e exigir recursos significativos.
Blockchains consorciadas
São controladas por um grupo de organizações que compartilham custos e riscos. Promovem maior segurança e confiança em processos colaborativos, sendo usadas em gestão de cadeias de suprimentos e compartilhamento seguro de dados. Um exemplo, segundo a Paxos, é a plataforma R3’s Corda. Um dos principais desafios é encontrar consenso e governança eficazes entre diferentes entidades.
Quais são as aplicações de uma blockchain?
O primeiro caso de uso da blockchain foi no setor de criptomoedas. Porém, nos últimos anos, a tecnologia expandiu seu alcance, tanto para setores financeiros como para outras áreas. Veja, a seguir, algumas aplicações.
Transferências: Blockchains podem ser usadas para transferências rápidas e seguras de criptomoedas, sem intermediários. Enviar US$ 200 da África Subsaariana é cerca de 60% mais barato via stablecoins do que por meio de métodos tradicionais em moedas fiduciárias, segundo levantamento da empresa Chainalysis. Tether (USDT) e USD Coin (USDC) são dois exemplos.
Empréstimos: Plataformas de empréstimos descentralizados também podem ser construídas nesse sistema. Via smart contracts, usuários podem pegar empréstimos em criptos, sem intermediários, como bancos, desde que deixem garantias. Um exemplo é o Aave (AAVE).
Agronegócio: A blockchain também possibilita a criação de “tokens digitais lastreados em produtos agrícolas, permitindo negociação e acesso a crédito de forma eficiente e segura”, diz Ariel Scaliter, fundador e CTO da Agrotoken, empresa de tokenização de commodities agrícolas.
Jurídico: É possível ainda criar contratos autoexecutáveis via smart contracts, segundo Scaliter, “que reduzem custos e aumentam a segurança”. Eles podem ser aplicados em transações de imóveis e outros acordos legais, por exemplo, segundo o especialista.
Logística: A blockchain também pode ser aplicada no acompanhamento de cadeias de suprimentos. Um exemplo é o IBM Food Trust, uma plataforma que utiliza essa tecnologia para conectar produtores, distribuidores e varejistas, permitindo o rastreamento de alimentos em todas as etapas do processo.
Quais são as maiores blockchains?
Apesar de a blockchain ter invadido outros setores, o principal uso continua sendo no setor de criptomoedas, especialmente na criação de tokens e projetos da área. Confira, abaixo, quais as maiores blockchains com base no Valor Total Bloqueado (TVL), métrica que mostra o montante total de recursos guardados nelas. Os dados, referentes ao início de janeiro de 2025, são da plataforma CoinGecko.
Ethereum: A rede do Ethereum, segunda maior criptomoeda do mundo, é a maior do mercado. Usuários utilizam essa blockchain para lançar novos tokens, plataformas de empréstimos, entre outros. O TVL é de US$ 65 bilhões.
Solana: Conhecida como uma das principais Ethereum Killers (termo usado para identificar concorrentes do Ether), a rede ficou popular para lançamentos de memecoins. O valor total chegou a US$ 8,7 bilhões.
Tron: É uma rede que promete acelerar a descentralização da internet por meio da de blockchain e de aplicativos descentralizados (DApps, na sigla em inglês). Há US$ 7,1 bilhões em valor no sistema.
Bitcoin: Apesar de ter sido construído para ser um dinheiro eletrônico para pagamentos on-line, sua rede também tem sido utilizada para criação de outros tokens. Dois exemplos são o Ordi (ORDI) e o protocolo Ordinals. O TVL é de US$ 6,3 bilhões.
BNB Smart Chain: É uma blockchain desenvolvida pela Binance, maior exchange de criptomoedas do mundo por valor de mercado. Ela suporta contratos inteligentes e aplicativos descentralizados. A rede tem um Valor Total Bloqueado de US$ 5,3 bilhões.
Blockchain é segura?
Sim, a blockchain é segura, segundo especialistas. Um dos motivos, de acordo com Silva, da Transfero, é que ela não fica em um lugar só, mas é copiada e distribuída para milhares de computadores no mundo todo. “Para alterar uma transação, portanto, seria necessário modificar todas as cópias ao mesmo tempo, o que dá para falar que é impossível”.
Scaliter, da Agrotoken, destaca que a segurança da blockchain está fortemente associada a três características fundamentais da tecnologia:
- ser descentralizada, ou seja, sem um ponto único de controle;
- criptografada, utilizando códigos altamente complexos e difíceis de serem quebrados;
- e imutável, garantindo que as informações, uma vez registradas, não possam ser alteradas.
Quais os riscos das blockchains?
De acordo com especialistas, também é extremamente difícil hackear uma blockchain. No entanto, não é impossível. Para invadir e mudar alguma transação na rede do Bitcoin, por exemplo, um grupo criminoso teria que controlar mais de 50% do poder de processamento do sistema, algo chamado no mercado de “ataque de 51%”. Se conseguissem, eles seriam capazes de impedir transações ou mesmo duplicar gastos.
Porém, para fazer esse tipo de investida virtual, seria preciso desembolsar uma boa grana. Para ser mais exato: US$ 20 bilhões para produzir máquinas de mineração de cripto e mais US$ 7,8 bilhões por hora de energia, segundo estudo divulgado pela empresa de inteligência de criptomoedas Coin Metrics em março de 2024, o que torna o ataque “economicamente inviável”.
A segurança e a resistência a invasões, porém, são características de sistemas já consolidados. “Em blockchains menores ou menos distribuídas, há uma chance maior de vulnerabilidades”, diz Silva, destacando que os sistemas que interagem com essas redes, como carteiras digitais ou aplicativos, também estão mais suscetíveis a ataques.