Na pandemia, o setor aéreo se viu em um cenário literalmente de terra arrasada. Fronteiras foram fechadas, voos foram cancelados, aeroportos ficaram vazios, ninguém saía de casa e muito menos viajavam de avião. Em meio a essa tempestade, as ações de Gol e Azul despencaram mais de 80%.
A ação da Azul (AZUL4) chegou a cair mais de 83% entre a máxima de R$ 62, registrada em 28 de janeiro, e a mínima de R$ 10, em 18 de março. Já a ação da Gol (GOLL4) perdeu mais de 85% entre o pico de R$ 39 em 23 de janeiro e a mínima de R$ 5,60 também no dia 18 de março.
Depois do fundo do poço, as ações da Gol subiram 387% até o começo de dezembro e as da Azul, 314%. Mesmo assim, os papéis ainda estão longe de chegar ao valor pré-pandemia. As altas não foram motivadas pelos resultados financeiros, mas sim pelo otimismo com o desenvolvimento de vacinas contra a covid-19 e a perspectiva de uma retomada do setor em um menor período.
Antes da pandemia, Gol e Azul operavam alavancadas – isto é, administrando dívidas altas devido ao aumento no número de aeronaves alugadas. As empresas contraíram dívida para atender à demanda de passageiros e aumentar o faturamento. As ações estavam próximas das máximas históricas, mesmo este sendo um setor complicado. Os custos são bem altos e em dólar, como é o caso das despesas com combustível de avião e o leasing das aeronaves. O setor também possui baixa margem de lucro.
A despesa com combustível para as aeronaves corresponde a um terço dos lucros operacionais, esteja o avião cheio ou vazio. Outro terço é formado pelo aluguel das aeronaves e o custo com funcionários. As empresas pagam o arrendamento das aeronaves independentemente de elas estarem no ar ou paradas. Tudo isso somado à baixa margem de lucro faz com que a fórmula do negócio seja volume. Só que, no auge da pandemia, o número de passageiros despencou quase 90%. E sem demanda não existe voos. E sem voos não existe receita.
Outro ponto que tem grande impacto nos resultados é o câmbio. As aéreas brasileiras têm pouca receita em dólar, já que têm poucos voos internacionais, mas grande parte dos custos e quase toda a dívida são na moeda americana. Um exemplo é o arrendamento das aeronaves. No terceiro trimestre, a Azul teve um aumento de R$ 253 milhões na despesa líquida com a depreciação média de 35% do real e devido o arrendamento de 14 aeronaves da sua frota.
Esse otimismo não é com os resultados, já que no terceiro trimestre a receita líquida da Gol foi de R$ 975 milhões, uma queda de 74% em relação a 2019, mas uma expansão de 172% na comparação com o segundo trimestre deste ano. A receita líquida da Azul foi de R$ 805 milhões, 73% menor que a do ano passado, mas 100% maior que a do segundo trimestre deste ano.
A Gol registrou um prejuízo líquido de R$ 872 milhões, contra um lucro de R$ 263 milhões no terceiro trimestre de 2019. Ou seja: o resultado piorou mais de R$ 1 bilhão em um ano. A azul teve um prejuízo ainda maior, de R$ 1,2 bilhão no terceiro trimestre deste ano, contra um lucro de R$ 550 milhões no mesmo período de 2019. Uma diferença de R$ 1,75 bilhão.
Não foram os balanços financeiros os heróis desta alta recente nas ações de ambas as companhias. Por isso que analistas indicam cautela a quem quiser investir neste setor. A alta nas ações indicam um movimento de recuperação, não de crescimento. Até agora, o papel da Gol ainda recua 53% no ano. Já a Azul ainda despenca 68%.
Mas é fato que existe sim um otimismo no mercado e uma expectativa em relação à retomada econômica. O mercado está assumindo que os valores baixos não se justificam, já que as aéreas não vão chegar ao fundo do poço como se temia meses atrás.
Fato é que no cenário doméstico há um movimento de retomada gradual das operações, como em trechos entre capitais que trazem um bom fluxo de passageiros. Outro ponto é o recuo na valorização do dólar, o que reduz as despesas das companhias. E isso beneficia tanto a Gol como a Azul.
Apesar de muito endividadas, ambas as companhias renegociaram com credores e funcionários, garantindo liquidez para suportar ao menos 12 meses de turbulência. Aqui vale destacar que as empresas estavam alavancadas por causa da falência da Avianca no ano passado. Ao mesmo tempo que as concorrentes ganharam mercado, foi preciso aumentar frota para atender ao excesso de demanda.
Neste ano, foi a vez de a Latam pedir recuperação judicial. A empresa que nasceu com a fusão entre a chilena Lan e a brasileira Tam sofreu em diversos países por causa da pandemia. Assim, apesar de Gol e Azul também estarem sofrendo as consequências do novo coronavírus na economia, elas podem aproveitar a situação mais frágil da Latam para ganhar ainda mais mercado.
Para isso, a Gol tem uma estratégia de retomar a modernização da frota. /Ela só opera Boeings 737, mas para 2021, espera um lote de 95 Boeings 737 Max, que passaram por um recall após dois acidentes aéreos com mais de 300 mortes e agora receberam autorização para voltar a voar. Os novos modelos têm capacidade de voar mil quilômetros a mais que o atual e consomem 15% menos combustível.
Já Azul tem diferentes modelos e tamanhos de aeronaves, o que dá para um poder de adaptação conforme a demanda. Se a empresa não conseguir vender todos os assentos de uma aeronave de grande porte, ela pode optar por usar um avião médio. Se o mesmo ocorrer com um avião médio em uma rota de menor demanda, pode ainda optar por uma aeronave ainda menor. Assim, a companhia não queima dinheiro com assentos ociosos.
Recentemente, a agência de classificação de risco Fitch rebaixou a nota de longo prazo das duas empresas. A Azul passou de “B-“ para “CCC” e a Gol, de “B-“ para “CCC-“.
Segundo a Fitch, o rebaixamento foi tanto pela baixa demanda por viagens, as incertezas sobre a recuperação do mercado e também pela possibilidade das aéreas não conseguirem levantar crédito nos próximos meses. Para aumentar a confiança dos investidores, as duas empresas projetam dobrar as operações até o fim do mês e chegar a 80% dos voos realizados em 2019. A retomada do nível pré-pandemia é estimada apenas para o segundo trimestre de 2021.
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