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Round 6, da Netflix, mostra como estar endividado molda nossas decisões

Série causa muito barulho pela denúncia que faz da desigualdade na Coreia do Sul, país geralmente associado à inovação.

Round 6 / Divulgação

Maior sucesso da história da Netflix (NFLX34), a série coreana Round 6 é um dos fenômenos do ano. O tema é um jogo mortal disputado por pessoas que, endividadas, aceitam colocar a vida em risco e até mesmo matar umas às outras em troca de pagar o que devem para diversão de pessoas muito ricas.

A série vem causando muito barulho pela denúncia que faz da desigualdade na Coreia do Sul, país geralmente associado à inovação e por ter, em poucas décadas, deixado a pobreza para se tornar um dos mais ricos do mundo. Mas este sucesso, mostram obras como Round 6 e também o filme Parasita, ganhador do Oscar do ano passado, também criou uma sociedade muito desigual, com pessoas vivendo como os personagens da série, sempre desesperadas e precisando de dinheiro. Ou fugindo dos credores.

É uma obra um tanto maniqueísta, mostra os ricos como pessoas ruins, que se divertem com a pobreza alheia e não dão valor à vida dos menos favorecidos. Agora, além da crítica social e de ser uma boa obra de ficção, com um visual dos mais criativos e personagens cativantes, é também uma curiosa lição sobre como o débito influencia as nossas decisões.

Dívidas, obtidas através de algum tipo de crédito, seja por amizade, parentesco ou uma ida ao banco, fazem parte do coração da economia. Empresas se endividam para financiar investimentos ou comprar concorrentes e crescer mais rápido. Pessoas podem contrair dívidas para uma emergência, aumentar a própria renda, por exemplo, em programas como o Fies, que pagam a faculdade. E mais tarde, quando terminarem de pagar, se endividar de novo para comprar um imóvel.

Mas quando as dívidas não podem ser pagas tudo se complica. Inclusão nos cadastros de dívidas e mais dificuldades para continuar operando, no caso de empresas, ou ficar com o nome sujo nos serviços de proteção ao crédito, para os consumidores. Ou, como no caso de Round 6, às vezes até acabar devendo a agiotas.

Estar endividado pode mesmo mexer com as habilidades cognitivas das pessoas. Um estudo recente, de pesquisadores das Universidades de Chicago e de Berkeley, além da Paris School of Economics, com trabalhadores indianos de baixa renda demonstra que o medo de não se pagar o que deve cobra uma espécie de imposto em esforço mental dos endividados.

Um grupo de trabalhadores foi contratado para produzir pratos descartáveis recebendo o salário uma vez por mês. Para outro grupo, foi oferecido o mesmo salário, mas com o salário sendo pago a cada duas semanas, duas vezes por mês. O resultado foi uma produtividade maior entre quem passou a ser pago duas vezes. Não apenas as pessoas passaram a produzir mais pratos como a produzir menos pratos defeituosos.

Ganhando pouco, o dinheiro não dá para o dia a dia e as pessoas de menor renda acabam recorrendo a amigos ou conhecidos para cobrir o período sem pagamento. A dívida cria mais preocupações, deixando elas menos focadas no trabalho. No entanto, um pagamento menos espaçado fez com que o foco voltasse à produção, beneficiando trabalhadores e a empresa.

Se tornar superendividado é desumanizante. É a lição da série com algum exagero, mas também fundamento na vida real. Mas que, dependendo do caso, passa menos pela desigualdade e mais pela educação financeira.

*Samy Dana é Ph.D em Business, apresentador do Cafeína/InvestNews no YouTube e comentarista econômico.

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