Insider trading é algo difícil de descobrir. Nos últimos 21 anos, só uma pessoa foi condenada no Brasil por uso de informação privilegiada. Não é à toa, muitas vezes quem lucra não está diretamente ligado à empresa. Quer dizer, supõe-se que não tenha lucrado. Mas a mesma dificuldade de saber que o golpe aconteceu impede de saber como o golpe aconteceu. Daí a importância de um crime cometido por hackers russos e ucranianos.
Entre 2010 e 2015, eles invadiram os sistemas de três grandes agências de notícias corporativas – Business Wire, PR Newswire e Marketwired –, que costumam obter antecipadamente das empresas, sob estrito embargo, dados que vão movimentar o mercado, como comunicados à imprensa, anúncios regulatórios e resultados financeiros, permitindo que sejam analisados para os assinantes do serviço antes da divulgação.
Nove mil comunicados foram roubados e abasteceram as estratégias de um grupo de investidores, todos residentes nos Estados Unidos, que haviam fornecido aos criminosos uma lista de empresas que seriam alvos do esquema. Em troca, os hackers ficariam com 40% dos lucros. Um caso que mostra como a internet revolucionou as negociações com informações privilegiadas.
O grupo operava fazendo compras horas antes do mercado fechar, quando os comunicados eram finalmente divulgados. Antes de ser descoberto pelas autoridades americanas, o golpe gerou um lucro de US$ 100 milhões, permitindo que os hackers, todos jovens, ostentassem uma vida de luxo na Ucrânia.
O final não é muito feliz para os defensores da lei. A Ucrânia se recusou a extraditar os hackers para os Estados Unidos. A maioria dos investidores sequer foi identificada e só um dos envolvidos foi preso e sentenciado – a apenas 30 meses de prisão, um ótimo negócio para quem ganhou milhões de dólares.
Mas para o economista Charles Martineau, professor da Universidade de Toronto, no Canadá, era finalmente a oportunidade de verificar como a informação privilegiada afeta as escolhas dos investidores. Junto com outros dois economistas e professores, Pat Akey (Universidade de Toronto) e Vincent Grégoire (Escola de Gestão Montreal), ele analisou as negociações com os dados roubados. O resultado acaba de ser publicado no Journal of Financial Economics.
É de se imaginar que saber algo que a maioria não sabe torna as pessoas mais propensas ao risco. Afinal, é muito menos provável que vá errar. Mas os investidores-golpistas na verdade não foram muito arrojados. Preferiam as ações de grandes empresas, que recebem grande cobertura de informações. E operavam principalmente quando as informações indicavam grandes gaps em relação ao valor que as ações atingiam quando os dados eram divulgados.
O comportamento em geral mostrava cautela, com os investidores atentos não apenas aos dados financeiros, mas como os analistas os interpretavam para os clientes das notícias, outros operadores do mercado financeiro. Se havia grande discordância entre os números e os textos, desistiam do investimento.
O trabalho também permitiu verificar que o mercado se adapta rapidamente à movimentação suspeita de preços, cobrando mais pelos papéis diante do aumento da demanda. Em geral, quando os resultados eram divulgados, 50% do impacto já tinha sido incorporado aos preços – um resultado que surpreendeu os pesquisadores.
No final das contas, é uma história de fraude e, infelizmente, impunidade. Mas também sobre comportamento. E demonstra que mesmo ter uma vantagem sobre o mercado não reduz a aversão ao risco.
*Samy Dana é Ph.D em Business, apresentador do Cafeína/InvestNews no YouTube e comentarista econômico. |
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