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Por Dentro do Negócio

Ambev: modelo de negócio tradicional pode destravar valor com inovações?

Através de estratégias de crescimento, empresa fez movimentos para avanços tecnológicos e aumentou amplitude de atuação.

Você prefere empresas que são rápidas nas transformações de seus modelos de negócios e mostram oportunidades extraordinárias de crescimento? Ou prefere empresas com modelos mais maduros, estáveis, geradoras de caixa e lucro, que pagam níveis satisfatórios de dividendos, mas com menores expectativas de crescimento?

De modo geral, a Ambev (ABEV3) pode ser considerada uma empresa do segundo grupo. Tem vários méritos, só que não foi tão rápida na sua transformação.


Mas ela quer mudar esse jogo: nas palavras do seu CEO, Jean Jereissati, a Ambev é “uma plataforma com diversos negócios, que facilita a conexão entre as pessoas e gera crescimento compartilhado para todo o ecossistema, e que não é mais apenas uma companhia de bebidas.”

Tempos atrás, a companhia acelerou o lançamento e aquisição de várias marcas artesanais, como a Colorado, e inovou em receitas e embalagens. Isso, entre outros fatores, ajuda a explicar a valorização das suas ações entre 2015 e início de 2018.

De toda forma, a Ambev está em transição. Seu negócio depende muito de cervejas e refrigerantes, e o mercado é grande. Existem mudanças nas preferências dos consumidores que geram oportunidades, por exemplo, lançar bebidas mais saudáveis ou com outras formulações.

No entanto, em setores maduros, os retornos sobre atividades de pesquisa e desenvolvimento focadas na inovação de produto tendem a ser de ganhos marginais ou até de retornos decrescentes.

Na prática, isso quer dizer que empresas gastam muitos recursos, esforço e tempo para fazer inovações incrementais irem ao mercado, mas a maioria delas não será amplamente adotada pelos consumidores, ou o mercado não pagará um preço premium que justificaria a inovação, uma vez que não há grandes mudanças mais radicais nos produtos.

Aliás, isso acontece em diversas indústrias, como agronegócio, indústria farmacêutica, automotiva, entre tantas outras.

Em mercados com essas características, é comum encontrarmos empresas líderes que conseguem bons níveis de margem, e a ameaça de novos entrantes é relativamente baixa.

Não à toa, empresas de capital aberto nesse estágio costumam optar pelo pagamento de dividendos minimamente razoáveis a partir dos lucros gerados, atraindo investidores que preferem este caminho, uma vez que não há tanta expectativa de crescimento e ganhos por meio da valorização das ações.

Estratégias de fabricantes que miram a inovação e o consumidor

Durante décadas, a Coca-Cola (COCA34) foi a marca mais valiosa do mundo, segundo rankings como o da Interbrand. Porém, mesmo inovando em estratégias de distribuição e produtos, perdeu a posição de liderança em 2013 para a Apple (AAPL34) e Google (GOGL34). No ranking de 2021 da Interbrand, marcas como Amazon (AMZO34) e Microsoft (MSFT34) também estão à frente da Coca-Cola, que é a sexta marca mais valiosa do mundo, mas vem perdendo valor acentuadamente desde 2015.

No caso da Coca-Cola, o dividend yield, isto é, o dividendo como percentual do preço da ação, é por volta de 3%. O da Ambev tem sido em muitos períodos por volta de 3% a 4,5% também. Para se ter uma ideia de modelos de negócios diferentes, a Amazon sequer tem feito o pagamento de dividendos, pois sua estratégia é perseguir altos níveis de crescimento.

A grande questão até aqui é: será que a Ambev vai continuar neste modelo tradicional de empresa madura, ou vai perseguir estratégias de crescimento que demandam ajustes e inovações nos seus modelos de negócios?

O mercado observa que ela tem anunciado muitos movimentos interessantes para tentar ser uma empresa com inovações tecnológicas e mais adaptada aos avanços digitais e às mudanças no comportamento dos consumidores e pontos de vendas varejistas. Para pensar fora da caixa, em 2015, lançou o então hub de inovação chamado ZX Ventures, reunindo designers, programadores e empreendedores. É um misto de desenvolvedora, incubadora e fundo de participações.

Um exemplo de uma inovação bem-sucedida que nasceu na ZX é o ‘Zé Delivery’, aplicativo criado em 2016, que conecta vários pontos de venda para entrega rápida em domicílio, diretamente ao consumidor final.

No entanto, muitos argumentam que a Ambev demorou para tomar certas decisões como a de oferecer várias opções de bebidas para além do seu portfólio. Ainda assim, ela evita produtos concorrentes em bebidas e petiscos, e as categorias são mais limitadas. Com isso, veio a Rappi em 2018, com a proposta de que o consumidor poderia comprar uma variedade maior de itens.

De toda forma, a Ambev anunciou que o Zé Delivery responde por cerca de 6% do volume vendido pela empresa. Mais do que as vendas, é interessante a possibilidade de uma indústria conhecer mais, a partir de dados, navegação e transações, o comportamento dos consumidores finais que antes estavam mais distantes.

Como ponto alto da sua estratégia para tentar inovar além de bebidas, a Ambev também criou, em 2021, a Bees, plataforma digital de vendas para bares e restaurantes, incluindo até mesmo a revenda de produtos parceiros como BRF (BRFS3), Pepsico (PEPB34), o distribuidor M. Dias Branco (MDIA34) e o varejista GPA (PCAR3). Cerca de 88% de seus clientes neste canal já estão digitalizados. Ela oferece, ainda, o Bees Bank, serviço de crédito e conta digital aos clientes comerciais, contanto com cerca de 220 mil contas. O volume total processado já passa de R$ 1 bilhão, mas gera sobreposição com vários outros modelos de negócios em meios de pagamento.

As alternativas da Ambev

Ao mesmo tempo que busca se aproximar do consumidor, a Ambev tem feito várias iniciativas para os seus clientes varejistas, com estratégias de comprar, desenvolver ou colaborar com startups.

O seu hub de tecnologia, Z-Tech, quer ajudar pequenos e médios empreendedores a promoverem a transformação digital. Aliás, a Ambev anunciou ter investido 20% das suas receitas em projetos de inovação, e conta com hubs Ambev Tech, em Blumenau, Ambev Global Tech, em Campinas, e Z-Tech, em São Paulo.

A partir disso, as grandes questões que o investidor precisar acompanhar são:

  1. A Ambev tem condições de equilibrar e atuar com dois modelos de negócios, isto é, o de fabricante distribuidora de bebidas e o de tecnologia?
  2. A empresa tem apresentado capacidade de executar iniciativas mais centradas no consumidor final e calibrá-las com interesses dos clientes varejistas?
  3. O mercado perceberá esse movimento e aumentará as expectativas de crescimento da empresa, conforme novas fontes de receitas com os novos negócios digitais, como a Bees Bank e o Zé Delivery? Ou tudo isso adiciona complexidade e distrações ao negócio?

Como disse publicamente seu CEO, a Ambev não é o Alibaba (BABA34) que só tem a plataforma, nem a Nestlé que só tem as marcas. Portanto, uma métrica que pode ser de interesse para o investidor acompanhar é o quanto as novas fontes de receita começam a participar do negócio total que hoje é dependente da venda de bebidas.

Outro ponto: as empresas não vão gerar a inovação necessária tendo predominantemente lideranças que são amantes da sua indústria. Nisso, a Ambev parece estar inclinada a mudar. Em 2019, tinha cerca de 500 profissionais de tecnologia, em 2021, eram mais de mil e trezentos e um Chief Technology Officer (CTO) que passou por outros setores e empresas como a Amazon (AWS).

Contudo, a transformação do mindset não se dá apenas por meio da liderança em tecnologia, mas de uma cultura mais centrada no cliente, o que precisa envolver profissionais de marketing, vendas, finanças e operações.

Se a Ambev conseguir encontrar o balanço entre seu modelo de negócios tradicional e destravar valor com inovações para além da cultura tradicional de produto, distribuição e custos, o aumento da expectativa de crescimento no negócio pode influenciar um crescimento maior das ações e do seu múltiplo.

Considerando movimentos de mercado em outros setores e países, é difícil isso acontecer dentro da própria empresa. Muitas vezes, o potencial vem por meio de spin-offs, ou seja, o lançamento de negócios separados a partir de uma empresa existente.

Essa pode ser uma alternativa futura para a Ambev caso busque destravar mais valor, pois terá uma amplitude de atuação interessante e complexa para ficar amarrada a apenas uma empresa. Além do mais, o mercado pode ter dificuldades de visualizar o valor dessas iniciativas digitais.

*Leandro Guissoni é Ph.D., professor de estratégia no Brasil e Estados Unidos, empresário, palestrante e autor de livros, artigos e casos de empresas por Harvard. Assessora grandes empresas em inovação digital e analytics.

As informações desta coluna são de inteira responsabilidade do autor e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação. 

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