Em 2021, o mercado financeiro não baixou suas estimativas para a inflação nenhuma vez. Das últimas 15 edições do Boletim Focus, em que o Banco Central divulga semanalmente as projeções de centenas de economistas e analistas, houve 14 aumentos e 1 manutenção das previsões para a inflação neste ano. A projeção, que começou janeiro com 3% ao ano, já está em 4,92%.
A estimativa leva em conta o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado a inflação oficial do país. As expectativas já vinham subindo desde o final de 2020. E se elas se confirmarem, a inflação deve ficar acima do centro da meta do BC, de 3,75% a ano, embora ainda abaixo do teto (a meta tem limite de tolerância, de 1,5 ponto percentual para baixo ou para cima).
Mas não são apenas as projeções para a inflação que estão ganhando força. Os resultados do indicador também têm apontado para cima. O dado mais recente, de março, mostra que o IPCA já estourou o teto da meta do BC (de 5,25%). Em 12 meses, taxa foi a 6,1% em março.
O avanço da inflação tem feito o BC subir a Selic, taxa básica de juros da economia, com mais velocidade do que o esperado inicialmente pelo mercado. Em março, a taxa subiu de 2% ao ano para 2,75%, com previsão de novo aumento de 0,75 ponto percentual na reunião de maio. Se no começo de 2021 o mercado previa que a Selic fosse terminar o ano em 3,25%, hoje a projeção é de 5,25%.
O controle sobre os juros é a ferramenta de política monetária que o BC tem para tentar controlar a inflação. Isso porque, subindo a taxa, a demanda dos consumidores fica mais fraca e, assim, os preços tendem a cair.
Inflação em alta veio para ficar?
Ainda que a sinalização do BC seja de mais aumentos, o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, tem dito que a maior parte dos componentes por trás da inflação atualmente é de efeito temporário.
No entanto, entre os economistas, há os que apontam que a inflação pode deixar de ser apenas uma preocupação em 2021 para se tornar um problema, especialmente em um cenário já fragilizado por dúvidas sobre a recuperação do crescimento e desemprego crescente.
Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset, afirma que “o choque de inflação continua a não ser temporário, apesar de um arrefecimento a ser observado em breve”, conforme escreveu em relatório na última quarta-feira (14).
“Um ponto é a volatilidade cambial, a qual tem afetado em muito os custos ao atacado e varejo, o famoso ‘passthrough’ tão fortemente ignorado durante o ano passado, além do problema global do choque de oferta na cadeia de suprimentos, este sem absolutamente nenhum controle das autoridades locais”, diz Vieira. “Neste contexto, nossa política monetária precisa ainda lidar com a questão fiscal e o risco de descontrole.”
André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), defende que é possível observar um “espalhamento” gradual da inflação desde o ano passado, sustentada pelo aumento de preço de matérias primas e intensificada pela desvalorização cambial.
Ele aponta que, se em 2020 os grandes vilões da inflação foram os alimentos, o custo elevado de produção de vários segmentos industriais vem provocando também o aumento dos preços de bens duráveis e semiduráveis.
Em meio ao avanço da cotação do petróleo, que já acumula um avanço de mais de 30% somente neste ano, os combustíveis têm sido responsáveis por boa parte do avanço dos índices de inflação. Mas Braz explica que a alta do petróleo impacta não apenas no valor do diesel e da gasolina. “A petroquímica é muito vasta e não se limita apenas aos combustíveis. Plásticos e outros itens para agricultura, como adubos e defensivos, também vêm contaminados com o aumento do preço do petróleo”, aponta.
Segundo o economista, esse “espalhamento” para vários segmentos aumenta o risco de persistência do aumento da inflação. Além disso, a incerteza doméstica provocada pela pandemia e o endividamento público crescente sustentam o real desvalorizado, colaborando para o quadro inflacionário.
Também citando os aumentos dos custos das matérias primas e o efeito do “espalhamento” sobre outros preços, o economista César Bergo, coordenador no Mackenzie e presidente do Conselho Regional de Economia em Brasília, aponta a disparada do Índice Geral de Preços ao Mercado (IGP-M), que acumula alta de mais de 31% em 12 meses.
O forte avanço começou em 2020 com a disparada do dólar e dos custos aos produtores (a chamada “inflação na porta da fábrica”), enquanto os preços para o consumidor final demoraram mais para ganhar força.
“Com o IPG-M na faixa dos 30% e o IPCA na dos 5,5%, você vê a discrepância. Mas o IGP-M vira para o IPCA e fala: ‘eu sou você amanhã’. Amanhã, o varejo também vai estar com esses preços. Se o atacado subir, isso vai atingir o varejo”, afirma ele, acrescentando que “a inflação é perversa e não podemos brincar com ela”.
O banco francês BNP Paribas prevê que o IPCA chegue à casa dos 7,5% em 12 meses no terceiro trimestre de 2021, até perder força e terminar o ano na casa dos 5% – ou seja, acima do teto da meta do BC. “A inflação tem surpreendido para cima, tendo por trás o aumento dos preços de commodities e depreciação da moeda, com riscos crescentes para as expectativas”, disse o banco em relatório neste mês.
No entanto, não é consenso entre os especialistas que a inflação deva sair do controle. Da mesma maneira que o presidente do BC, o economista Fábio Astrauskas, CEO da Siegen Consultoria e professor do Insper, também diz que o avanço da inflação é um fenômeno temporário. “Não me parece que a gente tem movimentos mais que alimentam a inflação daqui para frente”, afirma ele.
Entre os fatores que ele cita para a expectativa de alívio da inflação estão a atividade econômica fraca, o desemprego crescente, cadeias de suprimento já ajustadas após o desarranjo da pandemia e o dólar que, apesar de alto, não deve ter fôlego para subir em relação ao real com a mesma intensidade do ano passado. “Então, provavelmente, a inflação de março, abril, maio, virá menor.”