A economia brasileira cresceu mais que o esperado no segundo trimestre deste ano, impulsionada pela atividade na indústria e no setor de serviços, além do consumo das famílias. Embora o desempenho tenha animado, podendo resultar em revisões para cima para o crescimento em 2023, não se descarta uma desaceleração econômica nos próximos trimestres. Afinal, os desafios internos e externos são muitos.
“Melhor que o esperado, abaixo do anterior, mostrando um passado bom. Para frente, os antecedentes estão mais desafiadores”, resumiu, em comentário na rede social X (antigo Twitter), o economista Jason Vieira, referindo-se à alta de 2,7% na comparação com mesmo período de 2022, ante alta de 4% no primeiro trimestre, no mesmo tipo de confronto.
Primeiro, as boas notícias. É consenso entre os especialistas consultados pelo InvestNews que as altas de 0,9% da indústria e de 0,6% dos serviços entre abril e junho, na comparação com os três primeiros meses deste ano, foram os destaques positivos na abertura dos números do Produto Interno Bruto (PIB).
“No geral, ainda é uma atividade boa, quando se olha o agregado, com a indústria e os serviços, por exemplo, ainda em um ritmo muito próximo ou até melhor, dependendo da base de comparação do trimestre passado. Ou seja, não está desacelerando”, explica o economista da Tenax Capital, Tiago Negreira.
Essa dinâmica robusta também é vista na alta de 0,9% do consumo das famílias. Para o economista André Perfeito, este impulso na demanda interna reflete o aumento na renda média real, devido à inflação sob controle e com o mercado de trabalho trazendo dados benignos, além de medidas do governo para estimular o consumo doméstico.
Prós e contras
Porém, é aí que a luz amarela é acesa. “Algumas taxações e desonerações que haviam sido anunciadas no fim do ano passado vão sair totalmente do radar. Então não vai mais acontecer e isso enfraquece o consumo. Então, daqui para frente a tendência é de desaceleração”, pondera a economista-chefe da B.Side Investimentos, Helena Veronese.
Também no lado das más notícias, a queda de 0,9% do PIB da agropecuária e o ligeiro aumento de 0,1% da formação bruta de capital fixo (FBCF) surpreenderam de forma negativa. A própria taxa de investimento, de 17,2% do PIB, também foi baixa, mostrando as dificuldades da economia em gerar valor no futuro, principalmente na reta final do ano.
“A composição do crescimento econômico segue preocupando em função dos vetores que o impulsionam. Ao contrário dos três primeiros meses do ano, quando a agropecuária e as importações tiveram papel de destaque, viu-se alguma reação dos motores domésticos de crescimento no segundo trimestre, muito embora tenha sido causada por motivos que não necessariamente provocam um crescimento orgânico da economia”, afirma a CM Capital.
Na mesma linha, os economistas da Ativa Investimentos Guilherme Sousa e Étore Sanchez, afirmam que, em linhas gerais, os números do PIB ainda estão longe de denotar um crescimento estruturalmente robusto da economia. Além disso, eles observam que um sobreaquecimento da atividade nesses parâmetros reforça a preocupação com possíveis repiques inflacionários, o que pode limitar o espaço para a queda da taxa Selic.
Ainda mais com o resultado do PIB melhorando as estimativas de expansão para o ano. “O crescimento no segundo trimestre muito acima da expectativa de mercado faz com que as projeções para o PIB se tornem ainda mais positivas para 2023, sendo bem possível que haja novas revisões no [relatório] Focus nas próximas semanas”, prevê a CM corretora.
Dois cuidados e dois alertas
Porém, é importante ressaltar que uma melhora na projeção de crescimento do PIB brasileiro neste ano não muda a perspectiva de desaceleração à frente. Ao contrário, a previsão de perda de tração da economia doméstica nos próximos trimestres se mantém, com os efeitos adversos vindos do menor crescimento global.
“Levando-se em conta que o mundo ainda está em desaceleração, aqui também deve começar a mostrar alguma desaceleração. Então, a expectativa é que os próximos trimestres venham fracos”, resume Álvaro Bandeira, coordenador da Comissão de Economia da APIMEC Brasil.
Ele lembra que a previsão trazida na proposta do Orçamento de 2024, apresentada na véspera (31), de um crescimento de 2,3%, é “bem maior” do que as previsões que constam na Focus atualmente, de 1,3%. Portanto, é preciso ter cautela, pondera.
Para Bandeira, “são dois cuidados e dois alertas”. De um lado, espera-se uma desaceleração econômica global, diante da retomada mais lenta na China e do aperto dos juros promovido pelo Federal Reserve, e também interna nos próximos trimestres. Essa perspectiva deve se refletir no desempenho da indústria brasileira e do consumo doméstico.
De outro, está o déficit fiscal pode não ser zerado em 2024, como prevê o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. “Afinal, estamos falando de um Orçamento, com uma relação de receitas e despesas equilibradas, que podem acabar não ocorrendo, devido à grande expectativa de arrecadação que são difíceis’, completa o especialista.
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Portanto, passada a divulgação do PIB, o mercado financeiro seguirá atento ao debate fiscal. Após o governo apresentar propostas que tratam do aumento da receita via taxação de fundos – exclusivos e offshores – o foco se desloca para cortes nos gastos públicos
“O governo ainda não colocou nada ou não propôs nada sobre cortes na máquina pública e isso deixa os investidores insatisfeitos”, avalia Dierson Richetti, especialista em mercado de capitais e sócio da GT Capital. Para ele, deve haver uma pressão sobre o governo para se posicionar nesse sentido.
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