A meta de inflação voltou a ser cumprida pelo Banco Central. Pela primeira vez desde 2020, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador oficial brasileiro, encerrou o acumulado do ano dentro do intervalo definido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
Mais que isso, foi a primeira vez desde que a autonomia formal da autoridade monetária entrou em vigor, em fevereiro de 2021, que tal objetivo foi alcançado. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o IPCA acumulou alta de 4,62% em 2023.
Trata-se de um número que ficou abaixo do teto da meta perseguida pelo BC. Para o ano passado, o chamado centro da meta era de 3,25%, com margem de tolerância de 1,5 ponto porcentual (pp) para baixo ou para cima. Ou seja, poderia oscilar entre 1,75% e 4,75%.
Para se ter uma ideia, no primeiro ano de autonomia do BC, em 2021, o IPCA ficou praticamente o dobro do tolerável, em 10,06%, ante um alvo de até 5,25%. Já em 2022, a inflação ficou mais perto do limite, mas ultrapassou a faixa permitida e fechou em 5,79%, acima do teto de 5%.
Portanto, diferentemente dos últimos dois anos, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, inicia 2024 sem se ver obrigado a explicar em carta pública endereçada ao CMN as razões do estouro da meta, conforme manda a lei.
Seja como for, o fato de a inflação ter ficado dentro da meta pela primeira vez nesta nova década foi comemorado por uma das integrantes do CMN: a ministra do Planejamento, Simone Tebet, na rede social X (antigo Twitter).
“Vilã dos mais pobres, inflação de 2023 fica em 4,62% e volta para dentro do intervalo da meta depois de dois anos. (…) Sigamos fazendo nosso dever de casa para repetir em 2024 os bons resultados da economia obtidos no ano passado (…)”
Simone Tebet, ministra do Planejamento, na rede social X
Além de Tebet, o CMN é composto também pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e pelo próprio presidente do BC.
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Replay em 2024?
Apesar da meta alcançada, o resultado mais salgado do IPCA em dezembro deixa dúvidas sobre a possibilidade de uma repetição dessa conquista pelo Banco Central em 2024. Ainda segundo o IBGE, o índice de preços ao consumidor acelerou para 0,56% no mês passado ante alta de 0,28% no mês anterior, em meio ao impacto nos preços vindo de alimentos e transportes.
Pesquisa da Reuters apontava expectativa de alta de 0,48% no mês, levando a uma taxa acumulada em 2023 ainda menor, de 4,54%. Os números efetivos, porém, vieram acima do previsto pelo mercado e sugerem maior cautela para o comportamento da inflação à frente, diante dos riscos vindos da aceleração dos núcleos do IPCA e dos preços de serviços.
“A divulgação do índice de dezembro traz informações qualitativamente e quantitativamente piores do que o precificado pelo mercado. Ainda é cedo para cravar que o processo desinflacionário começa a apontar mudança de ritmo, mas é inegável que houve um primeiro ponto nesse sentido”
Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, em comentário
Diante disso, o mercado financeiro avalia que o Comitê de Política Monetária (Copom) pode manter o ritmo de queda da taxa Selic em 0,50 ponto percentual (pp) ao longo deste ano, contrariando a expectativa inicial de aceleração nos cortes depois de março para 0,75 pp.
“Os dados de hoje mantêm a perspectiva de cautela com a taxa de juros ao longo de 2024. Apesar de certa insistência em cortes mais fortes neste ano, os números do IPCA sugerem que a convergência da inflação à meta será mais lenta”
André Perfeito, economista, em comentário
Nesse sentido, economistas podem ser instigados a ajustar para cima a previsão de juro terminal ao final do ciclo de alívio, com a taxa ficando mais próxima dos dois dígitos. Segundo relatórios de mercado Focus, do BC, divulgados neste ano, a estimativa é de que a Selic encerre o ano de 2024 em 9%.
Perfeito, porém, mantém a previsão de Selic em 9,75% ao final deste ano. “Seja como for, uma Selic em 9,75% não é de forma alguma uma má notícia, o problema é o mercado muito mais otimista que o bom senso recomenda. Muitas vezes, dependendo do ponto de partida, até uma boa notícia pode parecer ruim”, pondera o economista.
Meio cheio ou meio vazio?
Embora o IPCA mensal sinalize pressão inflacionária em alguns itens mais voláteis, a trajetória de desaceleração da inflação nos últimos dois anos merece destaque. Aliás, vale lembrar que no início de 2023, a expectativa era de um IPCA mais parecido com o de 2022, próximo a 6%.
Ainda assim, há quem analise o cenário com mais cautela. “O momento da inflação na virada de ano não é dos melhores, com a inflação de serviços ameaçando interromper o processo de desinflação”, pondera Lucas Farina, analista econômico da Genial Investimentos, em comentário.
Além disso, chama atenção os efeitos altistas do El Niño nos preços. “A alta do IPCA de dezembro já se deve aos problemas climáticos que os produtores vêm enfrentando, impactando a produção de alimentos e encarecendo os preços”, comenta Andre Fernandes, head de renda variável e sócio da A7 Capital
Mas os impactos não devem ser apenas nos alimentos. Do filtro solar à mesa do brasileiro, a “inflação do calor” já afeta o bolso dos cidadãos. Daí porque a política monetária deve ser conduzida com cautela, embora Campos Neto provavelmente tenha respirado aliviado ao ver o resultado do IPCA de 2023.
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