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Economia

Brasil deve ter deflação nos próximos meses? O que os economistas pensam

IPCA teve queda em julho e agosto, e IPCA-15 indica novo recuo em setembro; o que esperar?

A redução na tributação de combustíveis, energia elétrica e telecomunicações puxou para baixo a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que registrou dois meses consecutivos de deflação, em julho e agosto. A prévia da inflação de setembro (IPCA-15) indicou nova queda de preços. Mas, afinal, o Brasil deve ter deflação nos próximos meses?

Especialistas ouvidos pelo InvestNews afirmam que o fenômeno de queda de preços é pontual e que setembro deve registrar leve taxa negativa. “Setembro deve ser um mês em que pode ter leve deflação. Para outubro, a tendência não é esta. Previsão de uma inflação pequena e que siga esse ritmo até o final do ano”, afirma João Daronco, analista da Suno Research.

“Isso (o movimento de deflação) é extemporâneo e não vai acontecer de uma forma sistemática”, acrescenta Simão Davi Silber, professor da FEA-USP, sobre a nova perspectiva de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). “Não é o fenômeno da deflação característico de uma economia que está com queda de PIB. Nós vamos ter um aumento bem razoável de PIB este ano.”

Em 15 de setembro, a Secretaria de Política Econômica, do Ministério da Economia, elevou a previsão oficial do PIB de 2% para 2,7%. O PIB registrou avanço de 1,2% no 2º trimestre de 2022 em comparação ao 1º trimestre – crescimento acima do esperado e quarto período seguido de alta.

O IPCA, utilizado como referência pelo Banco Central para definir a política monetária (taxa de juros), recuou 0,36% em agosto e 0,68% em julho, cravando dois meses consecutivos de deflação. Nesse cenário, a inflação saiu da casa de dois dígitos e, em agosto, acumulava alta de 8,73% em 12 meses, ante 10,07% em julho. 

Mesmo com a expectativa de deflação em setembro, o país caminha para estourar a meta da inflação. Para 2022, o BC traçou meta oficial de 3,5%, com variação de 1,5 ponto percentual para mais ou menos – teto de 5% e piso de 2%. Já para 2023, a estimativa é de 3,25%.

De qualquer fora, especialistas comentam o alívio notado nos últimos meses, embora apontem motivos considerados “artificiais”. “A inflação foi relativamente alta no Brasil e bateu 12,13%, mas está acontecendo algumas coisas que você pode chamar de artificiais”, explica Silber.

Ele se refere à medida do governo federal que cortou Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e forçou estados a reduzir a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de alguns produtos, particularmente na área energética. 

“Com isso, o preço caiu. Adicionalmente, como desacelerou o crescimento mundial, o preço do petróleo e do gás natural caíram, e a Petrobras repassou aqui para dentro essa queda de preços”, afirma Silber.

O governo de Jair Bolsonaro determinou corte de 25% em fevereiro do IPI, e ampliou para 35%, em abril, para ajudar a conter a inflação e dar impulso à indústria. No final de agosto, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o plano da equipe econômica era acabar com o IPI para tonar o setor mais competitivo e evitar a “chinesada” entrando no país para quebrar a indústria nacional.

“O IPI é um imposto de desindustrialização em massa. Está destruindo o Brasil há 40 anos. É ridículo, é patético, está errado. É um imposto pago antes de ter renda”, disse o ministro na ocasião.

Em junho, Bolsonaro sancionou lei que fixa teto de 17% para alíquotas de ICMS sobre combustíveis, energia elétrica, transporte e telecomunicações, mas vetou trechos incluídos pelo Senado que beneficiariam os estados na compensação pela perda de receita com o tributo.

Além da restrição do IPI e do ICMS, o economista Simão Davi Silber cita a nova redução pela Petrobras de 6% no preço médio do GLP, o gás de cozinha vendido em botijão. A medida deve ter impacto no IPCA, justificando a expectativa de nova deflação em setembro. “Petrobras reduziu o preço de gás de cozinha, porque caiu o preço do gás natural lá fora, matéria-prima para o gás de botijão.”

A Petrobras (PETR3 ; PETR4) também acelerou as quedas dos preços da gasolina, do diesel e do combustível de aviação vendidos nas refinarias. Em nota, a estatal brasileira afirmou que a redução do preço do GLP “busca equilíbrio dos seus preços com o mercado, mas sem o repasse para os preços internos da volatilidade conjuntural das cotações e da taxa de câmbio”.

A deflação é boa ou má notícia para a economia?

Em linhas gerais, deflação é a queda persistente do nível geral de preços e serviços disponíveis no mercado, o oposto da inflação. Se o índice geral de preços ao consumidor cai, há deflação. Se sobe, há inflação.

Mas o que uma deflação nos preços costuma indicar para uma economia? O professor Silber, professor da FEA-USP, afirma que “a deflação é péssima, porque é sinal de que a economia esfriou. Não tem demanda suficiente do setor privado e o governo não consegue estimular”.

“Significa desemprego nas alturas, bancos receosos de fazer empréstimo para pessoas, empresas fechando e com medo de inadimplência. O Brasil já é um país todo torto, com uma margem da população passando fome. É uma notícia que eu chamaria de tenebrosa”, diz o economista.

Já para Daronco, a questão não tem uma resposta tão objetiva.

Não consigo falar que ter deflação é bom em todo momento nem que inflação é ruim todo o momento. Há países que, por questões demográficas e econômicas, sempre têm deflação, porque o consumo nunca aumenta. O número da população diminui e as pessoas consumem cada vez menos. Isso causa deflação e não é bom.”

João Daronco, analista da Suno Research

“Mas dado um cenário em que a gente tinha uma inflação descontrolada, o que foi visto no Brasil nesses últimos anos, principalmente quando se avalia o Índice Geral de Preços do Mercado (IPG-M), uma deflação significa que os preços estão mais controlados e as coisas estão mais sob controle”, complementa.

O que causa a deflação?

Existem várias causas para deflação. A principal delas se refere ao desequilíbrio entre oferta e demanda, quando o mercado vende mais produtos e serviços que a população quer ou pode consumir.

“É a queda da demanda, de uma maneira geral. As empresas param de investir. Os consumidores, com medo de perder emprego ou porque já perderam o emprego, não têm condição de comprar. O crédito é racionado, e as coisas de valor maior você também não compra. Basicamente é um fenômeno de resfriamento da economia. É o oposto de uma economia aquecida. É uma economia de joelhos”, afirma Silber.

Daronco também cita intervenção do governo, e cita novamente como exemplo as medidas adotadas no Brasil, como redução de impostos. Ele ainda destaca a queda no preço dos produtos.

“Outro ponto é que muitos produtos são dolarizados, como a soja. Se tiver queda no dólar, o preço dela em real cai também. Isso causa deflação. Portanto, você pode ter questões governamentais, questão de oferta e demanda, que ajusta o preço, ou questão de moedas e dólares, que também faz o preço ser ajustado tanto para cima quanto para baixo”, complementa o analista da Suno.

Os especialistas afirmam que é importante não confundir deflação com desinflação, quando há um aumento de preços, porém, em um ritmo menos acelerado (menor que o esperado). “Desinflação é o fenômeno no qual o Banco Central sobe bastante os juros para cair a demanda e diminuir a inflação. É o que está ocorrendo agora no Brasil. A inflação está rodando próximo a 8%, mas já foi 12%. Essa queda é a desinflação e é ocasionada por uma política de arrocho do crédito”, explica Silber. 

Deflação é pior que a inflação?

Silber explica que muitos consumidores podem ter a impressão de que deflação é bom. “Mas deflação é um fenômeno ruim, eventualmente até pior que a inflação, porque a deflação ocorre no período em que a produção está caindo, o desemprego aumentou e as pessoas não têm renda para comprar o que está sendo produzido.”

“Não é bom nem ter inflação alta, nem deflação. É péssimo para economia. Inflação alta é excesso de demanda, é pouco ganho de produtividade, excesso de dinheiro e descontrole. O pobre é o que mais sofre com a inflação, porque a renda dele não cresce na proporção dos preços. Então, deflação não é bom”, complementa.

Já João Daronco afirma que a avaliação vai depender do cenário econômico. O analista da Suno Research faz um paralelo com o momento atual da economia brasileira e ressalta que a deflação, neste momento, é um sinal para o BC frear a Selic. 

“Dado o cenário, entendo a deflação como boa notícia, porque significa que o Banco Central não precisa subir a taxa de juros ainda mais do que já subiu. E a taxa de juros é muito prejudicial para grande parte das empresas, porque diminui o consumo, aumenta as despesas financeiras e a dívida fica mais cara. Portanto, é um sinal de que a inflação está desacelerando e não precisa ampliar a taxa de juros para conter a inflação que estava desenfreada.”

O Comitê de Política Monetária (Copom) manteve a Selic em 13,75% ao ano e encerrou, em setembro deste ano, o maior ciclo de alta desde janeiro de 2021. Referência para os demais juros da economia brasileira, a taxa básica de juros deve permanecer neste patamar, segundo analistas, até meados de 2023, quando deve começar a recuar.

“Quando há um aumento da taxa de juros, a inflação fica mais controlada e pode até acontecer uma deflação. Quando começa a ter uma deflação, você não precisa mais ter a Selic tão alta, você pode ter uma política expansionista de incentivo ao consumo e baixar a taxa de juros de novo. Você tem mais pessoas consumindo e aumenta a demanda. Aumentando a demanda, aumenta os preços e causa inflação. São os ciclos econômicos, em geral”, explica Daronco.

Deflação e faixas de renda

Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a deflação de agosto atingiu todas as faixas de renda, mas em menor escala para a classe mais baixa (-0,12%, ante -0,34, em julho) se comparado ao segmento de renda alta (-0,51% ante -0,42, de julho).

Ao observar os dados, o instituto aponta que quanto maior a renda, maior foi a queda de preços. No acumulado deste ano, até agosto, as taxas de inflação variaram de 4,11% (renda média alta) a 4,94% (renda muito baixa).

De acordo com o Ipea, a deflação nos setores de transportes e comunicação foi o principal ponto de alívio inflacionário para todas as classes de renda impactados pelo pacote de redução das alíquotas pelo governo federal. 

O recuo da inflação em agosto no setor de transportes se deve às quedas da gasolina (11,6%), do etanol (8,7%) e das passagens aéreas (12,1%), principalmente para as famílias de renda média-alta e alta, em que o peso desses itens na cesta de consumo é maior que nas demais faixas. Ainda segundo o instituto, os planos de telefonia fixa (-6,7%) e móvel (-2,7%) impactaram na comunicação. 

Como a deflação pode afetar os investimentos?

O IPCA norteia a rentabilidade de alguns ativos na carteira de renda fixa, principal categoria de investimentos no país. Enquanto isso, alguns ativos de renda fixa têm a remuneração atrelada à taxa Selic. Portanto, a projeção do IPCA (avanço ou recuo) interfere diretamente na rentabilidade dos títulos como o Certificado de Depósito Bancário (CDB) pós-fixado e do Tesouro Nacional, como NTN-B Principal (Tesouro IPCA sem juros semestrais) e Tesouro Selic.

Para Silber, da FEA-USP, o impacto da deflação privilegia as aplicações com juros prefixados. “Como a economia está mal das pernas, no futuro o juro vai cair. Portando, o pós-fixado não é interessante. A deflação não será um fenômeno contínuo, mas esporádico e parcialmente artificial, porque você tirou impostos só até o fim do ano. A partir de janeiro, volta à estaca zero.”

Daronco, da Suno, cita os fundos imobiliários, que possuem grande parte de sua cadeira indexados à inflação. “Se a inflação cai, o rendimento dos fundos imobiliários caem também. O investidor pode sentir isso muito mais na questão nominal, porque o valor real não vai cair, porque é IPCA mais alguma coisa. O IPCA é só para corrigir a inflação, mas o nominal cai, porque IPCA fica negativo.”

Do ponto de vista de renda variável, Daronco diz que a deflação pode ter um lado positivo para quem quer investir nessa categoria. Ele explica que uma empresa de construção civil, por exemplo, em que os principais custos são mão de obra, materiais, cimento, entre outros, se há deflação, o custo de produção vai cair. 

“Seu retorno vai aumentar ou você pode diminuir o preço do seu imóvel para manter mais retorno. É positivo, porque você consegue vender mais fácil. Há um controle muito melhor dos custos. Entre outros pontos, você não precisa ficar repassando o preço.”

Este conteúdo é de cunho jornalístico e informativo e não deve ser considerado como oferta, recomendação ou orientação de compra ou venda de ativos.

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