Enquanto o coronavírus faz a festa nos mercados internacionais, o medo de uma possível recessão mundial preocupa os investidores. Mas existe de fato a possibilidade de que o mundo viva uma recessão como em 2008? E para o Brasil, o que esperar?
Com um primeiro trimestre notoriamente comprometido pelos efeitos da epidemia sobre a economia chinesa, resta agora ver o desempenho da economia americana, que já apresenta seus primeiros sinais de insegurança. Na sexta-feira (13), o presidente Donald Trump declarou emergência nacional nos Estados Unidos por causa do coronavírus, atitude que estarreceu o mercado financeiro, após uma semana de tensão.
Para Sérgio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados o cenário de recessão mundial para o primeiro semestre já está dado. Entre as principais causas estariam a crise na China no primeiro trimestre e a desaceleração da economia americana que começa a mostrar seus efeitos.
“A situação dos EUA é complicada, 60% das empresas americanas estão em uma situação de endividamento, somado a isso temos os efeitos do coronavírus e a possibilidade de Trump perder a reeleição”, explica e acrescenta que há uma forte desalavancagem das ações americanas, gerando grandes perdas e um choque de oferta nos mercados.
Por este motivo, Vale estima uma perda de 0,5% na economia global no primeiro semestre, recuando acima de 1% até o final do ano. Caso a recessão mundial aconteça, ele defende que a recuperação pode levar anos. “Não temos mecanismos monetários adequados de ajuste fiscal, com dois trimestres negativos a recuperação deve ser complexa”.
O banco Goldman Sachs voltou a cortar as previsões de crescimento dos Estados Unidos por conta dos efeitos negativos da pandemia na atividade econômica. Para 2020, a estimativa de avanço do Produto Interno Bruto (PIB) baixou de 1,2% para 0,4%.
Roberto Dumas, professor de Economia Internacional e Economia Chinesa do Insper e Ibmec, também acredita que a recessão mundial vai acontecer no primeiro semestre de 2020, por causa dos impactos nas cadeias globais de suprimentos, fato que foi reforçado com Trump suspendendo as viagens da Europa aos EUA.
“Isso quebra o ‘supply chain’ do mundo. As pessoas vão para China e não voltam, não conseguem mais negociar com Europa, então com a impossibilidade de comprar insumos e peças da Europa e da China, afeta a produção industrial de muitos países”, explica.
Comparando a possível recessão com a crise financeira de 2008, Vale defende que hoje temos um sistema financeiro mais sólido, contudo o mundo carece de instrumentos monetários que permitam uma rápida recuperação pós-recessão. Outro fator que deixaria o mundo em uma situação complicada é ausência de lideranças proativas para lidar com situações de crise.
“Trump está acuado. Bolsonaro governa outro planeta. Temos um mundo dividido entre governos nacionalistas e protecionistas onde não existe cooperação. China e EUA estão dispersos desde a guerra comercial”, justifica Vale. Para o economista, após a crise de 2008 o mundo contava com lideranças mais proativas entre estas Obama e Merkel.
Como fica o Brasil?
Com uma eventual recessão mundial, a situação do Brasil se tornaria incerta. Vale explica que o desempenho do primeiro trimestre será negativo com impactos da economia chinesa. Já o segundo trimestre deve ser influenciado pelo desempenho da economia americana. No entanto, se os EUA entrarem em recessão, o Brasil deve ser fortemente afetado. Outro fator importante será a reação que o Brasil deve ter ao coronavírus no outono e inverno. Segundo a MB consultoria o PIB de 2020 deve ser menor que 1,7%.
Para Dumas, o 1º trimestre deve ser negativo, com leves possibilidades de recuperação no 2º trimestre, puxadas pelo consumo. No entanto, o economista projeta que o crescimento do PIB em 2020 será igual ou pior que 1,1%, resultado de 2019. “A lua de mel na política brasileira acabou e as brigas entre o congresso e o legislativo prejudicam o ambiente de negócios” explica Dumas.
Com as exportações para China e Europa comprometidas, ele defende que o governo não tem saída na balança comercial, não tem dinheiro para gastar e os investimentos recuam pela briga política. “O consumo até pode puxar a variação, mas como vou contratar funcionários se o investimento no Brasil não cresce?”, reflete Dumas e acrescenta que o cenário para o Brasil pode ficar caótico se Guedes abandonar o governo.
Segundo os economistas, a taxa de câmbio deve fechar 2020 na faixa de R$ 4,70. Já a taxa de juros será de 3,75%.
Por dentro do PIB
Um relatório assinado por Fábio Silveira, sócio-diretor da MacroSetor Consultores, aponta um crescimento até o final do ano de 1,8% para agropecuária, 1,9% para indústria e 1,7% para o setor de serviços.
No PIB de 2019, a variação para estes setores foi: 1,3% para Agronegócio, 0,5% para Indústria e 1,3% para serviços.
Vale e Dumas concordam com a variação de 1,8% para o agronegócio, com o aumento de demanda das commodities, que devem suprir a demanda global de alimentos. Os efeitos negativos permanecem para o petróleo e o minério de ferro.
Já na indústria, eles projetam um crescimento menor do que 0,5%, levando em conta que a indústria extrativa está afetada por causa do petróleo, a de transformação deve fechar o ano em negativo. E a infraestrutura vai desapontar. O crescimento do setor fica nas mãos da construção civil.
O setor de serviços, que sofre fortes impactos pelo coronavírus, deve ter um crescimento na faixa de 1% segundo os economistas.
Os setores mais afetados nas próximas 20 semanas são:
- transporte
- hotelaria
- turismo
- indústria
- aviação
- telecomunicações
- eletroeletrônico
- setor petrolífero
Os trabalhadores informais, especialmente aqueles que dependem do transporte, devem sentir os impactos. Assim como o setor automotivo, dependente da cadeia global de suprimentos. “Os únicos setores resilientes são carne, educação e o saúde”, aponta Dumas.
A conta corrente comercial de 2020 também deve ter um resultado negativo com as exportações em queda.
Sem saída
A saída para o Brasil fugir de uma recessão seria recuperar a confiança nos negócios com a aprovação das reformas, especialmente tributária. No entanto, está decisão passa pelas mãos dos líderes políticos.
Com a briga entre o Legislativo e Executivo, claramente manifestada no protesto mobilizado por Bolsonaro, Vale acredita que avanço das reformas em 2020 é inviável. “É difícil aprovar algo no meio de uma briga de poderes. O Congresso deve parar em junho por causa das eleições municipais dificultando a situação das reformas”, conclui.
A ausência de reformas em 2020 colocaria o Brasil em ambiente instável para os negócios. “Lembremos que este ano o Rodrigo Maia sai da Câmara e não sabemos se o sucessor dele vai aprovar as reformas”. Na visão de Vale, nada novo acontece este ano para recuperar a economia brasileira.