Economia

Campos Neto: ‘Precisamos reconhecer o esforço que Haddad tem feito’

Em evento do Bradesco, o presidente do Banco Central foi questionado sobre sua avaliação sobre o novo arcabouço fiscal e informações que surgem sobre o tema.

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O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que é preciso “reconhecer o esforço que o (Fernando) Haddad e governo tem feito para reduzir os riscos fiscais do país”, em referência ao novo arcabouço fiscal apresentado na semana passada pelo ministro da Fazenda e outros membros da equipe econômica. A declaração foi feita nesta quarta-feira (5) em evento do Bradesco BBI.

“Precisamos reconhecer o esforço que o Haddad e governo tem feito para reduzir os riscos fiscais do país com a apresentação do novo arcabouço, ainda mais eliminado dúvidas quanto as dívidas do governo. Ainda há certa ansiedade sobre as receitas, sobre despesas obrigatórias, e acredito que estas questões deveriam ser cobradas com maior parcimônia”, disse Campos Neto.

Segundo o líder do BC, é difícil cobrar agora por quais serão as despesas obrigatórias do governo, sendo este um processo mais longo. Mas ele ponderou que não existe uma relação mecânica entre uma melhora fiscal e reduções nas taxas de juros.

“Nossa avaliação é positiva [sobre arcabouço], reconhecemos o esforço e vamos ver agora como será a aprovação no Congresso”

Roberto Campos Neto, presidente do BC

Ainda segundo Campos Neto, para aqueles que precificavam um risco de que a trajetória de dívida seria maior, isso foi descartado. 

Questionado sobre o sistema de metas no país, o mandatário afirmou não existir uma relação mecânica entre fiscal e taxa de juros, mas que o importante é atuar dentro do sistema, assim como colocar os pilares cambial, monetário e fiscal em perspetiva.

Crise de crédito

Sobre situação de crédito no país, Campos Neto disse não ver risco de credit crunch (quebra no mercado de crédito), citando que a crise na Americanas (AMER3) foi um fato isolado e que a queda na movimentação de debêntures no país vem sendo reduzida nas últimas semanas.

“Nas últimas duas semanas subiu um pouco a movimentação de debêntures. Perguntamos para bancos se eles comprariam mais debêntures, e eles dizem que a questão não é liquidez, mas aparecerem boas oportunidades”, disse em evento.

O presidente do BC também fez uma análise sobre o crescimento de crédito no país nos últimos 3 anos apontando o crescimento de 16% no período. “Na pandemia, o BC liberou capital, o que fez crescer em 22% o crescimento de crédito aqui; nenhum país fez isso. Agora estamos com um crescimento de 7% mais ou menos, o que vai de encontro com o apresentado em mercados emergentes”.

Questionado sobre o panorama para a indústria bancária após as crises com colapsos de bancos médios nos Estados Unidos, como SVB, e do Credit Suisse na Europa, Campos Neto afirmou que o efeito dessas turbulências será o crédito vai desacelerar nas economias desenvolvidas. Mas ele disse que o sistema brasileiro tem muito mais salvaguardas que ajudam a evitar uma contaminação.

Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. REUTERS/Adriano Machado

Juros em alta

Sobre a discussão dos juros ainda permanecerem em alta no país, Campos Neto disse que o custo de combater a inflação é muito alto pra sociedade – em especial no curto prazo – mas o custo de não combater é ainda pior.

“A inflação tem um efeito perverso, as pessoas com mais recursos são mais protegidas do que as que tem menos, mas precisamos pagar o custo disso [com juros em alta], já que o custo será pior se isso não for feito. Os ganhos sociais de uma inflação baixa são enormes.”

Roberto Campos Neto, presidente do BC

O presidente do BC também participou de outro evento transmitido pela Esfera Brasil sobre o cenário econômico. Nele, o executivo fez uma correlação sobre o que teria acontecido se os juros no país não tivessem subido no ano de eleição:

“Como temos uma memória inflacionária alta, olhamos os países em volta, como Colômbia, com inflação de 12%, Chile com inflação de 11%, provavelmente estaríamos com uma inflação bem acima disso e com a expectativa de inflação futura ainda maior. Só que essa expectativa de maior inflação só é sanada colocando o país em recessão”.

Desde que tomou posse, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e membros do governo têm criticado o presidente do BC pelo atual patamar da taxa básica de juros, a Selic, e pela atuação do Comitê de Política Monetária (Copom).

A explicação de Campos Neto é de que o Banco Central determina a taxa de juros de 1 dia e todos os outros prazos quem determina são investidores e empresas que emprestam dinheiro para o governo. Logo, quando há uma percepção que o risco aumenta, a taxa também aumenta. Ainda segundo ele, o país teve registro de episódios onde a taxa Selic caiu e o crédito desacelerou. Caso dos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014.

“Existia uma percepção que a Selic deveria cair porque havia uma crise internacional incipiente – e quando se deu conta de que não era o melhor a ser feito, se insistiu no movimento com  perda de credibilidade, e quando pegamos os dados naquele momento, o crédito desacelerou em todos os momentos, inclusive quando teve de voltar a subir os juros no fim do ciclo. Quando pegamos os anos de 2014 e 2015, vimos uma contração nominal de crédito pela primeira vez na história.”

O executivo reafirmou a importância da Selic contida, mas que o efeito sobre a curva de juros é que vai gerar uma condição de crédito farto e sustentável para todos. “Precisamos olhar o que é sustentável lá na frente”.

Falas de Haddad

Na véspera, Haddad também participou do evento do Bradesco BBI. O ministro disse que mantém um diálogo em curso com o Banco Central em meio ao “cenário desafiador” vivido mediante a autonomia da autarquia.

Segundo ele, esta é a primeira vez que o ministro da Fazenda se depara com uma situação em que ele tem que construir uma relação de confiança e de parceria [com o BC] para concorrer para os mesmos objetivos.

O ministro disse que estão sendo criadas as “condições para que essa harmonia se estabeleça, de uma vez por todas”, entre a Fazenda e o Banco Central, e que o mercado de capitais “volte às boas”.

Tentativa de politizar Copom preocupa

As críticas recorrentes do governo Lula quanto a condução da política monetária por parte do BC chamam atenção também dos diretores da autarquia, que se dizem preocupados com as tentativas de politizar o processo de decisão do Comitê de Política Monetária (Copom).

Segundo Campos Neto, o processo de decisão do Comitê é “totalmente técnico” e que é prerrogativa do governo escolher os diretores.

“Não estamos preocupados se o pensamento do diretor é de direita, centro ou de esquerda. Estamos preocupados com a capacidade técnica do trabalho”.

Segundo o executivo, a supervisão da diretoria é de extrema importância, ainda mais no momento atual onde o sistema financeiro está sendo digitalizado.

“Precisamos de pessoas que de fato entrem jogando e que tenham capacidades técnicas para exercer o trabalho. Se alguém tiver uma visão de um lado ou outro, vamos discutir, mas diferentes pensamentos fazem parte. Adoraria que aumentasse a diversidade. Temos feito esse esforço, mas nem sempre dá para ser feito na velocidade que se quer. Mas o mais importante é ter pessoas técnicas para fazer o trabalho”. 

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