Enquanto o novo ministro da Economia da Argentina, Luis Caputo, começa a adotar as medidas nesta terça-feira (12), especialistas analisam que os primeiros sinais se assemelham às estratégias adotadas por outros países latinos décadas antes. A política de choque anunciada pelo novo presidente da Argentina, Javier Milei, durante discurso de posse, no último domingo (10), mostra que o programa de governo apresentado pelo então candidato ultradireitista não era simplesmente promessa de campanha.
Apesar do plano polêmico do governo eleito, qualquer semelhança com o que já se viu por aí não é mera coincidência. Ao contrário, vários outros países da América Latina passaram ao longo das últimas décadas por políticas de choque semelhantes à que propõe atualmente o presidente argentino.
Entre os exemplos está o “fujichoque”, implementado pelo então presidente peruano Alberto Fujimori (1999-2000). Mas a situação da Argentina também faz lembrar o Brasil de anos atrás. “A atual Argentina vive situação mais próxima à do Brasil de 1989”, afirma o cientista político da Fatto Inteligência, Rafael Favetti.
Para ele, apesar do senso comum reverberar que “Milei é o [ex-presidente Jair] Bolsonaro argentino”, a semelhança é maior com outro ex-presidente do Brasil: Fernando Collor.
“Collor e Milei fizeram campanhas baseadas na modernização da burocracia estatal. Em 1989, o Brasil enfrentava os problemas de inflação galopante e dívida externa elevada” –
Rafael Favetti, cientista político da Fatto Inteligência
Segundo ele, tanto Collor quanto Milei elegeram a estabilização monetária como objetivo prioritário. O especialista cita dados que mostram que as palavras inflação e dívida foram citadas pelo mesmo número de vezes por ambos no discurso de posse – 15 e 4, respectivamente – porém Collor falou por 20 minutos a mais do que o argentino.
Choque-raiz
As propostas e medidas do novo presidente argentino estão focadas nas áreas econômica e social. Entre as mais conhecidas, estão a dolarização da economia; o fim do Banco Central; o enxugamento da máquina pública – a começar pela extinção de diversos ministérios; cortes no investimento estatal; a agenda de privatizações e alinhamento aos Estados Unidos na política externa.
“Embora ainda não tenham sido colocadas em prática há intenção de modernização e profissionalização das instituições já vista em outros países”
Pedro Simão, advogado tributário e especialista em investimentos estrangeiros do escritório Freitas Ferraz Advogados
De um modo geral, a expectativa é de que haja um amplo impacto sobre diversos setores da atividade do país e também em várias camadas da sociedade, em especial a classe média e os mais humildes, que devem sentir mais o ajuste fiscal.
O ministro Caputo deve corrigir os preços relativos da economia e as tarifas de serviços públicos. Em tese, tais medidas tendem a afetar a todos, pois implica em uma aceleração temporária da inflação. “Porém, o presidente eleito indicou a intenção de normalizar a situação com agilidade, para evitar a hiperinflação”, ressalta Simão.
Trata-se de um movimento inicial negativo para depois entrar em uma espiral ascendente, avaliam especialistas. O economista Ricardo Rodil, do Grupo Crowe Macro, lembra que, no discurso de posse, Milei enfatizou que a “falta de dinheiro em caixa” combinada à adoção de medidas do novo governo irá resultar em redução da atividade econômica, em consequência do desemprego.
“Haverá um sofrimento, para, depois, aparecerem os resultados na forma de crescimento econômico, inflação sob controle e mais empregos”, pondera Rodil, líder de mercado de capitais da rede de consultoria mundial.
Reserva de ‘verdinhas’
A dúvida, porém, é quanto ao resultado final dessas medidas. Por isso, a atenção se volta para as ações concretas que o ministro da Economia tomará para lidar com a inflação, o atraso cambial e a dívida pública. Por ora, prevalece a desconfiança.
Afinal, a economia argentina está em uma encruzilhada. Portanto, é a capacidade do governo de implementar medidas eficazes que irá determinar se a ameaça de hiperinflação se concretizará ou se uma grande crise econômica sem precedentes será evitada.
“Milei dificilmente ajudará a Argentina a sair da crise em que o país se encontra”, avalia o grupo de trabalho (GT) para América Latina do Observatório de Política Externa (Opeb) da Universidade Federal do ABC (UFABC), em artigo recente. O GT formado por docentes e discentes de Relações Internacionais e áreas afins diz ser necessário ir à raiz do problema.
Nesse sentido, o advogado e especialista do Freitas Ferraz lembra que a questão cambial é um dos pontos mais relevantes para a Argentina, considerando, especialmente, a falta de dólares.
Daí então a importância de um acúmulo de reservas internacionais, de modo a garantir liquidez do país contra choques externos e elevar a credibilidade interna. Por ora, não há nenhuma medida por parte do novo governo argentino nessa direção. Ao contrário, o que há é uma intenção de dissolver o Banco Central, o que iria na contramão dessa política.
“A eliminação do Banco Central significaria a renúncia a ter uma moeda própria, o que seria possível somente pela adoção de uma moeda estrangeira. Milei sempre falou em dolarizar a economia, opção que só se tornaria viável com reservas suficientes nessa moeda, o que não é o caso da Argentina hoje” –
Ricardo Rodil, economista e líder de mercado de capitais do Grupo Crowe Macro
Mas essa medida de elevar o montante das reservas foi adotada pelo Brasil nos anos 2000. Ao chegar ao Banco Central, em 2003, o então presidente Henrique Meirelles encontrou US$ 37,6 bilhões em reservas internacionais. Já no fim do governo Lula, em 2010, o montante chegava a US$ 288,6 bilhões – atualmente está em US$ 234,7 bilhões.
Na ocasião, essa poupança em moeda estrangeira foi importante para proteger a economia brasileira durante a crise de 2008. A ver, então, se a política de choque de Milei não irá levar o presidente argentino ao mesmo fim trágico que tiveram Fujimori e Collor, em meio ao descontentamento da sociedade com o tamanho do ajuste e os escândalos de corrupção.
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