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Economia

Covid-19 e economia: vacina não obrigatória pode frear retomada, diz economista

Utilizando fundamentos da economia do setor público, professor defende obrigatoriedade da vacina.

Nas últimas semanas, empresas farmacêuticas de diferentes países vêm anunciando avanços nos testes de vacinas contra a doença causada pelo novo coronavírus, a covid-19. As notícias vêm animando o mercado financeiro e gerando expectativa entre a população. E, em meio à espera pela liberação efetiva de uma vacina, outra discussão vem ganhando espaço: ela deve ser obrigatória ou voluntária?

Pensando no impacto econômico dessas duas opções, o economista Matheus Albergaria, professor na Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP), defende a obrigatoriedade. Utilizando fundamentos da economia do setor público, ele aponta que uma campanha de vacinação voluntária poderia impactar negativamente a recuperação da economia após a crise da pandemia.

“O vírus tem uma propriedade que gera externalidades negativas, ou seja, mesmo que eu não tenha a menor intenção de contaminar o meu vizinho ou colega de trabalho, se eu não me vacino, eu posso acabar contaminando essas pessoas”, explica Albergaria. “A vacina, ao contrário do vírus, gera o que nós chamamos de externalidade positiva. Ou seja, quando eu tomo a vacina, eu me protejo e protejo todos aqueles com quem eu interajo.”

Fazendo um paralelo com os especialistas da área da saúde, que apontam a vacinação como um pacto social contra uma doença, Albergaria diz que o pensamento econômico tem, “no fundo”, a mesma mensagem. “Nós temos consciência de que este não é um problema de indivíduos. Este é um problema da sociedade”, afirma.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista:

Pensando no aspecto econômico, faz diferença a vacina ser obrigatória?

Albergaria: É muito interessante que o raciocínio econômico pode ser utilizado inclusive para trazer soluções para uma situação como essa de pandemia. Na área na qual eu trabalho, economia do setor público, você utiliza a lógica econômica para tentar resolver situações que envolvam dilemas. Te dou um exemplo de um dilema que nós conhecemos em economia como o dilema social: é a diferença entre o interesse individual e os interesses da sociedade.

O que eu quero dizer com isso? A vacina, caso surja uma finalizada e que seja eficaz, você tem um dilema social. Em que sentido? Pode ser que eu me recuse a tomar a vacina, por exemplo. Por que isso gera uma situação de dilema social? Porque eu posso contaminar os outros mesmo sem apresentar sintomas de covid-19. Então, o vírus tem uma propriedade que gera externalidades negativas, ou seja, mesmo que eu não tenha a menor intenção de contaminar o meu vizinho ou colega de trabalho, se eu não me vacino, eu posso acabar contaminando essas pessoas.

Por que a vacina é importante e por que ela deve ser obrigatória? A vacina, ao contrário do vírus, ela gera o que nós chamamos de externalidade positiva. Ou seja, quando eu tomo a vacina, eu me protejo e protejo todos aqueles com quem eu interajo. Aí entra em voga uma questão importante dessa área de economia do setor público, que nós chamamos de bens de mérito. São bens que o governo obriga a população a consumir.

Por que algo que seria benéfico não apenas coletivamente, mas também individualmente, precisa ser obrigatório?

Albergaria: Eu te dou alguns exemplos de bens de mérito que já existem na sociedade. Por exemplo, o uso obrigatório do cinto de segurança. Para quem nasceu antes da década e 80, vale lembrar que o uso do cinto de segurança não era obrigatório. Como consequência, tinha mais acidentes automotivos com mortes. Quando o governo obriga o uso do cinto de segurança, ele consegue reduzir, em algum grau, o número de mortes violentas causadas pelo não uso do cinto.

Aqui, a analogia que eu faço é que, se a vacina for obrigatória, eu vou minimizar muito a contaminação do vírus entre as pessoas. Porque, perceba, se a vacina for voluntária, você pode ter uma situação em que uma parte da população se vacina, se protege e, mais do que isso, protege os outros, e, por outro lado, você pode ter uma parte da população que, mesmo sem saber ou sem ter a menor intenção de contaminar os outros, acaba ajudando a disseminar o vírus pela sociedade. O que é um resultado indesejado de um ponto de vista social e econômico.

A recuperação da economia fica prejudicada se tiver menos pessoas vacinadas?

Albergaria: Com certeza. A gente ainda não completou um ano de pandemia, mas a gente já conseguiu testemunhar claros efeitos e fenômenos negativos. O mais evidente é que a produção agregada da economia no primeiro instante diminuiu consideravelmente. Essa diminuição aumenta o desemprego e a chamada capacidade ociosa da economia. Ou seja, mais máquinas desligadas, frotas de caminhões paradas, estabelecimentos fechados.

Mais do que isso, a pandemia aumenta consideravelmente a incerteza entre as pessoas na sociedade. E quais são os impactos econômicos disso? Quem consome são as famílias, e as famílias passam a consumir menos. Porque, diante de tanta incerteza, elas acham que pode ser melhor guardar um pouco de dinheiro para o caso de algum imprevisto, inclusive despesas com saúde. Mais do que isso, as empresas da economia começam a ficar receosas de investir, ou seja, de construir novas edificações, comprar mais máquinas. Pelo mesmo motivo. Com o aumento da incerteza, acabam decidindo segurar o investimento.

Mais do que isso, as exportações caem. As exportações vão diminuir porque a renda dos nossos vizinhos, que é o principal determinante das exportações de um país, ela também, por exemplo a dos Estados Unidos, a China, a Argentina, a renda desses países vão diminuir também. Mais ainda, como a renda doméstica, ou seja, a renda dos brasileiros, diminui, diminuem as importações.

O que eu quero dizer citando os vários efeitos sobre o consumo, investimento, exportações e importações é que há variáveis que compõem o que os economistas chamam de demanda agregada. A demanda agregada da economia caminha juntamente com uma contração da oferta agregada, que ocorre por conta do aumento dos custos de produção das empresas devido à pandemia. Isso vai ter um efeito certo: uma recessão profunda na economia. A gente já observou na maior parte de 2020. Agora, a grande dúvida que vem para 2021 é quando a recuperação vem.

Alguns analistas andam dizendo que a recuperação está acontecendo, mas há um consenso de que ela ocorre a uma velocidade muito lenta ainda exatamente por conta do alto grau de incerteza.

Em um possível cenário em que parte da população, por opção, não se vacina, seria provável que não fossem impostas pelo governo medidas de restrição e isolamento. A economia sai prejudicada mesmo assim?

Albergaria: Eu tomaria cuidado com a cadeia lógica desse cenário que você descreveu. É claro que é um cenário hipotético. Mas qual é o grande risco? De a gente voltar a ter uma segunda onda de pandemia. Mesmo que a economia venha a se recuperar daqui a algum tempo, ela pode voltar a contrair, seja por conta de novas medidas do governo, como lockdown, seja porque os efeitos que falei para você independem de medidas de lockdown. Mesmo que não houvesse o lockdown, a incerteza na economia aumenta tanto com a pandemia que o consumo, investimento, exportações e importações caem.

Vou fazer uma analogia que está me ocorrendo agora. Note, chega a parecer um pouco absurdo o que vou falar. Mas imagine um mundo em que metade da população seja obrigada a usar cinto de segurança e a outra metade não. Ou, ainda, te dou outro exemplo que parece absurdo mas poderia acontecer. Metade da população de São Paulo é obrigada a seguir um limite de velocidade nas vias e metade pode andar na velocidade que quiser. O que posso esperar? Provavelmente que não vai ocorrer uma redução nos atropelamentos e nas mortes envolvendo pedestres e motoristas.

A gente tem como um bem de mérito o uso do cinto de segurança. O bem de mérito é um bem ou serviço que obriga a população a consumir ou utilizar supondo que muitas vezes que a pessoa não sabe o que é melhor para ela. É claro que a gente pode discutir que isso envolve um papel um pouco paternalista do governo, mas a gente ainda não sabe quais são os efeitos de longo prazo do coronavírus. Por um simples motivo: o vírus é muito recente na história humana. Então, se a vacina for obrigatória, você já está minimizando uma série de efeitos colaterais negativos, que eu chamei de externalidades negativas. Porque, perceba, as decisões individuais sobre a vacina terão claramente efeitos para a sociedade.

Os especialistas da área da saúde defendem que vacinação é mais que uma proteção individual contra doenças, mas também um pacto social. Por esse raciocínio, podemos dizer que em economia a lógica é a mesma?

Albergaria: Exato. Apesar da diferença de área – eu sou um economista e acompanho, admiro inclusive, o trabalho dos médicos, enfermeiros, epidemiologistas -, no fundo, a nossa mensagem é a mesma. Nós temos consciência de que este não é um problema de indivíduos. Este é um problema da sociedade.

O ponto que eu quero destacar neste momento é o seguinte: como sociedade brasileira, nós devemos ter muita coordenação nas nossas ações. Como as ações de um indivíduo podem afetar vários outros indivíduos, quanto maior o grau de coordenação – por exemplo, todo mundo agora vai usar máscara quando for ao mercado, ou todo mundo vai evitar aglomerações -, eu estou minimizando os impactos do vírus. Se falta coordenação, os resultados podem ser desastrosos.

O que é muito importante neste momento é que tenha coordenação, em primeiro lugar, entre as esferas do governo. Aqui, eu me refiro aos governos municipal, estadual e federal. Infelizmente, é algo que a gente não tem observado desde o início da pandemia. Vou além: a gente poderia observar também maior coordenação entre os países do mundo, e infelizmente a gente não está observando. E, vindo aqui para a nossa realidade, a gente deveria ter coordenação entre as pessoas, comunidades. A palavra chave que eu destaco é coordenação. Infelizmente, não está acontecendo no momento.

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