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Economia

‘Desdolarizar’ comércio entre Brasil e China reduz custos, mas eleva riscos

Brasil e China firmaram acordos comerciais sem uso do dólar durante viagem de Lula, defensor da adoção de nova moeda.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) visitou a China nesta semana para fortalecer as relações comerciais entre os dois países, que estavam estremecidas nos últimos anos pelas diversas críticas feitas ao país asiático pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Brasil e China fizeram acordos para pagamentos sem uso do dólar, para diminuir os custos das transações – porém, especialistas apontam riscos em adotar outra moeda.

A moeda norte-americana é usada em transações internacionais como base em todo o mundo. Com o acordo comercial entre os dois países, os pagamentos passam a ser de reais para yuan (moeda chinesa). O presidente Lula fez diversas críticas ao uso do dólar como referência de transações internacionais (leia abaixo).

Lula é recebido pelo presidente chinês Xi Jinping em Pequim Crédito:Ricardo Stuckert


Prós e contras do uso do yuan

A China é o principal parceiro comercial do Brasil, sendo responsável por mais de um quarto das exportações de commodities como soja, minério de ferro, petróleo e carne. De acordo com o governo federal, em 2022, o valor de matérias-primas exportadas totalizou US$ 90 bilhões. A segunda maior economia do mundo também é origem de 26% das importações brasileiras, o equivalente a US$ 60 bilhões.

“Os pontos positivos [de excluir o dólar das transações] incluem a redução de custos de câmbio, a redução de riscos cambiais e a facilitação dos negócios entre os dois países. Isso pode levar a um aumento no comércio e nas oportunidades de investimento, fortalecendo a relação bilateral entre Brasil e China|”

FABRÍCIO GONÇALVEZ, CEO DA BOX ASSET MANAGEMENT

Por outro lado, um dos principais desafios é a necessidade de convencer as empresas brasileiras a aceitar a moeda chinesa como pagamento, já que estão acostumadas a negociar em dólares e podem ser relutantes em aceitar uma moeda menos conhecida e menos estável.

“Além disso, a transação em moeda estrangeira pode dificultar a gestão da política monetária do país, já que o governo brasileiro não teria controle sobre a oferta de dinheiro na economia. Outro risco potencial é a volatilidade da moeda chinesa em relação ao real. Isso pode criar incerteza e aumentar o risco para as empresas brasileiras que fazem negócios com a China”, afirmou o CEO da gestora de investimentos.

Lula é recebido pelo presidente chinês Xi Jinping em Pequim Crédito:Ricardo Stuckert

O professor do Ibmec e economista Alexandre Pires concorda que as empresas brasileiras criar resistências. Segundo ele, isso pode fazer com que alguns compradores e vendedores não se sintam confortáveis em estabelecer contratos, seja em yuan ou em real brasileiro.

“Isso pode fazer com que o comércio fique truncado. É um movimento que tem aceno político e sem grande eficácia do ponto de vista de transações. É mais um alinhamento de uma estratégia chinesa, ou seja, pode ter um preço para o Brasil com as economias do Atlântico Norte, tanto a Europa ocidental, quanto Canadá e Estados Unidos.”

O professor do Ibmec diz que o uso de moedas regionais para transações entre países ao invés do dólar significa que eles estão assumindo os riscos com essas moedas.

“O dólar é uma moeda mais segura e os ativos em dólar também ao longo do século 20, especialmente depois da Segunda Guerra. Então, quando eu adoto essas moedas, passo correr riscos ligados a essas economias.”

Pires lembra que, desde a época das grandes navegações sempre houve uma moeda de referência, que, na época, era o ouro. Em seguida, foi adotada a libra, que também tinha um lastro em ouro e, depois foi substituída pelo dólar com o padrão ouro. Somente em 1971, o dólar deixou de ter lastro em ouro.

Sede do Federal Reserve, em Washington 16/12/2015 REUTERS/Kevin Lamarque

Conflito com os EUA

A desdolarização pode potencialmente gerar conflitos com os EUA, já que pode ser percebida como uma ameaça à posição de liderança dos EUA nas transações internacionais, segundo Lucas Muraguchi, diretor de administração fiduciária da Ouro Preto Investimentos.

“A desdolarização é uma preocupação do governo americano, e o novo acordo sino-brasileiro é visto como um agravante deste processo. Até porque as rivalidades comerciais e políticas entre Estados Unidos e China vêm se intensificando na última década. O que deixa a situação ainda mais delicada é o momento econômico de inflação e alta de juros nos Estados Unidos, ou seja, a moeda já apresenta sinais de enfraquecimento.”

REUTERS/Dado Ruvic/Ilustração

Lula criticou uso do dólar

Durante sua viagem a China, o presidente Lula criticou diversas vezes o uso da moeda norte-americana como paridade internacional. Na quinta-feira (13), o presidente brasileiro questionou a adoção do dólar.

“Toda noite me pergunto por que todos os países estão obrigados a fazer o seu comércio lastreado no dólar. Por que não podemos fazer nosso comércio lastreado na nossa moeda?”

“Por que um banco como o [do] Brics não pode ter uma moeda que pode financiar a relação comercial entre Brasil e China, entre Brasil e outros países do Brics?”, disse Lula sobre as reações dos países emergentes.

Durante sua visita a Buenos Aires, em janeiro, Lula sugeriu a adoção de uma moeda comum para países do Mercosul não dependerem do dólar.

Após declarações do presidente, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi questionado na quinta (13) por jornalistas sobre a “desdolarização” do mercado e disse não acreditar que isso ocorra, mas ressaltou que o acordo com a China ocorreu pois os países são grandes parceiros comerciais.

“Não acredito nisso. As transações em dólar vão continuar acontecendo e a maioria delas vai ocorrer em dólares. Mas, em casos específicos, onde os parceiros são muito fortes e tradicionais, nosso comércio com a China hoje é estrondoso, isso só cresce ano a ano, você pode pensar em mecanismos muito mais condizentes com essa situação.”

fernando haddad, a jornalistas

O ministro declarou que o Brasil não é um país que sempre negociou com todos os quadrantes do planeta e que o momento econômico global exige alternativas.

“No momento pelas crises sobrepostas que o mundo está vivendo, do ponto de vista ambiental, da guerra comercial, da guerra que está acontecendo na Ucrânia e que teve um impacto muito forte no sistema internacional de pagamentos, você refletir sobre esse tema vem a calhar.”

Lucas Muraguchi lembra que, em 1973, foi estabelecido um acordo comercial entre Estados Unidos e Arábia Saudita, em que a comercialização de todo barril de petróleo deveria ser feita em dólares do Federal Reserve. Em troca, os americanos ofereceram armas e proteção militar nos campos de petróleo sauditas. Este contrato foi prorrogado para que qualquer país que desejasse adquirir petróleo, deveria fazê-lo em dólares norte-americanos.

“Estes são os chamados ‘petrodólares’. Isto gerou uma demanda artificial por dólares em todo o mundo. Este fato cementou a posição dos Estados Unidos como a maior potência global. Os US$ 6,5 trilhões movimentados anualmente pelo petróleo representam cerca de 10% do PIB mundial. Os petrodólares atestam o poder que a centralização do comércio em uma moeda traz para o país que detém sua produção. Quanto mais descentralizado for o comércio global, menor o poder relativo do dólar.”

notas de yuan
créditos: Pixabay

Yuan é a 2ª moeda mais importante para o Brasil

Relatório do Banco Central divulgado no fim de março mostra que o yuan já ultrapassou o euro e é a segunda moeda mais importante para o Brasil.

Em 2022, a moeda chinesa representava 5,37% do total das reservas estrangeiras do país, enquanto o euro tinha 4,74% de participação. O dólar continuava dominando as reservas internacionais do país com 80,42% de participação.

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