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Economia

Especialistas citam 4 caminhos para evitar furar teto de gastos no governo Lula

Alternativas à PEC da Transição incluiriam ampliar base de contribuintes e reduzir renúncias fiscais.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição que visa aumentar o teto de gastos – limite que o governo pode gastar no ano, somado à inflação – é alvo de críticas. Especialistas ouvidos pelo Investnews pontuam que não há saída fácil, mas apontam caminhos que podem ser adotados para custear programas sociais sem cobrar a fatura lá na frente – ou seja, piorar o cenário fiscal.

Prédio do Congresso Nacional, em Brasília
Prédio do Congresso Nacional em Brasília 13/03/2017 REUTERS/Ueslei Marcelino

O objetivo dessa mudança, já aprovada no Senado e que deve ser votada em breve na Câmara, é abrir espaço fiscal para bancar, especialmente, o pagamento do Bolsa Família, atual Auxílio Brasil, de R$ 600 por mês.

Mas o que explica essa mudança ser mal vista pelo mercado? A resposta é simples. Imagine uma família que decide gastar mais, sem ter um aumento de renda. O resultado mais provável dessa equação será uma enorme dificuldade para arcar com os compromissos financeiros. O mesmo ocorre com o país.

“Na nossa própria casa, quando gastamos mais do que o previsto, nos traz uma consequência. Não seria diferente para o Brasil”, avalia Maxwell Ladir Vieira, tributarista e especialista em contas públicas.

Risco fiscal é algoz do mercado

Para o coordenador do curso de ciências econômicas do Ibmec BH, Ari Francisco Araújo Junior, ao reagir negativamente, o mercado está sinalizando uma percepção geral das consequências negativas de um aumento de gastos. “A sociedade vai enfrentar mais juros, mais inflação e mais desemprego no longo prazo”.  

Isso porque, na prática, o governo passa a pedir mais dinheiro emprestado para bancar seu endividamento, aumentando as chances de não conseguir cumprir com suas responsabilidades financeiras – o chamado risco fiscal. Diante disso, os credores passam a cobrar juros maiores.

“Só a sinalização que pode haver um contorno a um mecanismo de controle de gastos do governo (no caso, o teto de gastos) já faz com que os investidores exijam mais retorno”, explica Eduardo Perez, analista de investimentos da Nuinvest.

Não à toa, se há alguns meses o mercado projetava uma queda da taxa básica de juros da economia, a Selic, a partir do segundo semestre do ano que vem, agora a perspectiva é de uma Selic de 14% ao ano em 2024.

“O governo precisa de mais recursos para bancar esse custo com o endividamento e, por outro lado, o setor produtivo que gostaria de demandar seus recursos para ampliar sua capacidade produtiva fica impossibilitado por conta da taxa de juros”, acrescenta o docente do Ibmec.

Em contrapartida, o Bolsa Família/Auxilio Brasil é um programa de renda extremamente importante de combate à pobreza. Como então manter o custeio do benefício sem que as contas públicas sejam prejudicadas?   

Para Sillas de Souza Cézar, professor do curso de economia da FAAP, não existe mágica, até porque a arrecadação fiscal é limitada. “Ou se realoca recursos discricionários (não obrigatórios) para o custeio dos obrigatórios ou se aumenta a dívida pública, empurrando esse custo para o futuro”, diz.

Os especialistas ouvidos pelo Investnews pontuaram outros caminhos que poderiam ser adotados, dentre eles o enxugamento da máquina pública, aliado a um aumento da base de contribuintes. “Sem isso, dificilmente vamos ter um equilíbrio fiscal real”, aponta Vieira. Confira a seguir:

saco de dinheiro com moedas do lado

1 – Enxugar gastos públicos 

O enxugamento dos custos talvez seja o mecanismo mais rápido e eficaz para controlar os gastos, segundo especialistas. Mas quando se trata da máquina pública, é um ponto sensível.

Vieira reiterou que a redução da folha de pagamento – um dos custos mais altos do governo – como um dos itens que ajudariam a aliviar o orçamento público.

Ele citou como exemplo o estado de Minas Gerais. Quando o atual governo, liderado por Romeu Zema, assumiu o posto, o gasto com folha representava 80% da receita corrente líquida – atualmente, essa fatia está próxima de 50%.

“Sobravam 18% para todo o restante, como saúde e educação. Isso foi enxugado, otimizando o trabalho do setor público”.

2 – Reduzir renúncias fiscais

Outro item também sensível apontado pelo professor do Ibmec é a diminuição das renúncias fiscais – quando o governo abre mão de imposto arrecadado de alguns setores da economia.

“É o caso da zona franca de Manaus, do agronegócio e de combustíveis. Mas da mesma forma que reduzir gastos, essa também é uma alternativa complexa”, avalia o professor.

Para se ter uma noção, estima-se que em 2023 o valor destas renúncias concedidas pela União deva alcançar R$ 456 bilhões, o que corresponde a 4,29% do Produto Interno Bruto (PIB). Este montante fica um pouco acima do valor da folha de pagamento anual do governo.

3 – Ampliar a base de contribuintes 

Entre outros caminhos apontados, está a ampliação da base de contribuintes que atuam na informalidade para aumentar a arrecadação de receita – processo mais complexo do que enxugar gastos, por exemplo. “A carga tributária é tão alta que empurra esse pequeno contribuinte a exercer a atividade informal”, aponta Vieira.

Para o especialista, a saída é implementar uma tributação progressiva para quem tem maior renda e patrimônio, diminuindo o imposto para quem ganha menos – assim como ocorre em países desenvolvidos como os Estados Unidos. “Isso vai trazer um nicho de pessoas que contribuem para a produção do país, mas que estão à margem desse rol de contribuintes”.  

Outro ponto mencionado por Vieira é uma melhor distribuição da carga tributária para que o impacto seja menor para os itens de consumo e maior sobre patrimônio e renda. 

“Quando a gente fala de consumo, o impacto sobre a pessoa com menos condição é muito maior em relação a alguém com mais poder aquisitivo”.

Significa que, ao comprar um pacote de arroz, o rico e o pobre pagam a mesma taxa de imposto, só que os impactos financeiros são complemente diferentes para um e outro.

Nesse sentido, o especialista apontou a taxação sobre grandes fortunas que está prevista desde a criação da constituição em 1988, mas que ainda não foi criada. O assunto foi uma das promessas previstas na campanha eleitoral do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva.

4 – Realocar despesas não obrigatórias

Outra alternativa é o realocação do dinheiro para aéreas mais necessitadas. O professor da Faap explica que seria possível usar parte do orçamento discricionário (não obrigatórios) para aliviar o aumento do Auxílio Brasil.

“Mas isso [uso de despesas discricionárias para cobrir aumento do teto] não ocorreria sem impactar a capacidade de honrar os demais compromissos federais. Estaríamos, nesse caso, escolhendo o que pagar e, portanto, o que não pagar”.

O docente lembra ainda que, no Brasil, o orçamento é quase todo “obrigatório”, ou seja, os recursos são atribuídos a pastas específicas sem muita margem para manobras entre aquelas tenham dinheiro sobrando ou faltando.  

“A fração discricionária do orçamento, ou seja, aquela em que há alguma margem para realocação, o volume de recursos é relativamente pequeno frente a um conjunto significativos de gastos, muitos dos quais variáveis como gastos de consumo do governo”, acrescentou.

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