Economia

Mesmo com queda da Selic nos próximos meses, real deve seguir valorizado

Essa é a visão de especialistas, que apontam juros ainda elevados e ambiente econômico interno favorável.

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Desde o início do segundo trimestre de 2023, o real, de forma geral, vem se mantendo valorizado frente ao dólar, com o câmbio chegando a se sustentar abaixo dos R$ 5. Especialistas apontam que a moeda tem se sustentado pelo juro real brasileiro ainda atrativo e pelo ambiente econômico interno mais favorável. Por isso, para eles, embora as projeções sejam de queda da taxa Selic em agosto ou setembro, a moeda brasileira deve se manter forte.

No dia 12 de abril, o dólar caiu a R$ 4,94, abaixo de R$ 5 pela primeira vez desde junho de 2022. A partir daí, a moeda norte-americana foi negociada abaixo desse patamar na maior parte dos dias, chegando a R$ 4,7751 em 19 de junho, o menor valor desde maio de 2022. Acompanhe o desempenho da cotação do dólar:

Fernando Bento, CEO e sócio da FMB Investimentos, explica que os juros altos no Brasil são um fator importante que ajuda a sustentar o real, atraindo uma parcela do capital em renda fixa global para o Brasil. Bento destaca, no entanto, que esse é um fator que colabora para a valorização do real ante o dólar, mas não o único. 

“O que vale destacar é o superávit da balança comercial do Brasil. Isso também tem ajudado muito, bem como o agronegócio como o principal setor da pauta de exportação”, aponta o CEO e sócio da FMB Investimentos.

Gabriel Meira, sócio e economista da Valor Investimentos, também cita que o que pode ajudar a manter o real valorizado ante o dólar são as exportações elevadas. “Temos exportado bastante, o que facilita essa entrada de dólar no Brasil. Isso vai auxiliar e estimular até uma queda maior no preço da moeda”, projeta.

Navio com contêineres no porto de Santos, SP 23/09/2019 REUTERS/Amanda Perobelli

Segundo os dados mais recentes, beneficiada pela safra de soja e pelas exportações de petróleo e de minério de ferro, a balança comercial do Brasil registrou, em maio, o maior superávit para todos os meses desde o início da série histórica, em 1989. Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), o país exportou US$ 11,378 bilhões a mais do que importou em maio.

No mês passado, as exportações somaram US$ 33,067 bilhões. Já as importações totalizaram US$ 21,689 bilhões, recuo de 12,1% ante maio de 2022.

Com o resultado do mês passado, a balança comercial acumula superávit de US$ 35,285 bilhões nos cinco primeiros meses de 2023. O resultado é o mais alto da série histórica para o período e 39,1% superior ao dos mesmos meses do ano passado.

Queda da Selic x real valorizado

Em agosto do ano passado, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central elevou a Selic de 13,25% ao ano para 13,75% ao ano, sendo o 12º aumento consecutivo na taxa de juros. De lá para cá, a taxa básica de juros do Brasil foi mantida neste patamar.

Esse cenário, no entanto, está para mudar. Na segunda-feira (19), o Sistema de Expectativas de Mercado, base de dados do Boletim Focus do Banco Central, mostrou que analistas do mercado financeiro anteciparam de setembro para agosto a projeção para o primeiro corte da taxa Selic.

Embora a perspectiva seja de queda da taxa básica de juros, Meira, da Valor Investimentos, avalia que o real pode se manter valorizado, pois o Brasil ainda manterá uma taxa de juros real elevada, o que torna o mercado local atrativo para o investidor estrangeiro, que pega dinheiro emprestado no exterior a uma taxa muito menor para investir no Brasil.

Notas de real e dólar 10/09/2015 REUTERS/Ricardo Moraes

“Mesmo com a queda da Selic para 13,5% ao ano, ainda temos um juro real muito alto. Temos expectativa de inflação de 4% até o final do ano, com Selic de 12,5% ou 12,75% ao ano. Então, isso ainda mantém o juro real elevado e facilita esse carry trade”, avalia Meira.

Ariane Benedito, economista e especialista em mercado de capitais, acrescenta que o ambiente econômico brasileiro segue favorável para essa apreciação da moeda, uma vez que os fatores de incertezas da economia foram relativamente dissipados nos últimos meses. 

“O arrefecimento da inflação, o fechamento da curva de juros, aprovação do arcabouço fiscal e o andamento da reforma tributária e um Produto Interno Bruto (PIB) maior na leitura do primeiro trimestre criam um ambiente de maior confiança para o Brasil e isso reflete na moeda”.

Ariane Benedito, economista especialista em mercado de capitais.

Na mesma linha, Caio Canez de Castro, especialista em investimentos e sócio da GT Capital, destaca que o cenário interno está muito mais atrativo agora, com o acomodar do novo governo, que vem avançado na agenda econômica e de reformas previstas.

Outro fator importante, segundo Canez, é o quanto os preços baixos dos ativos financeiros para investimentos estão atrativos no Brasil. Isso se soma à melhora recente da perspectiva para a classificação do risco país frente ao mercado internacional e à comparação com outros países emergentes.

De maneira semelhante, Meira destaca que a “bolsa de valores continua barata, somos um dos países emergentes com a taxa de juros real mais elevada e que, minimamente, tem feito o dever de casa. Então quando o investidor estrangeiro olha para nossos pares como México, China, Turquia, a gente ainda está muito atrativo”.

Outros estímulos 

Para Benedito, o cenário de real valorizado ante o dólar pode se manter se o mercado seguir confiante sobre a situação fiscal. Isso inclui a confirmação de que o governo seguirá na busca para o cumprimento do superávit primário e atento à responsabilidade fiscal, com o Banco Central iniciando o seu ciclo de cortes de juros com as expectativas ancoradas para 2023 e 2024.

Outro fator que deve seguir sob as atenções do mercado é o cenário externo. Na avaliação de Canez, algumas bolsas pela Europa já estão em bull market e até mesmo nas máximas históricas, o mercado americano já apresenta alta há praticamente cinco semanas consecutivas, existindo um apetite ao risco muito elevado no mercado internacional, mesmo com sinalizações dos bancos centrais elevarem ainda mais as taxas de juros nessas regiões.

“Neste cenário, acredito que uma estabilização da taxa de juros nos Estados Unidos já será um fator que manterá o real valorizado”, diz o especialista em investimentos e sócio da GT Capital.

Empecilhos

Apesar das perspectivas, especialistas ressaltam que também existem os riscos que podem reverter a trajetória de valorização do real. Meira considera que o cenário pode mudar, por exemplo, caso o governo continue gastando mais do que arrecada, o que acarreta um problema fiscal que traz medo ao investidor estrangeiro, que, por consequência, retira o dinheiro do Brasil.

Já para Ariane Benedito, o risco de desvalorização do real ante o dólar está mais concentrado no cenário internacional, caso os países desenvolvidos continuem enfrentando dificuldades inflacionárias e exijam maiores esforços por parte das autarquias monetárias. Além disso, segundo a economista, um nível de atividade menor na China pode impactar o preço das moedas emergentes.

Perspectivas para o dólar

Para Benetido, a projeção para a moeda norte-americana é de um cenário base de R$ 5 ao final de 2023, com o melhor prognóstico em R$ 4,80 e o pior, em R$ 5,10. Já na projeção de Meira, o dólar deve chegar ao final do ano de 2023 no patamar entre R$ 4,60 e R$ 4,70.

Canez acredita que o real seguirá em trajetória de valorização ante o dólar, mas diz que ela não será em linha reta e que, por isso, pode haver bastante volatilidade no câmbio para os próximos meses. 

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