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Economia

Preço baixo e juros subindo sustentam bolsa mesmo com pandemia, diz economista

Fábio Astrauskas comenta por que a bolsa tem avançado ainda que num cenário preocupante – o mesmo que tem motivado a alta do dólar sobre o real.

Em meio a preocupações sobre a piora da pandemia da covid-19, situação ainda crítica das contas públicas, desemprego elevado e cenário político conturbado, o dólar vem disparando em relação ao real nos últimos meses. Mas, se no mercado de câmbio a tendência é negativa, na bolsa de valores o caso parece outro, mesmo que o cenário geral seja o mesmo.

O economista Fábio Astrauskas, CEO da Siegen Consultoria e professor do Insper, aponta dois motivos principais para a bolsa seguir em alta. “Dois movimentos, tanto o baixo rendimento na renda fixa quanto o preço das ações brasileiras, é que estão sustentando a bolsa com crescimento volátil, mas constantemente”, afirma ele.

O economista aponta ainda que a confiança na capacidade de retomada das empesas com ações negociadas na bolsa faz com que “a gente não veja um movimento de queda na bolsa, e sim o que a gente vê: a bolsa sustentada mesmo com toda essa maluquice que possa parecer a economia“.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista do economista ao InvestNews:

IN$ – O cenário atual inclui de pandemia piorando, cenário político conturbado e dados econômicos decepcionando. Como o mercado enxerga essas preocupações?

Fábio Astrauskas – Uma novidade a cada hora. O que a gente está vendo é um reflexo dessa montanha russa que o país está vivendo com ondas que vêm da pandemia, que ora se agrava e impacta a economia fortemente, e ora se ameniza, seja por resultados concretos, seja por expectativas – e o mercado vive muito de expectativa. Então, isso faz com que o humor mude a cada momento. 

Quando a gente olha com um pouco menos de pressa do momento, mas com uma visão um pouco mais estendida para trás, a gente vai ver que o que sobrou desde a pandemia para cá que a gente pode encarar com tendência. Primeiro, o dólar que, de fato, atingiu um novo patamar e ainda tem força para crescer, atrelada a um risco perceptível com relação ao futuro da economia no Brasil, devido às contas públicas principalmente. O Orçamento é o assunto do momento. 

Por outro lado, uma bolsa de valores que, se a gente for lembrar, em janeiro de 2020, antes da pandemia, estava por volta de 115 mil pontos. Agora já está em 115 mil apesar da pandemia. Então, o mercado não tem visto de uma maneira tão amarga com muitas pessoas colocam a situação econômica do país. Há uma expectativa de que todo esse movimento negativo que a pandemia trouxe é, de alguma forma, temporário, e que o país tem condições de se recuperar lá na frente. Mesmo a bolsa já estava bastante deprimida antes da pandemia. Há um espaço de crescimento, e isso o mercado tem bancado.

Agora, é inegável que a gente tem um problema orçamentário hoje que vai impactar o país no médio e longo prazo. Dois grandes problemas devem impactar o país no médio e longo prazo e precisam ser resolvidos, e não são fáceis de serem resolvidos e nem rápidos. O primeiro é o gasto público e o segundo é a geração de empregos. Há uma quantidade muito grande de pessoas sem qualificação que terão dificuldade em encontrar emprego caso não haja uma retomada da economia rápida. 

O que vai ficar de lição para nós com essa pandemia, por enquanto, é um dólar num patamar constantemente mais alto, a bolsa ainda com espaço para crescimento e uma necessidade do governo ainda em trabalhar programas de geração de renda, infraestrutura, não só auxílio emergencial (ele é fundamental, mas é insuficiente). E a dificuldade é conseguir fonte de recursos para isso.

IN$ – Temos ainda o atraso nas reformas no radar do mercado. Como isso se soma a esses pontos?

Fábio Astrauskas – Você citou o que talvez seja um dos pilares para a gente resolver o problema que o país enfrenta. A reforma fiscal vem preocupando o país há muito tempo. Antes da pandemia, vamos lembrar, em 2019, foi feita uma reforma previdenciária que, naquela ocasião, conseguiu possibilitar de R$ 750 bilhões de reais de economia em 10 anos. Esse dinheiro todo foi consumido no ano passado em déficit. Uma reforma tão importante e difícil de conseguir, que foi a previdenciária, foi insuficiente ou consumida nessa pandemia. Obviamente que não por incompetência de ninguém particularmente, mas por uma necessidade. 

O que vai acontecer daqui para frente é que nós vamos ter que caminhar agora numa reforma fiscal mais profunda, e isso não é uma questão apenas do que era o assunto anterior, de diminuir o número de impostos e eventualmente redistribuir a carga tributária. Mas, numa situação como a que a gente está vivendo, é inevitável que, em algum momento, se discuta uma reforma fiscal para fazer essas duas coisas, mas também de aumento da carga tributária.

Agora: onde vai aumentar é o assunto espinhoso, e por isso está sendo deixado de lado. Até porque estamos nos aproximando rapidamente (e até antecipando) do debate eleitoral, o que vai fazer com que medidas de geração de impostos sejam deixadas de lado, porque não são populares. Não trazem voto. Mas são fundamentais para que a gente possa equilibrar as contas do governo no futuro. 

IN$ – O aumento de impostos seria a única saída

Fábio Astrauskas – Há duas alternativas ainda para isso. Uma seria a gente fazer as privatizações de algumas empresas, e isso arrecadaria algum recurso. Era um plano do governo que não andou. E o outro ponto seria uma reforma administrativa para redução do tamanho do governo e gastos do governo. O que também não parece ser algo popular e que vai passar fácil neste momento, principalmente no Congresso.

Então, se não vai gastar menos e não vai arrecadar com privatização, tem que arrecadar com imposto. Não sobrou muita alternativa. É contábil. A gente goste ou concorde ou não, funciona dessa maneira. É uma discussão que a gente vai enfrentar daqui para frente. E, enquanto não se resolver, nós vamos ver essa falta de credibilidade crescente e dólar disparando. 

IN$ – Então, novamente: com o cenário atual mais o impasse fiscal, de onde vem o otimismo da bolsa?

Fábio Astrauskas – (Risos) Na verdade, eu acho que a bolsa não está exatamente otimista, mas devo encarar de duas maneiras. A primeira é que as ações no Brasil de fato estavam abaixo do seu valor justo de mercado ao longo do tempo. Se a gente colocar o ingrediente ainda da variação cambial, em reais as ações no Brasil ainda estão muito baratas. Esse é um dos motivos que sustenta um crescimento ainda da bolsa ou, pelo menos, que a bolsa não caia. 

O segundo ponto, e que vai se enfraquecer na medida em que for caminhando agora a política de retomada de juros pelo Copom, era a falta de alternativa do investidor. Ele não tinha uma alternativa compatível com o risco que enxerga no Brasil na renda fixa e acabava caminhando, como ainda está, para alternativas de risco maior, de renda variável. E a bolsa se traduz como a opção melhor para isso. 

Então esses dois movimentos, tanto o baixo rendimento na renda fixa quanto o preço das ações brasileiras, é que estão sustentando a bolsa com crescimento volátil, mas constantemente. 

IN$ – Você citou dois motivos para a bolsa estar em alta. Uma expectativa de que a pandemia esteja mais perto de terminar poderia ser um terceiro? Existe essa expectativa do mercado?

Fábio Astrauskas – Existe, não há dúvida que existe. Mesmo que a gente considere que está acontecendo uma demora no processo de vacinação, ele está dado. As vacinas estão compradas. Já não se trata mais de comprar, mas de quando elas vão ser aplicadas. A gente vem encontrando alguns caminhos para acelerar a vacinação. 

E, perversamente, devo dizer, quando a gente fala de bolsa de valores, estamos falando das maiores entre as maiores empresas do Brasil, e essas são as que sofreram menos com a pandemia. As que sofreram muito – e muitas nem sobreviveram – são empresas médias e pequenas. Dessas, nenhuma está no mercado de bolsa. Se você notar, várias empresas listadas na bolsa tiveram até algum benefício relativo com a pandemia. Muitas delas tinham já estrutura para atender e-commerce, algumas proteções com relação a concorrentes de menor porte, e essas se fortaleceram ou têm condições de aguardar a pandemia passar e retomar o crescimento. E isso o mercado enxerga. 

O mercado vê que há uma concentração de riqueza na mão de menos empresas do que havia antes da pandemia. Esse é um fenômeno que está sendo mundial, e aqui no Brasil não é diferente. Isso faz com que empresas listadas na bolsa estejam mais fortes, com uma exceção aqui e outra acolá. Elas são enxergadas pelo mercado como empresas que têm um potencial de crescimento mais rápido quando a pandemia passar. 

Isso faz com que não se perca tanto a confiança na bolsa e a gente não veja um movimento de queda na bolsa, e sim o que a gente vê: a bolsa sustentada mesmo com toda essa maluquice que possa parecer a economianão consegue aprovar um Orçamento, o Orçamento tem rombo, a inflação voltando, juros subindo, dólar subindo e a bolsa… Continua subindo. Parece um contrassenso, mas esse terceiro ingrediente que foi muito bem lembrado também está presente. 

IN$ – Isso ajuda a explicar por que no mercado de câmbio não vemos tanto otimismo? 

Fábio Astrauskas – Ajuda. O câmbio amplia o leque para empresas fora da bolsa. E aí vem muito mais. O número de empresas listadas na bolsa relativo ao total no Brasil é muito pequeno. O país explora muito pouco ainda o mercado de bolsa de valores. A percepção se amplia porque embute também investidores mais conservadores, principalmente aqueles que se apoiam em títulos do governo, que entendem que lá na frente poderá haver algum risco de o país ter que dar maior prêmio, como já está começando a dar quando começa a subir juros.

Há uma dificuldade do governo em rolar dívida pública por conta dos juros que estava pagando. Parte dos investidores dizem “eu prefiro botar esse dinheiro num lugar que esteja funcionando melhor”. Tira do país, sobe o câmbio. Então, o dólar vai continuar pressionando por conta disso. 

IN$ – O que falta para que a confiança de que a economia vai se recuperar ganhe mais força?

Fábio Astrauskas – O grande tema que está preocupando é como o governo vai resolver não o ponto do auxílio emergencial, mas como está fazendo, por exemplo, os Estados Unidos. Além de um programa de auxílio emergencial, um programa de apoio à infraestrutura, que é para retomada de empregos. Só assim é que se retoma empregos. Como é que nós vamos resolver esse desemprego de 14, 15, potencialmente quase 20 milhões de pessoas? Somente com uma política de governo como essa que está sendo montada nos Estados Unidos de injeção forte em infraestrutura. Esse é o recado que fica, a lição para a gente olhar aqui. A gente fala: poxa, a gente também precisava de algo parecido…

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