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Finanças

A geração Z vai mudar o mundo. E isso é um mau presságio para a poupança

Jovens de 16 a 27 anos são mais familiarizados com contas e ativos digitais e muitos nem conhecem a caderneta

O adolescente Paulo (nome fictício), de 15 anos, investe em criptomoedas com alguma regularidade. Sob a supervisão do pai, separa uma pequena quantia de sua mesada para aplicar em bitcoins e outras oportunidades virtuais. Quando lhe pergunto sobre o que o levou a escolher esse tipo de investimento, o jovem justifica: “é fácil e posso fazer pelo celular”.

Para o garoto, comprar criptos e manter uma carteira online parece tão palpável e natural quanto acumular ‘skins‘ em games – itens adquiridos pelos personagens dentro do jogo – Fortnite ou Free Fire. Afinal, acessórios digitais são bens “reais”. Ou um ativo, como o mercado financeiro prefere chamar os produtos de investimentos.

Além das moedas virtuais, quando quer guardar dinheiro, Paulo simplesmente deixa uma parte da mesada na sua conta digital ou coloca em uma das caixinhas do app do banco, que rende um percentual do CDI. Caderneta de poupança? “Não sei. Meus amigos também nunca ouviram falar.”

O comportamento do adolescente se assemelha ao de milhões de outros jovens, conforme mostram pesquisas recentes. E isso acende um sinal amarelo para o mais tradicional produto brasileiro de investimento, a centenária caderneta de poupança.

Durante décadas, esse instrumento reinou de forma absoluta como o principal refúgio para o dinheiro da população. Mas já começa a sentir o peso da idade. Com uma nova geração de investidores a caminho, o tradicional veículo financeiro passa a dividir holofotes com produtos mais modernos – e mais rentáveis.

Geração Z prefere outros instrumentos de investimento à poupança
Geração Z prefere produtos digitais de investimento à poupança / Ilustração Daniela Arbex

O economista Marcelo Billi, superintendente de Sustentabilidade, Inovação e Educação da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), afirma que pesquisas da própria entidade têm apontado essas mudanças geracionais.

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Os resultados do mais recente Raio-X do investidor indicam que os jovens entre 16 e 27 anos (a chamada geração Z) entendem poupança não como um produto específico, mas como um conceito: o de investimento simples e de fácil acesso onde podem deixar o dinheiro rendendo, mas com a conveniência de usar a qualquer hora. “As pessoas estão chamando de poupança outros instrumentos que têm cara de conta corrente remunerada”, diz o economista.

A força do digital

O estudo da Anbima mostra ainda que a maioria da geração Z – ou 66% desse público – tem conta em bancos digitais. É uma mudança de comportamento e tanto. No resultado geral, em que são consideradas todas as faixas etárias, as instituições financeiras tradicionais ainda mantêm grande dianteira: 69% dos entrevistados afirmam manter conta corrente nos bancões.

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Outro dado, mas sem recorte geracional, mostra a poupança ainda como veículo de investimento mais usado pela população, com 25% de adesão. Porém, há um crescimento contínuo das criptomoedas entre as menções dos entrevistados. O ativo digital já aparece em terceiro lugar, empatado com imóveis e fundos de investimentos, todos com 4%.

O futuro presidente do Banco Central e atual diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, está de olho no fenômeno. Em evento no mês passado, ele observou que o crescimento da renda nos últimos meses não tem trazido expansão da poupança ou do consumo. Em sua visão, o dinheiro parece “estar vazando” para criptomoedas e jogos de apostas.

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A geração Z vê o mundo digital quase como uma extensão da vida real, afirma o diretor do Mercado Bitcoin, Fabricio Tota. “Para os mais jovens, ter um ativo digital, como as criptomoedas, parece algo natural, porque eles já compram bens virtuais em games ou plataformas.”

Tota ressalta que “até a relação com a música é diferente, porque ela vem da nuvem, de um app”. Os mais velhos, por outro lado, mostram alguma dificuldade de entender qual é o valor de algo que só existe no mundo das telas.

Conta complicada

Para o executivo do Mercado Bitcoin, a conta remunerada acaba sendo um instrumento muito mais prático e mais próximo da geração Z. “Os mais jovens já têm opções para guardar dinheiro. A conta digital é uma forma de se organizar financeiramente e manter o dinheiro rendendo, mais que a caderneta.”

Algumas contas digitais trazem remuneração de até 100% do CDI – mas é preciso deixar o dinheiro parado na conta por um bom tempo para conseguir alcançar esses 100%. Hoje, se alcançar esse teto de rentabilidade das contas remuneradas, o correntista receberá algo em torno de 10,4% ao ano ou 0,83% ao mês.

No caso da poupança, as regras são bem mais complicadas. Veja só: o produto traz um ganho fixo de 6,17% ao ano ou 0,5% ao mês mais a variação da taxa referencial de juros (TR), atualmente em 0,07% mensal. Mas, caso a taxa básica Selic, definida pelo Banco Central, caia para 8,5% ao ano ou abaixo disso, a remuneração passa a ser 70% da Selic.

Mesmo quem já está familiarizado com a caderneta, provavelmente, teve de ler duas vezes para entender. Além disso, há outro complicador, o ganho é calculado mensalmente de acordo com a data-aniversário, ou seja, a partir do dia em que a conta poupança foi criada. Se o aplicador tirar dinheiro antes, perde a remuneração desse valor. Sacou?

Fabrício Tota vê ainda um movimento mais amplo que pode impactar a indústria de investimentos em geral. “As criptomoedas, os ativos tokenizados, tudo isso vai ficar cada vez mais popular. Hoje há um leque de opções muito maior de investimentos. Lá atrás, as gerações mais antigas só tinham poupança e CDB. Depois vieram as plataformas e, recentemente, o mercado de ativos digitais já nasceu mega popular.”

Não é que a poupança vai morrer. Billi, da Anbima, defende que a caderneta vai continuar como uma forma importante de aprendizado e organização financeira mesmo para os mais jovens. A questão é que uma geração conectada o tempo todo e com acesso a uma quantidade maciça de informação vai buscar naturalmente diversificar suas aplicações.

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Além disso, a jornada do cliente dessa nova geração traz a necessidade de a experiência ser rápida, simples, clara e eficaz. Há um desafio, portanto, para instrumentos tradicionais de investimento conseguirem se modernizar.

E a casa própria?

No caso da poupança, há ainda um ponto importante a se considerar. O instrumento centenário funciona como pilar do sistema de crédito imobiliário. Por lei, as instituições financeiras são obrigadas a usar 65% dos depósitos dessas contas como recursos para os empréstimos habitacionais, tanto na aquisição da casa própria quanto para construção.

Como a remuneração da caderneta é baixa quando comparada às taxas de mercado, os bancos podem emprestar a um custo atrativo. Por isso, o crédito habitacional se tornou a modalidade mais barata entre todas as linhas oferecidas pelas instituições financeiras no Brasil. Mais barato até do que o consignado.

Ao mencionar que, mesmo com emprego e salários em alta, as contas de poupança não têm visto a cor do dinheiro, Galípolo, do BC, indicou também estar monitorando essa situação.

Segundo os dados da autoridade, embora o saldo dos depósitos se mantenha acima de R$ 1 trilhão, o instrumento enfrenta perdas líquidas de recursos nos últimos três anos e meio – e sem sinal de reversão no curto prazo. De 2021 a agosto de 2024, os resgates líquidos, ou seja, a diferença entre o dinheiro que entra e o que sai, já acumula uma perda de mais de R$ 230 bilhões.

Geração PIX

A geração Z exibe ainda outra característica que pode ser um mau presságio para a caderneta. “São mais imediatistas”, afirma o CEO da bolsa de criptomoedas Coinext, José Artur Ribeiro. “É a nossa geração PIX.” O especialista acredita que esses novos participantes vão mudar a indústria de investimentos conforme ganham poder financeiro.

Essa percepção foi importante para o crescimento da própria plataforma Coinext. “No começo o nosso site demorava 9 segundos para abrir e percebemos que era inaceitável e hoje a plataforma demora um segundo para carregar.”

O especialista da fintech de prevenção de fraudes digitais Mangopay, Thiago Bertacchini, tem avaliação semelhante. “Os mais jovens querem resultados mais rápidos, são mais curto prazistas.” A velocidade vira aliada dos aplicativos especializados em ativos digitais.

Daqui a 10 anos, talvez o jovem Paulo, ao começar a ganhar seu próprio dinheiro, veja a caderneta como um refúgio seguro para sua poupança. Talvez. De qualquer modo, certamente, vai aplicar menos do que seus pais. E muito menos que seus avôs.

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