Embora preocupações com juros altos por mais tempo nos Estados Unidos venham ganhando cada vez mais força, cenário que não é favorável para a abertura de capital, o número de IPOs no mercado norte-americano voltou a crescer em setembro. Para especialistas, resultados recentes entregues por bolsas norte-americanas, maior apetite ao risco de investidores e otimismo com a perspectiva de estabilização da alta de juros e o arrefecimento da inflação justificam o movimento.
Segundo dados da Stock Analysis, no mês passado houve 15 aberturas de capital nos Estados Unidos, ante 11 em agosto. Trata-se da mesma quantidade registrada em julho e em abril, e é o terceiro maior volume mensal no ano. Veja:
João Victor Simões, sócio e especialista de operações internacionais da Blue3 Investimentos, explica que dois motivos explicam essa alta. O primeiro, é que o mercado já entende que os Estados Unidos estão chegando próximo ao juro máximo e a inflação está sendo bem controlada, antecipando, assim, movimento de aberturas de capital.
Outro motivo, segundo Simões, é o bom desempenho das empresas de tecnologia listadas na Nasdaq, que traz confiança ao mercado e influencia a chegada de novatas às bolsas norte-americanas.
Katia Oleskovicz, especialista em investimentos na WIT Invest, considera que um dos motivos por trás da alta de IPOs no país é a sinalização de investidores de maior apetite ao risco, uma vez que houve baixas movimentações durante o período da pandemia, além do otimismo com a perspectiva de estabilização da alta de juros e o arrefecimento da inflação, gerando otimismo com a melhora dos fatores macroeconômicos de forma global.
“Ainda estamos distantes dos patamares históricos, porém, pode ser uma sinalização bastante positiva para os próximos meses, gerando a possibilidade de bons retornos para as empresas emissoras e investidores com apetite a risco”.
Katia Oleskovicz, especialista em investimentos na WIT Invest
Taxa de juros dos EUA
Em sua última decisão de política, em 20 de setembro, o banco central norte-americano decidiu pela manutenção da taxa básica de juros do país na faixa entre 5,25 e 5,5% ao ano, o maior patamar desde 2001. Foi a segunda interrupção no ano pelo Federal Reserve do ciclo de aperto monetário. A primeira foi em junho, depois de dez altas consecutivas.
No comunicado do mês passado, o Fed destacou sua avaliação de que “indicadores recentes sugerem que a atividade econômica tem se expandido em um ritmo sólido”. “Os ganhos de emprego abrandaram nos últimos meses, mas permanecem fortes, e a taxa de desemprego permaneceu baixa. A inflação continua elevada”, apontou.
Cenário
De lá para cá, aumentaram receios sobre a possibilidade de juros restritivos por mais tempo no país. Isso porque a criação de vagas de emprego nos Estados Unidos aumentou em setembro e superou com força as expectativas. A economia norte-americana abriu 336.000 vagas de trabalho fora do setor agrícola no mês passado, informou, na sexta-feira (6), o Departamento do Trabalho em seu relatório de emprego, o payroll.
No país, as vagas de emprego em aberto também cresceram inesperadamente, aumentando em 690 mil em agosto, chegando a 9,6 milhões, de acordo com o relatório mensal Job Openings and Labor Turnover Survey, o JOLTS. As estimativas eram de 8,8 milhões.
A criação de vagas no setor privado dos Estados Unidos, por sua vez, ficou bem abaixo do esperado em setembro. Foram abertos 89 mil empregos no mês passado no setor privado, mostrou o Relatório Nacional de Emprego da ADP. Economistas consultados pela Reuters previam criação de 153.000 postos de trabalho.
Já os gastos dos consumidores dos Estados Unidos aumentaram em agosto, mas houve moderação da inflação subjacente, com o aumento anual dos preços, excluindo alimentos e energia, desacelerando para menos de 4%. Estes gastos, que respondem por mais de dois terços da atividade econômica do país, aumentaram 0,4% no mês passado.
Perspectivas para os juros dos EUA
Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, avaliou em comentário que o payroll reforçou a preocupação com a austeridade do Fed, mas, principalmente, consolida a posição de que a autoridade monetária não iniciará o ciclo baixista de juro em breve. Para o economista, este movimento deverá ocorrer apenas no final de 2024.
Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research, apontou que a probabilidade de uma nova alta de juros nos Estados Unidos aumentou, pois o número do payroll foi preocupante.
De acordo com o economista, a preocupação do Federal Reserve se dá pelo fato de que a economia segue resiliente, a criação de empregos continua forte, a taxa de desemprego está estável, mas segue nas mínimas históricas, e a inflação caiu, porém, se mantém elevada. Além disso, segundo Sung, mais recentemente, a alta do preço do petróleo gerou preocupações, pois pode levar a novas pressões inflacionários.
“O Fed precisa de mais sinais de arrefecimento deste segmento para ter segurança nos próximos passos da política monetária. O juro deve se manter no patamar atual até o fim do ano e cortes devem demorar a acontecer, porém, a probabilidade de uma nova alta aumentou”.
Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research.
Riscos?
Marco Saravalle, analista e sócio-fundador da Sara Invest, explica que o melhor cenário para uma boa precificação de IPO é o de que a economia do país tem que estar crescendo e com inflação e juros baixos. Ele diz acreditar, no entanto, que os Estados Unidos vão ter juros muito altos para padrões americanos por muito tempo.
Oleskovicz avalia que o cenário ainda é bastante incerto, muito menos previsível do que o vivido no Brasil, de inversão de curva de juros iniciada no mês de agosto e com perspectiva mais acertada de novas quedas da taxa de juros.
“Os americanos não seguem essa confirmação e, diante de cenários assim, essas emissões de ações para captar recursos na bolsa podem frustrar nos próximos meses, caso se estenda o ambiente de juros restritivos”, alerta a especialista em investimentos na WIT Invest.
Tecnologia e saúde em destaque
Do total de empresas que abriram capital em setembro nos Estados Unidos, os maiores segmentos foram de empresas dos setores de saúde e de tecnologia.
Um dos destaques do mês foi a abertura de capital da fabricante de chips britânica Arm Holdings, do SoftBank, que garantiu uma avaliação de US$ 54,5 bilhões. A Arm fixou o preço de seu IPO em US$ 51 por ação, no topo da faixa indicada, levantando US$ 4,87 bilhões de para o SoftBank com base em 95,5 milhões de ações vendidas.
Embora tenha sido a maior oferta pública inicial deste ano no país, e a maior desde a fabricante de caminhões elétricos Rivian, em 2021, por outro lado, após a euforia da estreia, que fez o papel da empresa disparar quase 25% no dia, a ação da Arm acumula perda de mais de 16% desde o IPO. Veja:
Saravalle, da Sara Invest, explica que, para um IPO, tem que ser um ativo que seja inovador e que tenha uma boa precificação. Segundo o analista, apesar de haver setores muito descontados na bolsa de valores dos Estados Unidos, o de tecnologia, sobretudo, ainda opera com múltiplos muito altos, o que justifica que tem demanda do lado do investidor comprador, bem como o investidor consegue sair do papel, vendendo a um preço muito bom para ele.
Simões, da Blue3 Investimentos, lembra que o que influenciou positivamente a bolsa de valores norte-americana neste ano foi, basicamente, empresas do segmento de tecnologia e de inteligência artificial. Dessa forma, segundo o especialista, empresas de tecnologia que já pensavam em abrir capital, utilizaram desse bom momento das companhias do setor em bolsa para captar recurso de investidores por meio de IPOs.
Oleskovicz destaca que as últimas ofertas públicas iniciais de ações têm olhado o valorizado setor de inteligência artificial, tanto como tecnologia embarcada, com desenvolvimento de produtos, como melhoria de processos de automação e tratamentos, como o caso das empresas farmacêuticas e ligadas à saúde humana.
“O advento pode puxar em pouco tempo novas remessas de boas empresas para as bolsas e, quem sabe, ser o termômetro para o Brasil, que tem se mostrado com pouco apetite para emissões primárias”.
Katia Oleskovicz, especialista em investimentos na WIT Invest.
Reflexos no Brasil?
No Brasil, em 2022 e em 2023 até o momento, anos marcados por juros em patamares elevado no país, não houve registros de IPOs, diferentemente dos Estados Unidos. Por lá, somente no ano passado, foram 181 aberturas de capital. Já em 2023 até o final de setembro, 121, segundo a Stock Analysis.
Simões explica que o mercado norte-americano representa quase 60% do mercado de capitais global sendo, assim, uma referência mundial.
“Assim, tudo que, eventualmente, aconteça no mercado americano em grande escala, vai influenciar não só o Brasil, mas o mundo inteiro. Então, com IPO é a mesma coisa, seja, eventualmente, em exercer o mesmo movimento que está acontecendo nos Estados Unidos ou então uma migração de capital brasileiro para fora, para, eventualmente, aproveitar essas oportunidades de IPO no exterior”.
João Victor Simões, da Blue3 Investimentos.
Na mesma linha, Oleskovicz cita que o advento de inúmeras ofertas que vêm ocorrendo nos Estados Unidos pode ser um termômetro para o Brasil retomar negociações, visando captar recursos via bolsa de valores. Ela destaca, no entanto, que ainda não se tem visto movimentações neste sentido no Brasil porque há debates importantes que envolvem empresas listadas, como a tributação sobre dividendos, que ainda tem gerado incertezas, impedindo, entre outros pontos, a ascensão de novas empresas.
Perspectivas para IPOs nos EUA
Em meio às expectativas de que o corte de juros nos Estados Unidos pelo Fed deva começar em 2024, Simões, da Blue3 Investimentos, diz que, a partir do momento em que se tem um cenário de redução de juros, o mercado entende que, para apurar ganhos maiores ao longo dos anos, será preciso dedicar parte do capital a risco oscilatório, não a risco de perda definitiva.
“Basicamente, a partir do momento que você tem essa redução, o mercado entende que precisa dedicar parte do patrimônio vinculado a mercado de capitais, à bolsa de valores, e aí, naturalmente, a tendência é que se eleve o número de IPOs feitos”.
João Victor Simões, da Blue3 Investimentos.
Oleskovicz, da WIT Invest, diz acreditar que os IPOs recentes devem mostrar para os próximos semestres como devem caminhar a retomada e equilíbrio econômico para o mercado americano, que vive, neste momento, a atratividade dos títulos do Tesouro americano de 10 anos, que têm entregado, nas últimas semanas, taxas bastante elevadas.
“Caso se consolide um equilíbrio da inflação com os dados de crescimento, certamente, teremos um momento bastante promissor”, projeta a especialista.
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