É consenso entre algumas das principais gestoras independentes Ibiuna, Legacy, Genoa, Kinea e Verde que o cenário atual é propício para ativos de risco, o que inclui mercados emergentes. Juros mais fracos ao redor do globo, crédito menos restritivo e mais barato para as companhias, além de um dólar mais fraco parecem dar o tom do cenário que o investidor vai encontrar em 2024.
O cerne das recentes cartas publicadas pelas gestoras esbarra, em grande medida, no ritmo de corte de juros que o Federal Reserve (FED) pode adotar, o que tende a influenciar o preço dos ativos ao longo do ano. A expectativa mais recente dá conta de um primeiro corte em junho.
Segundo a Ibiuna, houve um exagero na precificação dos cortes na curva futura dos juros americanos. Por isso, alguma correção seria esperada. “Em nosso cenário central, o Fed começará a cortar os juros apenas no segundo trimestre e com parcimônia levará a taxa básica de juros a níveis próximos à neutralidade”.
Ainda assim, janeiro encerrou com a taxa de 10 anos dos Treasuries dos Estados Unidos (títulos da dívida norte-americana) novamente próxima de 3,90% (depois de bater 4,18%), enquanto o S&P 500 tem fechado perto das máximas históricas. A Ibiuna vê o cenário como “construtivo”, após ter reduzido sua posição aplicada em bonds de 10 anos – títulos vistos como um “seguro” contra uma desaceleração acentuada da economia.
“Acreditamos que a queda de juros nos EUA é benéfica para renda fixa internacional, tanto atraindo novos recursos para a classe de ativos, como melhorando os fundamentos das companhias, via queda no custo da dívida”.
ibiuna, em sua última carta de gestão
A Kinea, por sua vez, fez em sua carta uma analogia da economia americana com Rocky Balboa, personagem do filme “Rocky“, interpretado por Sylvester Stallone. A imagem icônica do boxeador é correlacionada à resiliência norte-americana. “Sempre subestimado, mas igualmente determinado a vencer seus adversários, mesmo quando sofre no início da luta”, descreve a gestora.
Os gestores da casa apontam que, por anos, escutam a previsão de que, inevitavelmente, os EUA cederiam sua hegemonia à China no decorrer deste século. Porém, a Kinea parafraseia o escritor Mark Twain ao dizer que “notícias da morte da economia e do mercado norte-americano foram grandemente exageradas”.
Durante o mês de janeiro, a casa testemunhou a resiliência americana em diversas frentes: no mercado acionário, na força do dólar, fortes vendas no varejo, pedidos de auxílio desemprego voltando às mínimas históricas, além de taxas de juros mais altas quando comparadas ao final de 2023.
“Ao longo dos últimos 12 meses, o mercado norte-americano se colocou cabeça e ombro acima de seus competidores. Especificamente com relação à China, o resultado foi um massacre”, apontam.
Kinea, em SUA ÚLTIMA carta de gestão
O S&P 500 subiu mais de 28% desde o início de 2023 até janeiro deste ano, atingindo um novo recorde, sendo que seus equivalentes no mercado da China e Hong Kong amargaram quedas bruscas, ambos próximos a 20%.
A questão é que a boa performance do mercado americano nesse início de ano foi impulsionada pela Nasdaq, que, liderada pelo setor de semicondutores e algumas das grandes empresas de tecnologia como Microsoft e Meta, manteve performance distinta de seus pares de tecnologia chineses, que continuam recuando.
Por isso, a Kinea apontou continuar comprada em um mix de “temas seculares” como semicondutores, inteligência artificial, urânio e biotecnologia.
A Verde Asset, por sua vez, apontou ter ajustado sua alocação com maior exposição em papéis de tecnologia e os defensivos em comparação aos cíclicos por meio de seu fundo global.
Mas a casa fez questão de pontuar que o bom desempenho das bolsas americanas não foi apenas puxado pelas “7 Magníficas”, mas também por dados que indicam uma melhoria na confiança do consumidor, acompanhada de expectativas de queda na inflação.
A gestora de Luis Stuhlberger apontou ainda estar comprada em juro real americano, além de manter uma pequena alocação em petróleo e exposição em crédito high yield local e global. Em moedas, a Verde manteve posições compradas em real, peso mexicano e rúpia indiana, financiadas por posições vendidas em euro, renmini chinês, além de uma nova posição vendida em dólar de Taiwan.
Além disso, aumentou exposição em ações brasileiras e manteve a posição aplicada em juros reais – também brasileiros.
Da mesma forma, a Kinea informou que segue comprada em ativos “made in Brazil“, já que o entendimento é de que o valuation dos ativos locais está atrativo.
Comprados em Brasil
E por falar em território doméstico, outro ponto destacado pela Kinea foi a divulgação, por parte do governo, do plano “Nova Indústria Brasil” anunciado recentemente e que oferecerá subsídios e apoio do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) a diferentes setores.
“Apesar dos ares de déjà vu da Nova Matriz Econômica e do risco fiscal crescente ao longo do mandato do presidente Lula, seguimos apostando que os riscos no curto prazo estão controlados”.
kinea, em SUA ÚLTIMA carta de gestão
A justificativa é devido não haver, até o momento, gatilhos claros para uma guinada populista, como uma recessão ou queda acentuada de popularidade – “tendo em vista que o desemprego e a inflação estão baixos”.
Nesse sentido, a gestora permanece comprada em real, dado o diferencial de juros atrativos, com o início do ciclo de corte do Fed no radar. A questão é que a casa conta que isso ocorra ainda no 1º semestre, da mesma forma que a Legacy.
Mas o entendimento desta última é que os elevados juros reais tendem a desacelerar as concessões de crédito, em especial, para pequenas e médias empresas, o que deve contribuir para a desaceleração da atividade econômica.
A gestora também chama a atenção para a quantidade de pedidos de recuperação judicial feitos em 2023 – atingindo patamares só vistos na recessão de 2015/2016.
Em paralelo a isso, a Ibiuna acredita que o ciclo de queda da taxa Selic tende a reduzir as despesas financeiras das companhias, além de gerar algum crescimento de resultados operacionais.
Como exemplo, cita a locadora de veículos Localiza, já que o ruído referente aos maus resultados da divisão de semi-novos (uma consequência das taxas de depreciação aplicadas em sua frota), tendem a convergir para resultados atrativos no médio prazo.
Já Cielo, PagSeguro e Stone devem se beneficiar da retomada de demanda e redução de custo de capital, além de alguma melhora do ambiente de crédito, na visão da gestora.
“Com as empresas sendo negociadas em valuations razoáveis, parece ser um investimento interessante para os próximos meses”, aponta a Legacy.
Se a visão da Genoa Capital estiver correta, as condições econômicas do país seguem indicando pouca urgência para que o Banco Central acelere o ritmo de cortes de juros.
“O desemprego segue próximo das mínimas históricas, a massa de salários têm crescido de maneira bastante robusta […]. Com uma economia resiliente, há pouco incentivo para que o BC sinalize uma grande alteração em seu plano de voo”.
GENOA CAPITAL, EM SUA ÚLTIMA CARTA DE GESTÃO
A carteira da gestora segue comprada em real, agora também contra uma cesta de moedas e contra o euro. No Brasil, há posições taticamente tomadas nos juros nominais e vendidas em inflação.
Já na seara global, a casa segue “liquidamente comprada” em ações nos EUA, em especial, nos setores financeiro, de utilidades públicas, energia e consumo. Mas isso também se aplica a empresas brasileiras.
Na ponta vendida estão os setores de transportes e de alimentos e bebidas, com índices globais servindo como ativos de proteção.
Eleições nos EUA: um risco precificado
Na régua dos riscos, segue uníssona a corrida à Casa Branca, cujo desfecho se dará em novembro. O mercado parece já ter precificado um cenário de disputa entre Biden e Trump – o mais provável que se desenha até então – prevendo reações para as vitórias de um ou de outro.
Segundo a Ibiuna, o discurso do ex-presidente segue no sentido de “dobrar a aposta” nas políticas econômicas do seu mandato, principalmente em relação a barreiras e tarifas comerciais, o que seria bastante “pernicioso” para mercados emergentes, “principalmente para os exportadores”, aponta a gestora em carta.
Já a Legacy pontua que a perspectiva de vitória de Trump (o favorito nas pesquisas de intenção de voto) pode atenuar e mesmo reverter a tendência de enfraquecimento do dólar que se desenha pelo cenário macro, uma vez que o ex-presidente implementaria a imposição de tarifas à importação de bens.
Quanto à situação fiscal da maior economia do mundo, essa tende a permanecer vulnerável ao longo dos próximos anos, qualquer que seja o presidente eleito, pontua a gestora.
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