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Finanças

Ativos brasileiros perdem atratividade para gringos, mas país segue bem visto

Estrangeiros seguem vendendo suas posições na bolsa brasileira, com dólar e renda fixa americana mais atrativos.

Investidores estrangeiros seguem vendendo suas posições na bolsa brasileira, em um momento no qual dólar e renda fixa americana estão mais atrativos. No acumulado de março até o dia 20, o investidor “gringo” vendeu mais do que comprou ativos brasileiros, o que inclui ações, renda fixa e derivativos. O saldo entre compra e venda ficou negativo em R$ 2,5 bilhões, segundo dados da B3 (veja o gráfico).

Já o investidor institucional (que inclui fundos de investimentos) – com a segunda maior participação em bolsa, perdendo apenas para os estrangeiros –, preferiu ver o “copo meio cheio” em relação a Brasil. As compras superaram as vendas em R$ 109,3 milhões. 

Este movimento vai na contramão do visto em 2022, quando a B3 bateu recorde no fluxo de capital estrangeiro no período (desde o início do registro dos dados, em 2008). Foram aportados R$ 119,8 bilhões em capital estrangeiro na bolsa brasileira no ano passado. Só em dezembro, entraram R$ 15 bilhões. Mas passados três meses, o que mudou?

Taxa de juros nos Estados Unidos

Os Estados Unidos seguem aumentando sua taxa de juros à medida que a inflação fica mais difícil de ser controlada. O banco central americano, Federal Reserve (Fed), aumentou em 25 pontos base na última reunião, o que já era esperado pelo mercado. Jerome Powell indicou que o ciclo de alta de juros no país deve continuar até que a alta nos preços retorne ao patamar de 2% ao ano. Nos seis meses encerrados em fevereiro deste ano, a inflação americana atingiu 6%.

Há duas semanas, era esperado um aumento maior, de 50 pontos base pelo Fed. Mas com o colapso do Silicon Valley Bank (SVB) e temores que o caso respingue no sistema bancário dos EUA, o órgão foi mais contido no aperto monetário, uma forma de dar alívio momentâneo, uma vez que juros mais altos tornam as dívidas também mais caras.

Mas para quem investe em títulos do governo americano (Treasuries), as taxas pagas estão em seu maior ritmo em anos, o que atrai os olhares para a renda fixa nos Estados Unidos. Logo, investir em países emergentes, como o Brasil, começa a não fazer tanto sentido dado o risco-retorno. No entanto, para o investidor local, os riscos parecem maiores, uma vez que a comparação do estrangeiro é global e não apenas centrada no governo eleito do país.

Rodrigo Jolig, co-CEO e diretor de investimentos na Alphatree Capital, defende que o mercado estará mais atento às indicações de como o Fed vê a crise bancária, mas não acredita que a subida de 0,25 pontos-base é o que vai fazer diferença quanto à fuga de investimento estrangeiro no país.

 “O que pode pegar é se o Fed vai dar maior transparência ao problema dos bancos nos EUA e o apetite por risco global. […] o mercado de crédito brasileiro já está mais sensível desde o evento com a Americanas, o que também acontece lá fora com a crise dos bancos; então ainda há pouca clareza sobre quão grandes podem ser os efeitos no mercado”, disse.

‘Juros alto nos EUA é igual a um aspirador’

“A taxa de juros americana é igual a um aspirador que ficou desligado por 20 anos: é o lugar mais seguro do mundo e as pessoas vão pra lá mesmo quando o país não pagava nada e o aspirador estava desligado. Subindo o juros, esse aspirador é ligado, o que drena o dinheiro do mundo todo”.

A frase, do CEO da Empiricus, George Wachsmann (mais conhecido como Jojo), explica como a atual fase econômica da maior potência do mundo atrai investimentos.

Apesar de ainda não ser possível cravar qual será o pico de taxa de juros e quando começa a tendência de queda – uma vez que Powell sinalizou que terá mais altas na próxima reunião do Fed – o Brasil pode ser beneficiado, especialmente quanto à redistribuição das cadeias produtivas.

“Mas o governo não pode fazer bobagem. E talvez eu esteja sendo ingênuo em acreditar nisso”.

George Wachsmann, CEO DA EMPIRICUS

Visão sobre Brasil

A pressão sobre o Banco Central – que está em seu primeiro mandato independente – é um dos ruídos citados pelo CEO da Empiricus, além do imposto sobre exportações, o que pode comprometer as exportações do Brasil, na visão do gestor. No final de fevereiro, o atual governo decidiu instituir uma taxa de 9,2% sobre as exportações de petróleo bruto. A medida terá duração de quatro meses e passou a valer em 1º de março.

Jojo reitera também que hoje o contraditório está acontecendo, uma vez que o novo arcabouço fiscal – proposta que busca substituir o atual teto de gastos como ferramenta de controle dos gastos públicos – vem sendo defendido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mas não pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A ideia é criar um mecanismo que permita ao governo fazer investimentos e despesas sem gerar descontrole nas contas públicas.

“Por incrível que pareça, hoje torço para Haddad; olha o nível que chegamos, olha nosso grau de desespero. Ele virou o salvador da pátria, já que seu conservadorismo vem sendo uma voz sensata”. A explicação de Wachsmann é que, ao ser empossado, o ministro da Fazenda foi “achincalhado” em grande parte por agentes do mercado financeiro.

Para Luiz Fernando Araújo, sócio e CEO da Finacap Investimentos, vai demorar para Haddad receber um “cheque em branco” do mercado, pelo menos até mostrar qual será a âncora fiscal que vem sendo desenhada.

“Ele terá que entregar resultado, aprovar várias medidas, para poder ganhar credibilidade. O grande problema é se Haddad terá autoridade e autonomia pra implementar uma politica econômica mais ortodoxa. Mas pelas declarações de Lula, vemos essa falta de autonomia”.

Luiz Fernando Araújo, sócio e CEO da Finacap investimentos

Já sobre a alocação de capital estrangeiro na bolsa brasileira, Araújo tem a percepção de que o investidor gringo foi atraído para o Brasil diante das baixas vistas nas bolsas americanas e europeias e dado ser uma alternativa de alocação mais rentável. Mas quando este cenário se inverter, pode haver uma fuga de capital estrangeiro, como a vista agora em março.

Como gestores gringos enxergam o governo Lula

Para Maurício Moura, economista e estrategista político global da Guess Capital, existe uma dissonância cognitiva do que o mercado local e externo percebem sobre o potencial da economia brasileira e a gestão do presidente Lula. Segundo o pesquisador de políticas públicas da George Washington University, o investidor estrangeiro têm uma visão mais positiva sobre o Brasil que o investidor local.

Segundo conversas entre Moura com gestores globais e investidores de fora do Brasil, eles não acreditam que o governo Lula será tão negativo, já que segundo eles, esse quadro foi vendido em 2002 (no primeiro mandato de Lula) e nunca se materializou.

“As projeções de que o Brasil tomasse rumos muito ruins economicamente nunca aconteceu. Há também uma visão relativa que eles [estrangeiros] acreditam que o governo do presidente Lula é mais pragmático que outros governos de esquerda da América Latina – o que é positivo para o Brasil”.

Maurício Moura, economista e pesquisador de políticas públicas

Como gestores locais enxergam o Brasil

Para a Verde Asset, capitaneada por Luiz Sthulberguer, o Brasil segue acompanhado degraus excessivos de ruído desnecessário, como o caso a taxação das exportações de petróleo e os reiterados ataques ao Banco Central. Em sua carta mensal, a gestora aponta que “há sinais de um incipiente credit crunch [risco de crise de crédito] atingindo a economia brasileira, cujo enfrentamento requer boas políticas públicas e não bravatas”. Logo, é justificado porque os prêmios de risco dos ativos brasileiros seguem muito altos, de acordo com a Verde. 

Ainda assim, seu principal fundo manteve exposição na bolsa brasileira, e voltou a implementar hedges (proteção) na bolsa americana, segundo carta da gestão. “A posição comprada em inflação implícita no Brasil foi mantida, zeramos o risco tomado em juros na Europa, e iniciamos posições tomadas em juros e compradas em inflação nos EUA. Continuamos comprados em ouro e petróleo, mas encerramos a posição vendida no euro contra compra de real. As posições em crédito high yield global (de maior risco e maior retorno) e crédito local foram mantidas”.

Em fevereiro, o fundo Verde registrou ganhos nas posições de renda fixa, com destaque para a posição comprada em inflação implícita no Brasil, opções na curva curta americana, e uma nova posição comprada em implícita nos EUA. Já as perdas vieram da exposição em ações no Brasil, e das posições em commodities, particularmente ouro, que devolveu os ganhos de janeiro. 

Para a gestora, a economia americana vem surpreendendo contra o consenso que ao fim do ano passado projetava entrar em recessão em pouco tempo, “e deu mais sinais de pujança e mais resiliência do que outros países maduros”. 

“O dólar se fortaleceu, especialmente contra as moedas de G10; as taxas de juros dos países desenvolvidos subiram de maneira importante; e as bolsas devolveram parte da exuberância do início do ano. Talvez o melhor exemplo desse processo seja a taxa projetada dos Fed Funds no fim de 2024: ela subiu 89bps ao longo do mês, saindo de 3,12% para 4,01%”, afirmaou a Verde.

Brasil vs pares emergentes

A percepção dos gestores é de que há poucas opções boas entre os mercados emergentes, uma vez que Rússia está em guerra, China tem problemas geopolíticos, assim como África do Sul e a Turquia seguem em um processo eleitoral complexo.

Mas para o CEO da Empiricus, a fotografia do Brasil entre os emergentes é vista em partes como positiva.

“Quando olho para o Brasil e comparo com a Argentina ou Turquia, sigo otimista; mas não digo o mesmo em relação ao México. Analisando cadeia de produção, os Estados Unidos preferem produzir no México do que aqui. A cadeia logística deles é melhor do que a nossa. Tudo depende de contra quem vamos comparar o Brasil. Mas entre os grandes emergentes, estamos bem na foto.

Jojo Wachsmann

Já analisando a fotografia do governo Lula, em especial, a da mídia internacional, Wachsmann acredita que há um equívoco de interpretação. “Sei que a mídia global gosta do Lula e nunca gostou de [Jair] Bolsonaro, e de fato, Lula é quem se encaixa melhor no papel de tirar uma foto, de ser mais tratável. Mas eles podem vir a ser enganados”, disse, em referência a ruídos políticos internos no atual governo.

Questionado pelo Investnews sobre qual seria o direcionamento do terceiro mandato de Lula, Wachsmann foi categórico. “Não acho que é Lula 1, acho que é Dilma 2. Mas torço para estar errado. Pode ser que a gente queime a língua”.

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