O aumento da taxa de juros nos Estados Unidos, somado à escalada da tensão geopolítica no Oriente Médio, contribui para um clima de cautela no mercado de capitais brasileiro. Com isso, as empresas estão adiando os planos de fazer uma oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês).
“Havia certo otimismo para que se abrisse ‘uma janela de IPO’ no início de janeiro, mas parece que ela se fechou”, disse um diretor à frente de uma instituição estrangeira. Ele lembra que taxas de juros maiores lá fora atraem os investidores para ativos mais seguros, como as Treasuries, enquanto o risco decorrente da guerra reduz o apetite por ações.
Assim, as chances de retomada dos IPOs no Brasil voltam a ser adiadas, talvez para o segundo trimestre – ou semestre – de 2024. Se confirmada essa previsão, o vácuo de novas ofertas iniciais no mercado doméstico se prolongará por quase três anos, criando um amplo estoque de empresas que querem abrir capital.
“É preciso olhar muito de perto o juro lá fora e aqui para se ter segurança de quando a oferta de ações será retomada”, ressalta o profissional citado acima, referindo-se também à possibilidade de a taxa Selic não cair para abaixo de 10%.
Tem follow-on todo mês
Ainda assim, muitas empresas já listadas na B3 estão optando em fazer uma oferta secundária de ações, o chamado follow-on. Levantamento da própria operadora da bolsa mostra que desde o início do ano já foram realizadas 18 operações deste tipo, que, juntas, movimentaram cerca de R$ 30 bilhões.
Os dados foram atualizados até setembro – portanto, antes do ataque terrorista do Hamas, no início de outubro. Porém, o primeiro follow-on deste ano ocorreu exatamente em março, mês em que o Federal Reserve elevou os juros americanos para a marca psicológica de 5%.
De lá para cá, ocorreu ao menos uma oferta secundária na B3 por mês. Junho foi o período em que houve o maior número dessas operações, totalizando cinco, seguindo por julho, com três. Já o mês de maio foi o que registrou o menor número de follow-on, com apenas um, da Smart Fit (SMFT3).
Setembro, por sua vez, chegou ao fim com três ofertas subsequentes. Delas, a que mais chamou a atenção do mercado foi a da antiga Via, que mudou de nome para Grupo Casas Bahia (BHIA3), em meio a um momento financeiro difícil.
Já neste mês de outubro, ao menos duas operações desse tipo foram anunciadas: da Ambipar (AMBP3) e da Metal Leve (LEVE3). Enquanto a primeira visa usar os recursos para desalavancagem e também para promover a expansão orgânica dos negócios; a fabricante de autopeças condicionou o follow-on a uma oferta primária para distribuição de dividendos.
Em outros casos, o caminho do follow-on pode ser para “engordar” o caixa, aumentar a liquidez do papel e até mesmo diante de uma necessidade de adequação aos covenants estabelecidos. “Quando se ultrapassa o limite da prudência, faz-se o follow-on”, comentou o executivo de uma empresa listada na B3 em um evento fechado para investidores.
Até quando?
Portanto, o follow-on acontece por razões distintas para cada empresa, demandando análises muito sofisticadas. Por isso, em tempos de maior incerteza, apenas em casos muito específicos faz sentido continuar com a operação para levantar recursos em condições mais adversas.
Do contrário, muitas acabam desistindo e aguardam a melhora do cenário ou um momento mais propício para ancorar na tese de aceleração do crescimento. Foi o caso da (PRNR3). Em comunicado recente, a companhia de serviços industriais afirmou que adiou a oferta secundária de ações devido à volatilidade do mercado.
O objetivo da empresa era captar recursos para custear novas aquisições. No entanto, a decisão de adiar não interrompeu os planos de expansão. Tanto que a Priner deve anunciar um levantar um financiamento bancário, de até R$ 100 milhões, no próximo mês.
“A empresa entrou em um dilema: tomar dinheiro no mercado de dívida e pagar caro ou aceitar o desconto [no preço da ação] com a oferta na bolsa”, explica o diretor de um banco citado acima.
Para ele, ao que tudo indica, a piora do ambiente internacional complicou as ofertas das empresas já listadas, que parecem estar ficando cada vez mais difíceis de serem emplacadas. Assim, pode ser que não apenas os IPOs, mas também os follow-on sejam adiados, minguando as operações em novembro e dezembro – salvo casos pontuais.
Ele conta que participou de uma oferta secundária recente e que foi difícil concluir o processo de bookbuilding (formação de preço). “Dependendo do preço que a empresa quer com o follow-on, não há espaço neste momento para uma venda de ações”, disse o profissional, que preferiu não ser identificado.
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