Desde que a pandemia deu as caras no Brasil, um tipo bem específico de investimento tem chamado atenção por ter “descolado” da forte queda da renda variável: os fundos com estratégia quantitativa ou sistemática. Com uso de inteligência artificial e uma extensa base de dados, eles têm conseguido identificar padrões para tentar “prever” o futuro do mercado e, assim, traçar estratégias que não dependam necessariamente do que acontece no resto do mundo.
De um total de 23 fundos multimercados que usam a estratégia quantitativa, 17 acumulam retorno positivo desde o estouro da pandemia da covid-19, segundo um levantamento feito pela Morningstar a pedido do InvestNews. A amostra considera o período entre 26 de fevereiro, dia do primeiro grande impacto da crise no país, e o dia 15 de outubro.
Enquanto o principal índice da bolsa, Ibovespa, acumulava queda de 12,87% no mesmo intervalo, estes fundos tiveram um recuo médio menor, de 7,72%, na mesma base de comparação. Alguns chegaram a subir mais de 14%, enquanto boa parte dos investimentos de risco ainda não se recuperaram do tombo sofrido, diante das incertezas econômicas e globais do pós-pandemia.
O que é a estratégia ‘quant’?
Os chamados fundos “quant” costumam usar algoritmos e uma enorme base de dados para explorar padrões de comportamento e ineficiências do mercado capazes de gerar oportunidades para investir. Funciona assim: softwares fazem o trabalho pesado após uma análise de profissionais especializados e vão montando posições dentro de uma carteira diversificada. Por combinarem várias classes de ativos, estes fundos costumam se enquadrar como multimercados – aqueles em que o gestor tem liberdade para investir como quiser e escolher qualquer ativo, desde ações, câmbio, juros, derivativos, até contratos no exterior.
A princípio, pode parecer que os fundos quantitativos são todos iguais, mas na verdade eles atuam com princípios tão diferentes que fica até difícil classificá-los dentro de um mesmo grupo. Tanto que, na Anbima, entidade que agrega os fundos do mercado de capitais, não possui uma subdivisão para eles.
Os dados processados pelos robôs não se limitam ao mundo dos investimentos. Vão desde análises sobre o cenário macro da economia até, por exemplo, estatísticas sobre eleições nos Estados Unidos, desastres climáticos, epidemias, campeonatos esportivos e bolhas financeiras. É neste ponto que as gestoras equiparam seus times não só com profissionais do mercado financeiro, mas também engenheiros e cientistas de dados.
PERFORMANCE DOS FUNDOS ‘QUANT’
Veja abaixo o levantamento do desempenho dos fundos com estratégia “quant” em 2020 e desde o início da pandemia, segundo dados fornecidos pela MorninStar:
Fundo | Retorno em setembro/2020 | Retorno em 2020 (até 15/10) | Retorno na pandemia (26/02 a 15/10) |
Kadima II FIC FIM | -1,08 | 4,68 | 2,34 |
Murano FIC FIM | -4,12 | -0,96 | 2,03 |
Zeitgeist Giant Zarathustra FIC FIM | -2,67 | 6,02 | 1,57 |
AF Aconcágua Quantitativo FIM | 0,30 | — | — |
Quantamental Hedge FIC FIM | -0,15 | 7,35 | 4,61 |
Kadima High Vol FIM | -1,79 | 6,50 | 2,41 |
Seival FGS Agressivo FIC FIM | -2,95 | 19,93 | 24,97 |
Trilha Pandhora Essencial FIC FIM | -0,78 | 3,51 | 1,15 |
Mauá Capital Machine-D FIM C Priv | -0,54 | 1,66 | 1,38 |
Kapitalo Gaia FIC FIM | -0,65 | — | — |
Canvas Vector FIC FIM | -0,73 | -5,17 | -10,36 |
Zeitgeist Giant Darius FIC FIM | -2,08 | 3,55 | 0,65 |
Safra Maxwell Macro FIC FIM | -1,10 | 4,45 | 2,22 |
Giant Sigma FIC FIM | -1,72 | 5,95 | 0,45 |
Claritas Quant FIC FIM | -0,60 | 3,57 | -1,16 |
Kadima LT FIM | -2,55 | 5,55 | 2,63 |
BB Quantitativo FIC FIA | -4,94 | -5,97 | -8,92 |
Constância Absoluto FIM | -0,84 | 3,12 | 1,25 |
Constância Fundamento FIA | -4,50 | -17,76 | -19,98 |
Quantitas Mallorca FIC FIM | -0,36 | 6,46 | 5,91 |
Quantitas Galápagos FIM | -0,01 | 16,42 | 14,78 |
NCH Maracanã FIA | -5,08 | -1,57 | -5,08 |
Smartquant FIM | 0,12 | 2,57 | 2,20 |
Modal Mais Seleção Quant FIM C Priv | -1,47 | — | — |
NCH Maracanã Long Short FIM | -3,32 | -9,44 | -12,21 |
ESH Samba Theta FIC FIM | -2,35 | 12,36 | 6,06 |
Média | -1,77 | 3,16 | 0,82 |
CDI | 0,16 | 2,36 | 1,73 |
Ibovespa (em R$) | -4,80 | -14,35 | -12,87 |
Fonte: MorningStar
Explorando a emoção e a razão
Para Pedro Simonetti, sócio da Giant Steps Capital – gestora com 10 anos de mercado focada em dados e inteligência artificial -, a melhor abordagem para explicar este tipo de fundo é que eles usam ferramentas tecnológicas como alicerces para montar e acelerar estratégias de investimentos. “Por exemplo, o volume de informação sobre o coronavírus é tão grande que chegou a um ponto de ter ficado impossível digerir tudo sem o auxílio da inteligência artificial. Ela ajuda a formar um cenário e ter uma ideia melhor do que se teria lendo duas ou três fontes de jornal”, exemplifica.
A Giant trabalha com dois pares de fundos com estratégias que, embora distintas, são vistas como complementares. Enquanto um deles explora momentos dominados pelas emoções do mercado (Zarathustra e Darius), o outro trabalha com a racionalidade (Sigma e Axius).
O Zarathustra FIC FIM, por exemplo, acumulava um retorno positivo de 6,02% entre janeiro e 15 de outubro de 2020 (o equivalente a 320% do CDI), e 1,57% no mês de setembro. O fundo se debruça sobre estudos históricos e bases de dados gigantes de até 100 anos atrás para estudar o comportamento de preços em diferentes cenários de mercado. Com esse olhar, ele opera por exemplo futuros de ações, moedas, commodities e juros.
Já o Darius FIC FIM segue a mesma linha, mas trabalha com menos risco. Ele acumulava um retorno de 3,55% até 15 de outubro (186% do CDI) e variação positiva de 0,65% em setembro.
O outro par de fundos da Giant (Sigma e Axius) explora uma lógica diferente: eles costumam ir bem quando os fundamentos e a racionalidade prevalecem no mercado. Para isso, monitorando mais de 5 mil ativos no mundo todo. “O Sigma escolhe a localização geográfica e determina quais ativos de fato e faz uma analise fundamentalista das empresas. Ele atribui e rankeia a melhor perspectiva em todos os lugares para onde olha”, explica
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Elemento humano e modelos matemáticos
No caso da gestora Kadima, 100% focada em estratégias quantitativas, o elemento humano entra só na etapa de desenvolver os modelos matemáticos e estatísticos. “Ele é importante para dizer para o fundo quando ele deve comprar e vender cada ativo”, explica o gestor Rodrigo Maranhão. A gestora está à frente do fundo Kadima Fic Fim, o mais antigo do Brasil na categoria,
Fundada em 2007, ela possui hoje oito fundos baseados em algoritmos, cada um com uma proposta diferente. “Alguns olham só para histórico de preço dos ativos para identificar tendências, outros olham para o balanço das empresas e tentam identificar características que fazem as ações performarem melhor ou não”, exemplifica Maranhão.
O ponto-chave, segundo ele, é tirar a parte de emoção humana do processo onde determinada regra já foi testada várias vezes e funcionou no longo prazo. Por esse motivo, o gestor acredita que a abordagem quantitativa é mais coerente para investidores com objetivos mais distantes, como os fundos previdenciários que usam essa estratégia, mas obedecem a riscos controlados. Por exemplo, o Icatu Kadima Fie Previdência Fic Fim CP aplica uma gestão ativa quantitativa, mas com as restrições típicas da previdência. Desde 2013 até o dia 20 de outubro, o fundo acumulou rentabilidade de 117%, o que equivale a 130% do CDI.
Maranhão defende que a estratégia quantitativa atende do investidor conservador ao mais agressivo, incluindo públicos que investem de R$ 500 até family offices, os clãs dos super ricos. Na visão do gestor, quem entra no fundo para ficar pouco tempo tem grandes chances de se frustrar. “Recomendamos não ficar só seis meses, já que o ideal seria esperar uma janela mínima de cinco anos, como recomendamos em carta”, explica o gestor.
Munidos de informação
No caso da Giant Steps, as ferramentas ‘quant’ são usadas para munir os gestores de informação, para que eles possam entender o comportamento dos ativos e como eles se relacionam entre si, como por exemplo quando os juros caem ou sobem ou quando o dólar está alto ou baixo. “O valor está em aliar o capital humano ao tecnológico”, resume Simonetti.
A grande diferença em relação a gestoras tradicionais é que a tese de investimentos fica dentro da cabeça do gestor. Já no modelo “quant”, o gestor coloca a ideia no papel e ela é testada. Ou seja, transforma uma equação matemática em um programa de computador, por exemplo, que vai testar a regra e aplicá-la em vários lugares do mundo.
Mesmo com máquinas por trás, não há regras que duram para sempre. Em um mundo em constante transformação e que surpreende com eventos atípicos como a pandemia do novo coronavírus, modelos que antes funcionavam perfeitamente bem no passado precisam ser aperfeiçoados ou até trocados ao longo do tempo, obrigando os gestores a mudarem os modelos aplicados. Na Giants, isso acontece umas cinco vezes por ano.
“As estratégias têm prazo de validade e isso vale para qualquer gestora, à medida que o mercado vai evoluindo e um modelo antigo perde eficiência. A ideia é sempre buscar novas ineficiências do mercado e ‘desligar’ o que vai deixando de funcionar”, descreve Simonetti. “Se tirarmos uma foto do fundo hoje e comparar há um ano, é completamente diferente”, acrescenta.
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