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Finanças

Nathalia Arcuri: ‘Não é verdade que o brasileiro não se importa’

Ao lançar série sobre impostos e política, empresária diz que ‘tocar na ferida’ tem preço, mas pretende gerar impacto social.

Após bater à porta de empresas, a influenciadora e empresária Nathalia Arcuri não conseguiu patrocínio para financiar sua nova série documental sobre impostos no Brasil. Mesmo assim, ela levou o projeto adiante. Sem poupar recursos próprios, envolveu uma equipe de cerca de 40 pessoas por pelo menos seis meses, a um custo aproximado de R$ 700 mil. Na noite desta segunda-feira (12), uma sala de cinema em São Paulo ficou lotada para a exibição do primeiro de quatro episódios de Os Caminhos do Dinheiro, lançado simultaneamente no YouTube.

Nathalia Arcuri/Divulgação

O objetivo do documentário, segundo Nathalia, foi usar o alcance de seu canal de educação financeira – hoje com mais de 7 milhões de inscritos só no YouTube – para gerar impacto social. Com a linguagem que a tornou conhecida, ela diz que pretende despertar o brasileiro para quanto ele paga em tributos, mas também para o baixo retorno em serviços como educação, saúde, moradia e saneamento básico.

Em entrevista, a fundadora do Me Poupe! conta que o principal obstáculo para vender cotas de patrocínio da série – modelo que vinha funcionando bem em produções anteriores – foi o espinhoso assunto da carga tributária. “Você está mexendo em vespeiro”, diz ter ouvido de empresários que, segundo ela, temem retaliações ao apoiar um projeto que sugere, por exemplo, uma revisão dos tributos. 

Ao InvestNews, Nathalia conta que a escolha de lançar o documentário em período de eleições não foi coincidência. Ela avalia que abordar um tema tão próximo da esfera política tem suas consequências. Para a próxima série do Me Poupe, a empresária cogita adotar o modelo de financiamento coletivo, para não depender de patrocínio.

Nathalia Arcuri
Nathalia Arcuri/Divulgação


“Minha convicção é que as pessoas saiam da série muito mais atentas e sintam no próprio bolso a consequência de não acompanhar seu político ou de não saber o que, de fato, está por trás daquela campanha, quais os planos de governo, não só dos presidentes, mas deputados, senadores, vereadores”, explica. 

“A gente acredita que quando a pessoa tem acesso a algum conhecimento ou conteúdo que ela entende, ela gosta. Não é verdade que o brasileiro não se importa. Essa é mais uma falácia que a gente tem que desmoronar”.

Confira a seguir a conversa com Nathalia Arcuri:

InvestNews – Seu foco sempre foi educação financeira para o público. Por que investir em uma série documental sobre impostos, um assunto tão complexo?

Nathalia Arcuri – Sempre acreditei no entretenimento como maneira de conseguir mudar o mindset coletivo de forma positiva. Eu precisava criar um conteúdo que gerasse identificação com o maior número de pessoas. Sempre apostei no entretenimento como maneira de traduzir coisas muito complexas, mas explicadas de um jeito simples.

Nessa evolução de empresa, de time e no momento do Brasil, a questão tributária começou a me pegar muito faz uns quatro anos. Como empresária, eu vejo que quanto mais você cresce, mais difícil fica. E para a população de baixa renda, tem aquelas tributações embutidas que ficam praticamente despercebidas no dia a dia. 

Já cheguei a falar sobre isso com o [ministro da Fazenda] Paulo Guedes em Davos [no Fórum Econômico Mundial]. As pessoas não são capazes de botar o dedo na ferida, entende que quanto mais pobre você é, mais imposto você paga, mesmo que de forma indireta. Se pegar itens básicos, seja alimentação, higiene, a cesta básica como um todo, a carga tributária intrínseca nesses elementos é muito assimétrica. A ideia do documentário era exigir que algo fosse feito, sem tomar partido ou lado político.

Nosso papel social é exigir que algo seja feito, mas sem cair no lugar de criminalizar o imposto. Tem muita coisa para corrigir (…). Falar mal dos políticos não funciona, então por que não falar com o contribuinte que nem sabe que é contribuinte?


Percebo, falando com todas as classes sociais, que as pessoas estão mesmo alienadas, não têm noção que fazem parte da política e que pagam imposto, acham que porque não pagam Imposto de Renda, não pagam imposto, o que não é verdade.

Basta olhar para a arrecadação do ano passado e deste ano para ver que o imposto sobre consumo é o que, de fato, movimentou o PIB do Brasil. E quem movimenta o consumo são as classes C e D.

InvestNews – A escolha de lançar o documentário em período de eleições foi proposital?

Nathalia – Sim. Pensamos nesse período para colocar no ar, justamente por ser período de eleição. A série foi planejada em janeiro, especificamente para essa fase e momento do Brasil. É uma forma também de falar sobre política de forma apartidária. Pegamos a Constituição, o que ela rege e garante de direitos básicos ao cidadão, a carga tributária de quanto é arrecadado e fizemos o conjunto dessas duas coisas.

Na verdade, estamos responsabilizando o cidadão, porque no fim são eles que escolhem. Quanto mais letárgica uma sociedade, menos conseguimos fazer mudanças substanciais. Obviamente, não temos a pretensão de quem vai votar em quem agora.

Nathalia Arcuri/Divulgação

Minha convicção é que as pessoas saiam da série muito mais atentas e sintam no próprio bolso a consequência de não acompanhar seu político ou de não saber o que, de fato, está por trás daquela campanha, quais os planos de governo. Não só dos presidentes, mas aqui falamos muito sobre deputados, senadores, vereadores. 

Quando a pessoa tem acesso a algum conhecimento ou conteúdo que ela entende, ela gosta. Não é verdade que o brasileiro não se importa. Essa é mais uma falácia que a gente tem que desmoronar. O brasileiro não gosta porque não entende. Em uma sociedade analfabeta funcional, feita para não pensar, você vai querer que a pessoa leia a Constituição? Ela nem tem acesso ao vocabulário que está ali. A gente precisa dar acesso de um jeito que ela consiga entender.

InvestNews – Qual foi o grau de dificuldade para traduzir em linguagem acessível o sistema tributário brasileiro?

Nathalia – A primeira coisa que ouvi quando eu disse que queria fazer essa série documental era que seria impossível fazer em seis meses, nesse nível, para falar de carga tributária. Eu disse que ia dar certo e que a gente ia conseguir. E deu. Pegamos uma equipe de quatro jornalistas, numa produção que envolveu cerca de 40 profissionais.

Ouvimos muitos especialistas e tributaristas. Tentamos ouvir todos os lados, porque sempre tem um viés quando você escuta alguém. Tem tributarista de direita, de esquerda, gente que defende o estado mínimo ou não.

“A grande diferença foi mudar a cara e a voz dos especialistas. Trouxemos majoritariamente mulheres e negros pra compor nossas fontes, porque senão manteríamos os mesmos vieses também por trás da tributação. E isso é muito triste de notar.” 


Quando você olha o peso da máquina pública no Brasil, nem é o país com mais funcionários. O problema é que é caro e devolve-se muito pouco. Essa é a diferença entre caro ou barato. Aqui, o que a gente paga e simplesmente não vale. Fizemos comparações com outros países, onde existe uma economia semelhante, do mesmo tamanho, com carga tributária semelhantes, mais uma devolução em benefícios para a sociedade em que existe um retorno. Queremos provocar as pessoas para que elas se sintam confortáveis para fazer mudança 

InvestNews – Você costuma trabalhar com cotas de patrocínio em suas produções. Por que dessa vez não conseguiu apoio?

Nathalia – Engraçado que os empresários que vieram falar sobre a série comentavam que era um projeto corajoso. Corajoso por quê? Ouvi que eu estava mexendo num vespeiro. Tentamos vender a série para várias empresas e ninguém quis.

Normalmente, a gente define o que vai fazer, cria-se um orçamento e as cotas comerciais e a gente já começa a produzir o documentário porque está habituado a vender. Mas dessa vez fizemos o mesmo, colocamos o dinheiro antes e pensamos: vai dar tudo certo, não vamos economizar, o Brasil merece.

Tirando o “custo Nathalia”, a produção foi de aproximadamente R$ 700 mil. A gente esperava arrecadar pelo menos R$ 1,3 milhão. Pra nossa surpresa, batemos um várias portas e as empresas tinham medo de ter dificuldades com o governo. Queriam saber se íamos apoiar a revisão da tributação. Medo de retaliação. 

Então esse é um projeto bancado pelo Me Poupe. Para a próxima temporada, estamos pensando num modelo de financiamento coletivo, colocar a galera pra fazer parte do projeto. Esse assumimos por nossa conta, porque entendo que esse investimento vai retornar não no curto, mas no médio e longo prazo, e não só pra gente, mas pra todo mundo.

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