Durante o ano de 2022, diversas empresas realizaram um processo conhecido como demissão em massa, especialmente nos Estados Unidos, e, aparentemente, esse é um fenômeno que deve continuar ocorrendo ainda em 2023.
Mas o que pode ser considerado demissão em massa?
Em janeiro, grandes empresas como Facebook (atual Meta), Amazon e Spotify, por exemplo, anunciaram um corte no quadro de funcionários, estendendo o movimento que iniciou-se no ano anterior com outras multinacionais também.
Por isso, o InvestNews preparou um guia para tirar suas dúvidas sobre esse processo e o que a lei diz sobre ele.
O que é demissão em massa?
Como o próprio nome diz, a demissão em massa refere-se à dispensa definitiva de um grande número de funcionários ao mesmo tempo.
Bianca Lys Mazo Cruz, advogada trabalhista da PG Advogados, explica que a demissão em massa, que pode ser também chamada de dispensa coletiva, representa essa demissão de várias pessoas, dos empregados da empresa, ao mesmo tempo, por um único motivo.
“Então, se algumas pessoas forem demitidas por outro motivo, ou seja, eles não forem iguais entre si, não pode ser considerado uma decisão em massa”, diz.
Caroline Marchi, sócia do departamento trabalhista do Machado Meyer advogados, esclarece que não há um regulamento específico sobre essa situação, e que o que temos, na verdade, é uma construção jurídica sobre os impactos da demissão em massa na sociedade.
No entanto, a lei não estabelece um número mínimo de desligamentos para que seja considerada demissão em massa. Não há, no momento, uma legislação que defina os parâmetros para isso.
Então o que diferencia a demissão em massa da demissão individual? Segundo Caroline, é a causa.
“A jurisprudência tem considerado como demissão em massa tudo aquilo que tem uma origem comum. Então por quê? Porque essas demissões não têm em sua razão questões individuais do empregado, mas sim uma situação comum que afeta a empresa e que faz com que ocorram essas demissões”, conta. De acordo com ela, a demissão em massa está muito mais calcada no motivo comum do que no número de empregados demitidos.
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Principais causas
Apesar de geralmente estar atrelada a dificuldades financeiras, os motivos que levam à demissão em massa podem ser muitos.
“Poderia ser desde uma terceirização de uma determinada área, um encerramento de uma determinada atividade dentro da empresa, uma questão econômica que tenha levado aquela empresa a ter que tomar essa decisão”, diz Caroline.
Nos últimos anos, a causa mais recorrente foi a pandemia da covid-19, que mexeu com a estrutura de muitas empresas.
Confira abaixo algumas das principais causas desse tipo de demissão:
- Crises financeiras;
- Redução de custos;
- Falência;
- Fusões;
- Falta de demanda.
Tipos de demissão em massa
Com a Reforma Trabalhista, a demissão em massa passou a ser vista da mesma forma que o desligamento individual, no entanto, um dos requisitos para ser considerada demissão em massa, seria o desligamento por um motivo comum.
Confira abaixo os tipos de demissão existentes:
- Demissão por justa causa: Como o próprio nome diz, no caso de demissão por justa causa, há um motivo para o desligamento e ocorre quando o trabalhador comete alguma ação prejudicial à empresa.
Essa modalidade de demissão possui 14 tipos, listados no artigo 482 e, em qualquer um deles, o funcionário perde o direito a diversos benefícios.
- Demissão sem justa causa: Nesse caso, a empresa apenas rescinde o contrato
sem que haja uma falta cometida pelo trabalhador e ele sai da companhia com todos os seus direitos garantidos.
- Demissão voluntária: Esse tipo de demissão é caracterizada pelo pedido de
desligamento vindo do próprio funcionário por desejo próprio.
Dessa forma, o trabalhador redige uma carta de demissão e entrega ao departamento de recursos humanos. Essa comunicação deve ser feita com 30 dias de antecedência, no mínimo, para que ele cumpra o aviso prévio.
Lembrando que o trabalhador deixa de ter os mesmos direitos que teria caso fosse demitido sem justa causa. Ele recebe o saldo de salário proporcional ao período trabalhado, férias vencidas (se houver) e férias proporcionais, ambas com um acréscimo de 1/3 de seus valores; além do 13º salário proporcional ao período trabalhado.
- Acordo entre as partes: Ocorre quando o colaborador quer ser demitido por
alguma razão, mas não é de interesse da empresa dispensá-lo, no entanto, não está previsto na CLT, apesar de ser uma prática comum no mercado de trabalho.
Aqui é realizado um acordo trabalhista em que ambas as partes combinam uma demissão sem justa causa com diferentes condições: o colaborador terá direito ao saque de seu FGTS, mas os 40% de indenização devem ser devolvidos à empresa, para que ela não seja prejudicada.
- Demissão consensual: Criada durante a reforma trabalhista de 2017, a demissão
consensual, mencionada pelo artigo 484-A da CLT, estabelece a legalização do comum acordo entre empresa e trabalhador mencionado anteriormente.
Aqui ele terá os seguintes direitos : ao valor de férias proporcionais; 13º salário proporcional; metade do valor referente ao aviso-prévio; 20% da indenização do FGTS e a possibilidade de movimentação de até 80% do saldo do FGTS.
Dessa maneira, ele abre mão do direito de receber o seguro-desemprego.
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O que diz a nova CLT
Após a Reforma, que desobriga a negociação com o sindicato, foi incluído na CLT o art. 477-A, que estabelece a igualdade entre desligamentos individuais e coletivos, a CLT equiparou essa demissão em massa a uma demissão individual e não é mais obrigatória a participação do sindicato. Isto é, as mesmas regras passaram a valer para ambos os tipos de demissão.
“As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação.”
Antes da Reforma Trabalhista em 2017, os Tribunais da Justiça do Trabalho consideravam necessário que a empresa entrasse em negociação com o Sindicato antes de realizar a demissão em massa, o que deixou de ser obrigatório.
No entanto, em meados de 2022, eles ganharam o direito de participarem das negociações, já que o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou imprescindível um acordo prévio entre essas entidades sindicais e as empresas, isso porque uma demissão em massa impacta tudo ao redor da empresa; comércio local, transporte, diversas famílias, não só a empresa em si e a vida individual de cada empregado.
“Então eles entenderam que mesmo que não seja obrigado, que não exista essa previsão na CLT, é bom que o sindicato participe, até para evitar problemas futuros”, diz Bianca.
“Intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para dispensa em massa de trabalhadores, que não se confunde com autorização prévia por parte da entidade sindical ou celebração de convenção, ou acordo coletivo”, disseram os ministros.
Caroline conta que o STF estabeleceu essa tese com repercussão geral, ou seja, que afeta a todos, que todos devem respeitar e seguir, que diz que a intervenção sindical prévia é uma exigência procedimental imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, que não surgiu dentro de um contexto da reforma trabalhista, mas sim de uma dispensa em massa que foi analisada referente aos empregados da Embraer em 2009, mas que já foi julgada dentro do contexto da reforma trabalhista. .
“Então o que que o STF pede? Ele diz o seguinte na fixação dessa tese: Olha, quando você vai fazer uma demissão em massa, você vai ter que envolver o sindicato. Ou seja, ele tem que ser comunicado, eu vou ter que ter uma intervenção sindical prévia, mas em linha com o novo artigo da CLT, em nenhum momento ela diz que o Sindicato tem que autorizar essas dispensas ou que eu sou obrigada a fazer um acordo, uma convenção coletiva referente a essas dispensas”, explica.
O que fazer ao ser parte de uma demissão em massa?
Primeiramente, é importante lembrar que, como mencionado, a demissão em massa ocorre por um motivo único e não tem a ver com o trabalhador em si.
Sobre o que diz a nova CLT, “A gente não tem uma legislação que proíbe que demissões sejam feitas ou que elas sejam justificadas, a não ser no caso de demissão por justa causa. Então aqui a gente tem essa situação”, explica Caroline.
O trabalhador deve apenas certificar-se de que terá seus direitos respeitados e receba todos os valores os quais a empresa deve a ele.
Confira quais são eles no tópico a seguir.
Além disso, o trabalhador deve buscar sua recolocação profissional no mercado.
Quais são os direitos do trabalhador?
O trabalhador que foi desligado durante uma demissão em massa possui os mesmos direitos que o demitido individualmente sem justa causa:
- Saldo de salários (valor proporcional aos dias trabalhados aos quais tem a receber);
- Décimo terceiro salário proporcional aos meses trabalhados;
- Férias proporcionais aos meses trabalhados;
- 1/3 de férias;
- Aviso prévio, caso o funcionário trabalhe o mês do aviso.
- Indenização de 40%, calculada sobre o total dos depósitos realizados na conta do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) durante o tempo de trabalho
- Liberação das guias para saque do FGTS e do seguro desemprego
Além disso, no caso de o colaborador demitido em massa ter banco de horas positivo, a empresa deve realizar o pagamento das horas excedentes na rescisão contratual.
No caso de banco negativo, nenhum desconto pode ser feito pela empresa.
Lembrando que, mesmo em caso de demissão em massa, a companhia não pode demitir os seguintes tipos de funcionário:
- Pessoas que sofreram acidente de trabalho;
- Pessoas que possuem doença ocupacional;
- Gestantes;
- Mulheres que sofreram aborto espontâneo;
- Integrantes da CIPA;
- Funcionário em pré-aposentadoria (faltando de 12 a 24 meses).
Casos famosos de demissão em massa
Imagem de Pixelkult por Pixabay
A Meta (FBOK34), dona do Facebook, Instagram e Whatsapp, divulgou no dia 14 de março que planeja um corte de quase 10 mil postos de trabalho nos próximos meses em meio a esse “período de incerteza”.
Em novembro de 2022, a big tech já havia anunciado a demissão em massa de cerca de 11 mil pessoas, correspondente de 13% do quadro de funcionários, maior corte da história da empresa.
Quinto Andar
Na onda de desligamentos que ocorreram em 2022, o Quinto Andar, empresa de aluguel e venda de imóveis, também realizou em uma demissão em massa e cortou, segundo fala da empresa ao jornal Estado de S. Paulo, 4% de seu quadro, de 4 mil funcionários de diversos setores, pouco tempo após patrocínio milionário no reality BBB.
O Quinto Andar afirmou que as demissões em abril do ano passado ocorreram por motivo de reorganização interna.
Petrobras
Durante a pandemia da covid-19, surgiram rumores de uma possível demissão em massa na Petrobras, no entanto, o presidente da Petrobras (PETR4) na época, Roberto Castello Branco, afirmou não ser verdade.
Apesar disso, a estatal já passou por maus bocados. Após a Lava Jato, estima-se que a empresa tenha demitido cerca de 170 mil funcionários, 61% da equipe na época.
Segundo publicação do jornal norte-americano “The New York Times” no dia 27 de fevereiro de 2023, o Twitter realizou uma nova demissão em massa, no total de 200 funcionários. O número representa 10% do total, que antes de Elon Musk era composto por cerca de 7.500 pessoas.
A redução do quadro iniciou-se em 2022, com a demissão em massa de milhares de colaboradores pouco após a compra da empresa pelo fundador da Tesla.
Seguindo a tendência de outras gigantes da tecnologia, no início de 2023 a Alphabet (GOGL34), dona do Google, decidiu realizar a demissão em massa de 6% de seu quadro de colaboradores, segundo a Reuters, representando cerca de 12 mil postos de trabalho.
Segundo e-mail enviado pelo CEO da Alphabet, Sundar Pichai, as demissões ocorrem devido a “uma realidade econômica distinta, que enfrentamos hoje”.
Amazon
Com diversos desligamentos anunciados em 2022, a big tech Amazon (AMZO34) anunciou uma nova demissão em massa este ano, com um corte de 6% do seu quadro de funcionários, o que representa cerca de mais de 18 mil funcionários.
O CEO da Amazon, Andy Jassy, publicou um comunicado sobre a “a difícil decisão de eliminar mais empregos” e informou que “a revisão deste ano foi mais difícil devido à economia incerta e ao grande e repentino número de contratações nos últimos anos”.
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