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Recuperação judicial: o que é e quem pode pedir

Para evitar entrar em falência, uma empresa pode entrar com o pedido de recuperação, no entanto, apenas ter um CNPJ não garante o direito ao processo.

recuperação judicial

Recuperação judicial é um termo usado para definir o processo pelo qual a empresa passa para evitar sua total quebra ao entrar em uma crise financeira. Ele geralmente é associado à falência, mas as palavras não são sinônimas. 

O termo fica em evidência quando uma grande empresa entra com processo de recuperação na Justiça. No Brasil, empresas como Americanas, Gol, Oi e Coteminas entraram com pedido de recuperação judicial.

Neste texto vamos explicar os motivos que levam uma empresa a entrar com pedido de recuperação judicial, como isso afeta os investidores e as diferenças em relação à falência.

O que é recuperação judicial?

Segundo especialistas em advocacia empresarial, basicamente, o objetivo da recuperação judicial é, de forma coordenada, buscar o erguimento da empresa mediante a aprovação e, posterior implementação, de um plano de recuperação judicial que justamente vai englobar todos os créditos que são os devidos pela empresa até a data do seu pedido.

De forma simplificada, ela busca evitar a falência de uma empresa durante uma crise financeira. Ou seja, impedir que ela quebre, não só para benefício dos sócios, mas também dos trabalhadores, fornecedores, clientes e outros que tenham alguma ligação com a companhia.

Isso se deve ao fato de que, nesse processo, a empresa recebe permissão para suspender e renegociar parte de suas dívidas com seus credores (aqueles a quem ela deve algum pagamento) durante a crise financeira, podendo evitar o encerramento de suas atividades e viabilizando a preservação dos empregos.

Como o próprio nome diz, ela se baseia em um plano de recuperação da empresa, intermediado pela Justiça. A companhia monta uma estratégia e as instituições negociam a quitação das dívidas.

Por que as empresas entram com pedido de recuperação judicial?

De acordo com os advogados empresariais, o ponto principal da recuperação judicial é permitir a organização e reestruturação sistematizada evitando execuções individuais e a dilapidação do patrimônio, então há a supervisão de um AJ (administrador judicial), do próprio juiz, e existem algumas restrições ao devedor para oneração e a alienação de ativos. 

Isso permite que a empresa devedora, apesar de ficar sob o regime de fiscalização e ter algumas restrições, ganhe o chamado ‘stay period’, a suspensão de ações e execuções pelo prazo de 180 dias contra as empresas sujeitas à recuperação judicial.

O processo de recuperação judicial é feito justamente para evitar uma corrida de credores – ou seja, que os credores, de forma individual e desordenada busquem reaver os seus créditos, cobrar as suas dívidas contra a empresa. Então existe uma coordenação e uma organização de todo esse processo para que credores de diversas naturezas, de diversas classes estejam todos sujeitos a esse procedimento. 

Além disso, serve como instrumento de defesa dos interesses econômicos da sociedade como um todo, já que a falência de uma empresa afeta tanto seus empregados quanto outros membros da cadeia produtiva.

Por meio da recuperação judicial é possível para a Justiça analisar se determinada companhia acumulou dívidas de má fé.

Diferença de recuperação judicial e falência

A recuperação judicial é justamente o processo que permite que a empresa possa se reerguer. A ideia fundamental é a continuidade das atividades.

Durante a recuperação judicial a empresa continua operando, como via de regra, ao passo que a falência é a extinção da empresa, uma liquidação organizada de ativos para pagamento dos credores. 

E, naturalmente, dada essa distinção, a lei indica uma série de proteções e uma série de procedimentos específicos tanto para um lado quanto para o outro, seja em relação à ordem de pagamento dos credores, seja em relação a um eventual pedido de restituição e assim por diante.

Quando cabe pedido de recuperação judicial?

O pedido de recuperação cabe quando a empresa se encontra em uma situação econômico-financeira de dificuldade. Então, se ela está passando por uma crise, mas que será passageira, é cabível dar a entrada. 

A lei brasileira não exige um momento correto, isso depende um pouco da percepção da administração da própria companhia, que aprova o pedido de acordo com as regras societárias internas e o ajuizamento do pedido judicial.

Quem pode pedir recuperação judicial?

Especialistas apontam que há rigor com relação a quem pode fazer o pedido. Não basta apenas ter um CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica).

Primeiramente, apenas a empresa devedora poderá dar entrada no pedido de recuperação judicial.

As únicas entidades devedoras que podem ajuizar recuperação judicial são apenas as sociedades empresárias, então, sociedades limitadas, microempresas ou sociedades anônimas. 

Além disso, entre as pessoas físicas, o produtor rural é o único que pode entrar com o pedido.

Quais entidades não podem solicitar?

Segundo a Lei 11.101, referente à recuperação judicial, à recuperação extrajudicial e à falência do empresário e da sociedade empresária, no futuro referidos simplesmente como devedor, ela não se aplica a:

  • Empresa pública;
  • Sociedade de economia mista;
  • Instituição financeira pública ou privada;
  • Cooperativa de crédito;
  • Consórcio;
  • Entidade de previdência complementar; 
  • Sociedade operadora de plano de assistência à saúde;
  • Sociedade seguradora;
  • Sociedade de capitalização;
  • Outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.

Requisitos Necessários para solicitar a recuperação

De acordo com a Lei 11.101, “poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente”:

I – Não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes;

II – Não ter, há menos de 5 anos, obtido concessão de recuperação judicial;

III – Não ter, há menos de 5 anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V; (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014)

IV – Não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.

Como solicitar recuperação judicial?

Se enquadrando no tipo de empresa que pode solicitar a recuperação judicial e satisfazendo os requisitos citados acima, a devedora precisa, juntamente com seu advogado:

  •  Dar entrada no pedido à justiça, utilizando os documentos a serem mencionados mais abaixo, junto a uma Vara de Falências.
  • Caso o pedido seja deferido, isto é, aceito, o juiz estabelece o ‘stay period’, que é a suspensão dos processos referentes às obrigações de pagamento da empresa devedora por 180 dias, como mencionado anteriormente.
  • Nesse período é designado um AJ, o administrador judicial, que ficará responsável por acompanhar e fiscalizar o processo, e fazer a comunicação com os credores. 

Segundo a Lei 11.101/2005, a função deve ser exercida por profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada.

  • A empresa tem um prazo de até 60 dias para apresentar um plano detalhado com a proposta para a negociação de suas dívidas e como planeja colocá-la em prática. As negociações podem envolver o abatimento das dívidas, o seu parcelamento ou até um prazo de carência para começar a pagar seus credores.
  • Após a elaboração do plano, há uma espécie de votação entre os credores. A proposta é apresentada a eles, que possuem até 30 dias para apresentar objeções a ela e, caso isso ocorra, é criada uma assembleia para reavaliar as opções.

A cargo de exceção, o juiz pode aprovar o plano, mesmo que não haja um consenso na assembleia.

Se o plano for aprovado, a empresa inicia a sua execução e deve seguí-lo à risca, pois, caso não o faça, os credores podem solicitar a falência.

Seguindo todas as diretrizes conforme aprovado, o processo da recuperação é encerrado pela justiça em 2 anos, teoricamente, mas pode perdurar por mais tempo, dependendo da autorização judicial.

No caso de a proposta ser rejeitada, é decretada a falência da devedora, suas atividades são encerradas e seus bens, leiloados. Nesse caso, o pagamento dos credores é feito por ordem de preferência.

Quais documentos são obrigatórios

A lei impõe uma série de documentos que devem instruir este pedido de recuperação judicial, que, segundo advogados ouvidos pelo InvestNews, nada mais são do que:

  • a exposição das causas concretas da situação patrimonial e das razões da crise;
  • a demonstração contábil dos últimos três anos; o balanço patrimonial;
  • a demonstração de resultados acumulados;
  • a demonstração de resultado desde o último exercício;
  • o relatório gerencial de fluxo de caixa;
  • a descrição das empresas que estão ajuizando o pedido de recuperação judicial, ou da empresa, individualmente considerada;
  • a relação integral dos empregados; a relação nominal de credores;
  • a certidão de regularidade no registro público de empresas;
  • a relação de bens particulares dos sócios controladores e dos administradores;
  • os extratos atualizados das contas bancárias e as certidões de cartório de cartórios de protestos situados na comarca do domicílio da empresa devedora. 

Essa é uma lista taxativa que está prevista no artigo 51 da Lei 11.101, que é a lei de recuperações judiciais e falências aqui no Brasil. 

Como ficam as dívidas em caso de recuperação judicial?

O crédito (valor a ser pago) tem que ser constituído até a data do pedido de recuperação judicial, ainda que ele não esteja vencido, e vai se sujeitar aos efeitos da recuperação judicial, aos termos e condições do plano. 

Esse crédito será novado (que é o processo de converter uma dívida ou contrato em outro, já que os termos da dívida e pagamento podem ser reformulados) e pago nos termos e condições do plano de recuperação aprovado. 

Lembrando que os créditos que são posteriores ao pedido de recuperação judicial têm que ser pagos normalmente. 

Além disso, a lei indica alguns créditos que estão fora do processo recuperacional, que basicamente são créditos fiscais, créditos garantidos por garantia fiduciária, créditos de arrendamento mercantil e de outras operações cuja titularidade do ativo ou do bem não seja da companhia recuperanda e sim do seu credor. 

Os contratos de adiantamento também não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial. Isso é muito comum, por exemplo, em empresas que trabalham com muita exportação e importação. Esses contratos, que são denominados ACCs (adiantamento a contrato de câmbio), também não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial. 

Em outras palavras, significa que esses créditos serão cobrados, exigidos, e devem ser pagos nos seus termos e condições originais. Ou seja, eles não são sujeitos a possíveis descontos, a uma nova correção ou a uma nova forma de juros e acabam seguindo a sua vida natural, tal como se não existisse um processo de recuperação judicial.

Como cobrar uma empresa em recuperação judicial

No caso da recuperação judicial e da falência, existe uma ordem de prioridade na hora do pagamento, de acordo com a origem da dívida.

O artigo 83 da Lei 11.101, estabelece a seguinte ordem:

  1. Os créditos trabalhistas, limitados a 150 salários-mínimos por credor, ou decorrentes de acidentes de trabalho; 
  1. Os créditos com direito real de garantia até o limite do valor do bem gravado (quando um bem é dado como garantia);  
  1. Os créditos tributários, independentemente da sua natureza e do tempo de constituição (como impostos); 
  1. Demais créditos.

Dessa forma, os trabalhadores e o governo possuem uma posição privilegiada na ordem de pagamento.

Além disso, os pagamentos são feitos com base no plano de recuperação da empresa. Há uma lista com todos os credores, forma e valor de pagamento.

Neste plano de pagamento, o credor deve verificar seu crédito e confirmar as informações. Caso haja algum erro, será necessário entrar em contato com o administrador judicial da empresa, nomeado no processo de recuperação judicial, e requisitar a inclusão do crédito ou correção do valor, qualquer que seja o caso. 

Basicamente, o credor deve acompanhar e aguardar o andamento da recuperação, visto que durante sua ocorrência o processo de execução deixa de existir e o credor deve ser pago juntamente com os demais (com exceção daqueles já mencionados no tópico anterior, os quais não se sujeitam à recuperação judicial). Nesse caso, os créditos podem ser cobrados normalmente.

Em quanto tempo a empresa deve quitar as dívidas?

Segundo os especialistas consultados, não há um prazo legal para que esse pagamento seja feito. Isso é algo que vai ser previsto no próprio plano de recuperação judicial, que pode prever, basicamente, de forma livre, taxas de desconto, alongamento da dívida, carência, carência para pagamento de juros, carência para pagamento de principal e assim por diante. 

No entanto, créditos de natureza trabalhista, pela lei, devem ser quitados de forma integral em até um ano da data da homologação do plano. Contudo, tem sido algo recorrente uma flexibilização desse prazo, caso a situação em si não permita que esse pagamento seja feito. 

Então existem casos diversos em que esse prazo acabou sendo alongado para que a empresa conseguisse pagar de forma organizada e, naturalmente, isso também não quer dizer que o credor trabalhista vai receber o seu valor de forma integral. Ele também pode estar sujeito a determinados descontos e a determinadas carências, por exemplo. 

Isso é algo que será definido no contexto do plano de recuperação judicial aprovado. 

Exemplos de empresas que solicitaram recuperação judicial

Confira abaixo as maiores recuperações judiciais no Brasil:

  1. Odebrecht
  2. Oi (OIBR3)
  3. Samarco
  4. Americanas (AMER3)
  5. Sete Brasil
  6. Light
  7. Coteminas

Oi

A operadora de telefonia Oi entrou com seu primeiro pedido de recuperação em 2016, com um acúmulo de dívidas no valor de R$ 65,4 bilhões. Em 1 de março de 2023, após 6 anos no processo de recuperação judicial, concluídos no final de 2022, a companhia entrou com um novo pedido.

Americanas

Outra empresa que surgiu como um dos assuntos mais comentados no início de 2023 foi a Americanas.  Após anunciar uma inconsistência contábil de R$ 20 bilhões em seu balanço, a companhia deu entrada no pedido de recuperação judicial, entrando para o ranking das maiores recuperações judiciais realizadas no país. 

Samarco 

Também no pódio das maiores recuperações da história, a Samarco acumulou dívidas no valor de R$ 50 bilhões. A mineradora responsável pela tragédia em Mariana (MG) ajuizou seu pedido de recuperação em 2021 e o processo segue em andamento.

Odebrecht 

Considerado o maior caso de recuperação judicial no Brasil até hoje, a Odebrecht, atualmente Novonor, acumulou dívidas no total de R$ 98,5 bilhões e solicitou a recuperação judicial em 2019. O processo ainda está em andamento.

Sete Brasil

Com uma dívida de R$ 19,3 bilhões, a Sete Brasil, empresa criada para viabilizar a construção das sondas do pré-sal no Brasil, em junho de 2016 entrou em recuperação judicial. Entre os acionistas, estava a Petrobras (PETR3 e PETR4). O processo ocorre até hoje.

Light

A Light entrou em processo de recuperação judicial em 2023. O plano para renegociar dívidas, na ordem de R$ 11 bilhões, foi aprovado em 2024.

No plano, a companhia busca aporte de recursos para aumento de capital, capitalização de créditos por títulos conversíveis e não conversíveis e pagamento integral de credores com créditos de até R$ 30 mil.

Coteminas

A Coteminas apresentou, em maio de 2024, seu pedido de recuperação judicial. Parceiro da varejista chinesa Shein no Brasil, o grupo têxtil tem dívida líquida estimada de R$ 1,1 bilhão.

Como a recuperação judicial pode afetar o investidor

De fato, num primeiro momento, o processo de recuperação judicial naturalmente tem uma conotação de insolvência (na qual a empresa não consegue cumprir as suas obrigações). 

A empresa só busca essa solução caso ela não tenha condições financeiras de cumprir com todas as suas dívidas e as suas obrigações financeiras, então existe uma percepção que o risco de crédito que esses investidores possuem acaba sendo bastante aumentado dada a incerteza que essa que paira sobre essa empresa em recuperação.

Por outro lado, dentro da lei de recuperação e insolvência há uma série de proteções para que investidores possam adquirir ativos de uma empresa em recuperação judicial, sem que recaia sobre eles uma série de riscos de sucessão, explicam os especialistas consultados.

Mas, durante esse período, as ações da companhia e quaisquer rendimentos provenientes desses ativos, como possíveis dividendos, sofrem impacto significativo.

Idean Alves, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos, aponta que “para os investidores, a recuperação judicial representa um grande período de incerteza, em que a empresa ‘para’ de gerar valor para o acionista e foca no pagamento das dívidas até conseguir sair do processo de recuperação, o que na prática representa perda de dinheiro no tempo, e se tudo der certo ela volta a operar em condições normais”.

“Se não, vai à falência e literalmente o investidor passa a ser o último da fila para receber se sobrar patrimônio. O chamado ‘credor quirografário’”, complementa.

Credor quirografário é aquele que não possui prioridade ou um direito real de garantia de seu pagamento.

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