O ano que começou com desconfiança do mercado e terminou com máxima histórica – mesmo em meio aos juros em queda que, via de regra, tornam a renda variável menos atrativa. Assim foi 2023 para o Ibovespa, principal indicador da bolsa de valores brasileira, a B3.
Nesta quinta-feira (14), o índice fechou em 130.842 pontos, maior nível já registrado pelo indicador, levando a alta acumulada no ano para acima dos 19%. Considerando o ajuste pela inflação, no entanto, o avanço é de 14%. Por essa base de comparação, a máxima do Ibovespa foi atingida em 2008, segundo levantamento do especialista Einar Rivero.
O avanço ocorreu em meio a um baixo volume de negociação. O volume financeiro diário médio foi de aproximadamente R$ 20 bilhões até 14 de dezembro, o mais baixo desde 2019, ainda segundo Rivero.
De qualquer forma, a máxima histórica nominal é um marco importante, especialmente em um ano que começou num cenário de incertezas fiscais “que já vinham principalmente antes do início do governo, com as informações que a gente tinha da PEC de transição, com expectativa de gasto ainda maior e aumento da dívida pública”, como lembra Vinicius Moura, economista e sócio da Matriz Capital.
Ainda no cenário interno, o primeiro trimestre foi movimentado também por uma relação conflituosa entre o governo Lula e a direção do Banco Central, “com uma pressão forte para que a taxa Selic começasse a trajetória do ciclo de queda”, comenta Bruno Mori, economista e sócio fundador da consultoria Sarfin.
Nesse cenário, o Ibovespa chegou à mínima dos 97 mil pontos em março, de olho também nas perspectivas de juros altos nos Estados Unidos, o que torna mercados emergentes como o Brasil menos atrativos para investidores.
Mas, a partir de então, as incertezas internas começaram a ser dissipadas em meio às negociações sobre o arcabouço fiscal e a reforma tributária, que seriam aprovadas posteriormente, animando o mercado.
“A gente teve um ingresso de recursos estrangeiros muito forte, que levou a alta do Iibovespa”, destaca Moura, acrescentando ainda que a Selic também ajudou, já que “os agentes entenderam que a gente se antecipou no ciclo do aumento dos juros, e isso nos beneficiou como um país emergente pela entrada de capital estrangeiro, trouxe realmente um suspiro para a bolsa brasileira”.
Olho lá fora também
Do cenário externo, o ano foi de temores sobre a economia da China, com sinais de desaceleração preocupando mercados de países exportadores de commodities, como o Brasil.
Enquanto isso, nos Estados Unidos a política monetária deu o tom, com dados mistos ao longo do ano alterando sequencialmente as projeções sobre os passos do Federal Reserve (Fed). Na reta final do ano, porém, ganhou força a expectativa de que as taxas devem começar a cair nos próximos meses, o que ajudou a impulsionar o Ibovespa.
Essa leitura beneficiou os índices acionários de diversos países. Em uma lista com 15 indicadores que estão entre os principais mercados, 13 caminham para fechar o ano em alta. O maior destaque é o Nasdaq, que reúne as ações das empresas de tecnologia de Wall Street. Até o dia 14, o avanço no ano se acumulava em mais de 40%.
Ainda entre os destaques de alta, o Merval, indicador da bolsa da Argentina, é um caso à parte, com disparada de quase 400% no mesmo período. A forte volatilidade é uma peculiaridade do mercado financeiro do país, mas em 2023 isso foi ainda mais intenso por causa das eleições, que terminaram com a vitória do candidato de direita Javier Milei.
“A chegada dele à presidência oferece ao país uma guinada em um modelo econômico e político que não estava funcionando”, disse em nota o economista Volnei Eyng, CEO da Multiplike. Mas ele ressalta que a boa expectativa não é suficiente. “Em um país cuja inflação está em 140% ao ano, certamente alguma coisa está errada. A Argentina precisa de um choque e de um novo viés.”
Já entre os destaques de baixa no mercado de ações ficou a China e seu índice CSI300, que reúne as maiores companhias listadas em Xangai e Shenzhen. Enquanto os principais indicadores de Américas e Europa têm alta em 2023 até agora, o índice asiático acumula perdas de 13%.
O ano trouxe uma sequência de dados decepcionantes sobre a economia chinesa, levantando dúvidas sobre a capacidade do país de manter o vigor no crescimento. Numa das divulgações mais recentes, números mostraram que os novos empréstimos bancários na China aumentaram menos do que o esperado em novembro, mesmo com as tentativas de estímulo do banco central.
Ações do Ibovespa: os destaques do ano
Voltando para o Brasil, a ação da Yduqs (YDUQ3) ocupa o primeiro lugar na lista das ações que mais se valorizaram no ano até agora. A alta até o dia 14 chegava a 149%, em um movimento que já se desenhava desde a primeira metade do ano.
Um dos principais motivos para esse avanço, segundo especialistas, foi a perspectiva de incentivos ao setor pela troca de governo, como comentou em maio Caritisa Moreira, analista da VG Research, em maio.
Ela apontou que, desde a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, “a ação da Yduqs foi uma das primeiras a reagir positivamente, subindo mais de 10% com a notícia de criação de grupo para avaliar o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e a destinação de recursos para o Programa, por exemplo”.
Já na pior colocação até o momento está o papel do Grupo Casas Bahia (BHIA3), com perdas acumuladas em quase 80% até agora. Em um ano difícil para ações do varejo, a situação desta empresa foi particularmente difícil, com o mercado preocupado com a capacidade da companhia em levantar recursos para reverter a situação do endividamento, considerada preocupante.
Houve ainda a troca de nome de Via para Grupo Casas Bahia, em uma tentativa de virar o jogo enquanto a desconfiança do mercado aumentava diante da piora dos resultados, rebaixamento de classificação de risco e fracasso de um follow-on que captou menos recursos que o esperado.
Papéis de peso em direções opostas
As duas ações com maior volume de negociações na bolsa brasileira em 2023 puxaram o Ibovespa em direções opostas ao longo dos meses: enquanto a Vale (VALE), principal peso na composição do índice, caminha para fechar o ano em queda de quase 9%, a ação preferencial da Petrobras (PETR4) disparava mais de 84% até o dia 14 de dezembro.
Vale tem sido fortemente afetada por perspectivas sobre a economia chinesa, com dúvidas da demanda por minério de ferro no principal mercado do mundo. Ainda assim, a ação segue na lista de recomendações de diversos analistas do mercado. Em um levantamento com 13 casas feito pela ferramenta Valor Pro, há 10 recomendações de compra, incluindo Santander, Ágora, Empiricus e Itaú BBA.
“Considerando que a dinâmica para o minério de ferro sustenta os preços dentro do patamar atual, a Vale consegue operar com um bom nível de rentabilidade, proporcionando uma geração de caixa robusta, e consequentemente dividendos para os acionistas”, disse em relatório recente o analista Fabiano Vaz, da Nord Research.
Mas, considerando as ações mais negociadas da bolsa brasileira, a queda da Vale foi movimento destoante. Na lista dos 10 papéis mais líquidos, além de Vale, somente Magazine Luiza (MGLU3) acumula queda em 2023 até agora, em baixa de mais de 11% (em mais um exemplo das dificuldades para o varejo).
Enquanto isso, bancões como Itaú (ITUB4), Bradesco (BBDC4) e Banco do Brasil (BBAS3) ostentam retorno positivo, embora não comparado à disparada da Petrobras. O papel da petroleira sobe mesmo diante de uma queda acumulada em 10%, aproximadamente, da cotação do Brent.
Em um ano marcado por mudança na política de preços e notícias como a parceria com a Weg (WEGE3) na área de energia renovável, especialistas creditam o avanço especialmente ao alívio de temores sobre interferência política.
“A gente teve uma incerteza muito grande no final de 2022, com expectativa de manipulação dos preços, e houve então uma debandada desse papel. Mas não teve intervenção do governo na política de preços nem de dividendos, e isso acabou dando espaço para que a empresa performasse num resultado muito positivo”, comenta Vinicius Moura, da Matriz Capital.