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Empresas familiares lideram práticas ESG em 2020, aponta Credit Suisse

Enquanto companhias de capital aberto entram na corrida por atrair o olhar dos investidores, empresas familiares trabalham há décadas com estes valores mas com conflitos na comunicação

ESG

Um estudo feito pelo banco suíço Credit Suisse revelou que empresas familiares globais apresentaram um desempenho superior em práticas ESG (Environmental, Social and Governance), em 2020, do que outras companhias de capital aberto.

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O levantamento Family 1000 destacou que empresas controladas pela família ou o fundador lideram quando o assunto são os pilares ambiental (E) e social (S). Contudo, ainda escorregam quando o assunto é governança corporativa, perdendo para companhias não-familiares.

“Isso fortalece a crença dos investidores de que um acionista minoritário pode ter problemas para exercer seus direitos quando a empresa é familiar”, aponta o Credit Suisse no estudo.

O estudo também mostra que existe uma tendência nas empresas familiares de fortalecer as práticas socioambientais. O movimento não é recente. Nos últimos cinco anos, houve um crescimento consistente destes pilares nas companhias.

No ranking, as empresas familiares europeias lideram sobre as americanas e asiáticas, com força na pauta socioambiental. Mas quando o assunto é governança, são as empresas asiáticas que despontam.

Outro fator revelado pelo ranking é que ESG não é assunto apenas de empresas jovens e disruptivas. O levantamento comprovou que empresas familiares antigas, aquelas que estão na terceira geração, são as que apresentam as melhores praticas, enquanto companhias jovens ainda estão progredindo no seu desempenho.

Segundo o banco, o fato de companhias antigas terem processos mais estabelecidos permite que foquem em áreas de negócios que não estão intrinsecamente relacionadas à produção. Para o Credit Suisse, estas áreas são relevantes para manter a sustentabilidade da empresa além da governança.

Olhar local

O Credit Suisse fez um ranking das companhias melhor posicionadas de acordo com os critérios globais de ESG score. Entre os requisitos para as empresas figurar no ranking estavam:

  • Ser uma companhia de capital aberto
  • O fundador ou sua família deve ter pelo menos 20% do capital social da empresa
  • O fundador ou sua família devem controlar ao menos 20% dos direitos de voto da companhia

Seguindo estes critérios, apenas 6% de um total de 1061 companhias são da América Latina. Neste grupo apenas duas companhias são brasileiras e foram bem classificadas no ESG. É o caso de MRV (MRVE3) e SulAmérica (SULA11).

Para Antônio Carlos Moraes, especialista em governança e sucessão, a MRV é uma das companhias familiares mais sólidas do Brasil, que surfou na onda do boom imobiliário da classe C. E foi um dos herdeiros, Rubens Menin, que fundou também o banco Inter.

“A MRV nasceu de uma família de Minas Gerais, onde dois filhos homens participam ativamente da gestão das companhias enquanto a filha mulher está presente no conselho de administração”, explica Moraes.

Na SulAmerica, ele destaca que o movimento foi um pouco diferente, profissionalizando a gestão da companhia. Enquanto na MRV ainda há familiares na gestão da empresa, na SulAmerica nenhum membro da família participa da gestão, mas todos estão presentes no Conselho como acionistas. “Quando uma empresa familiar alcança este nível de maturidade, significa que profissionalizou a gestão dela”, aponta.

O case MRV

Quando o assunto é a pauta socioambiental, Raphael Lafetá, diretor-executivo de Relações Institucionais e Sustentabilidade da MRV está confiante. Para ele o boom do ESG no mercado financeiro não fez as coisas mudarem, pois os valores socioambientais estavam presentes na construtora desde a sua fundação. “Em 2011, a MRV já preparava relatórios de sustentabilidade, os valores ESG eram compartilhados com nossos skateholders”, afirma.

Nos últimos quatro anos a MRV esteve presente no Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3 e foi a única companhia a permanecer em todo o período. Entre as suas principais bandeiras está levar energia fotovoltaica à população de baixa renda, por meio do projeto Minha Casa Minha Vida. Lafetá garante que mesmo no Casa Verde Amarela nada muda.

Paneis solares são instalados nos telhados dos prédios econômicos transformando energia solar em elétrica. No final do mês, esta energia produzida é abatida da conta de luz. “O objetivo é gerar uma economia de R$ 12 milhões para estes usuários por ano, com adição no sistema de 16,5 GWh”, aponta. Atualmente, 39 condomínios tem este sistema de energia solar implementado, mais de 2500 unidades habitacionais.

Além dos painéis solares a MRV trabalha na construção de seis usinas fotovoltaicas em Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Bahia. O lado social também está coberto com diversos projetos, entre estes o Escola Nota 10 que alfabetiza funcionários nos canteiros de obra. Além do Iungo que capacita educadores da Rede Pública de Ensino.

Para Michael Wickert, sócio da Fama Investimentos, a MRV leva o ESG no core business da companhia. Desde a solução do problema habitacional, em déficit no Brasil. “Eles também moldam a cadeia de negócios colocando a sustentabilidade como um valor da companhia capacitando e premiando fornecedores”, destaca.

Wickert acredita que a companhia pratica o ESG muito além do discurso, a prova disso é que diretores e presidentes tem metas específicas sobre gestão de resíduos e objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS). Quando o assunto é governança corporativa a MRV também melhorou suas práticas.

Um exemplo foi o case da AHS Residential, que constrói imóveis para alugar nos Estados Unidos e é controlada pela família Menin, principal acionista da MRV. Quando a empresa tentou incorporar a AHS a reação inicial dos investidores minoritários foi negativa. “Mas, a MRV teve uma postura correta e interrompeu o processo de incorporação, submeteu a sugestões e fez uma transação que agradou os investidores minoritários”, explica Wickert.

A realidade brasileira

O Credit Suisse mostrou que globalmente empresas familiares são líderes na pauta ESG. Mas e no Brasil, onde o debate é recente, a história também se repete?

Especialistas consultados pelo InvestNews defendem que uma caraterística do mercado de capitais brasileiro é que muitas empresas listadas na bolsa são familiares. O que é uma vantagem porque este tipo de companhia tem uma visão de longo prazo, fato que não é muito comum em empresas geridas por executivos que possuem uma remuneração variável, muitas vezes dependente dos resultados em até cinco anos.

Para Denys Roman, especialista em ESG e fundador da consultoria Blend ON, há muitas empresas familiares brasileiras com boas práticas além da MRV e SulAmérica, contudo elas carecem de uma boa comunicação com os investidores e stakeholders. “Isso acaba sendo prejudicial porque a comunicação retroalimenta o processo e faz as companhias evoluírem estas práticas internamente”, defende.

Este entrave na comunicação também ocorre na esfera interna das empresas familiares, que trabalham os pilares ESG de forma departamental ou por núcleos, quando na verdade o assunto precisava ser abordado de forma integrada em cada operação da companhia e não apenas nas áreas de recursos humanos.

Para Roman, não é de hoje que as empresas familiares brasileiras têm inserido valores ESG no modelo de negócios. “As pautas socioambiental e de governança são características procuradas por investidores de longo prazo e, quando olhamos para empresas brasileiras, o principal investidor de longa data é a própria família controladora”, afirma.

Além de ser uma oportunidade para tornar companhias cada vez mais atrativas aos investidores, o especialista apresenta um outro mercado que cada vez mais precisa do ESG muito além da renda variável. “É o mercado de dívida, debêntures, muitas agências de rating começaram a exigir critérios ESG no ranking”, acrescenta.

Para Antônio Carlos Moraes, embora a pauta ESG já estivesse embutida no DNA das empresas familiares no Brasil, estes valores não foram explorados como deveriam pela opressão do mercado em apresentar resultados imediatos.

Contudo, ele reforça que no longo prazo empresas familiares sempre entregaram resultados acima da média do mercado. O especialista cita como exemplo a varejista Magazine Luiza (MGLU3), uma companhia familiar de terceira geração que continua crescendo com o tempo.

Além da varejista, ele cita outras empresas familiares sólidas como Gerdau, Hering, Riachuelo, Casas Bahia, Hapvida, Gol e até mesmo a Weg. Segundo Moraes, as empresas familiares são as principais responsáveis pela geração de renda no Brasil, além da arrecadação tributária. “Nelas recai também o peso da retomada econômica pós-pandemia”, defende.

Governança familiar

Apesar de ter o fator social e ambiental bem desenvolvidos, a governança ainda é um problema quando se fala de empresas familiares brasileiras.

O primeiro conflito, segundo os especialistas, é a dificuldade de abrir mão do poder: famílias controladoras são resistentes a isso e compartilhar dados e informações para o público externo pode se tornar uma tarefa complexa.

Outro problema é a falta de profissionalização da gestão, que muitas vezes é amadora ou semiprofissional. Uma empresa com fortes princípios de governança exige prestação de contas e tem a transparência como pilar. “É complexo para uma empresa familiar explicar a cultura do nepotismo. Como você comenta ao stakeholder que seu filho ganha mais que o executivo com ampla experiência de mercado?”, questiona Moraes.

Além desses empecilhos, muitas empresas familiares no Brasil acreditam que governança corporativa é apenas para grandes grupos do capital aberto, quando na verdade este pilar deve ser implementado desde as pequenas empresas familiares.

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