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Efeito de possível revisão do JCP não pode ser avaliado sozinho

Expectativa é de que a medida venha acompanhada de outras mudanças, mas receio é de aumento de carga tributária.

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Após falas do ministro Fernando Haddad sobre “abusos” com o pagamento de Juros sobre Capital Próprio (JCP) pelas empresas, o mercado avalia as consequências de um possível fim do mecanismo. Apesar de perspectivas de que essa extinção seria inicialmente negativa, especialistas dizem que ela não pode ser analisada isoladamente, pois a medida deve vir acompanhada de outras mudanças. Nesse sentido, mais que a questão do JCP em si, o grande receio é por aumento da carga tributária.

As declarações do ministro da Fazenda sobre o tema foram feitas na última segunda-feira (24). O ministro disse que “juros sobre capital próprio são bilhões drenados dos cofres públicos para beneficiar meia dúzia de empresas que fazem engenharia tributária em cima de um dispositivo legal que está sendo abusado”.

“Mandei estudar, porque é uma área que está tendo muito abuso”, completou o ministro, dizendo também que existem empresas muito rentáveis que não declaram lucro, porque o transformaram artificialmente em JCP.

Ministro da Fazenda, Fernando Haddad 28/02/2023 REUTERS/Adriano Machado

As declarações voltaram a levantar entre os investidores dúvidas sobre taxação ou fim do JCP – não pela primeira vez, já que, no governo anterior, o então ministro da Economia, Paulo Guedes, também tentou tributar o pagamento.

Especialistas ouvidos pelo InvestNews comentam que, de forma imediata, o impacto para as empresas seria negativo. “O fim do JCP, isoladamente, geraria um impacto negativo no resultado das empresas (pois elas passariam a pagar mais impostos). Bancos, por exemplo, seriam afetados, pois utilizam bastante o JCP”, comentou Guilherme Tiglia, analista da Nord Research, em relatório. 

No entanto, a expectativa é de que um eventual corte ao JCP seja apresentado junto a outras mudanças tributárias. “Ainda é cedo para tirar conclusões sobre o impacto no resultado”, comenta Tiglia. “Afinal, também pode ser discutida uma alteração na carga tributária das empresas, por isso é necessário acompanhar para ter uma maior clareza dos possíveis impactos.”

Mas o grande receio é que, na soma final, um eventual fim do JCP combinado a outras mudanças resulte em carga tributária maior sobre as empresas.

“A percepção é que a reforma tributária, com uma eventual eliminação do JCP, mesmo que seja parcialmente compensada pela redução do Imposto de Renda para PJ, ainda vai trazer um aumento marginal na tributação das companhias”

Lucas Rufino, CEO e Fundador da Simpla Invest

Se isso se confirmar, Fernando Bento, CEO e sócio da FMB Investimentos, diz que “na prática, o que vai ocorrer é aumento da carga tributária, e sem muita contrapartida. As empresas, no final do dia, tendem a pagar mais imposto”. 

Entenda a polêmica

O JCP é uma das formas que as empresas têm de remunerar seus acionistas. “Teoricamente, de acordo com a Lei das S.A., as empresas de capital aberto têm que distribuir no mínimo 25% dos seus lucros aos acionistas”, explica Tiglia, da Nord. “Basicamente, esses lucros podem ser distribuídos aos investidores de duas formas: dividendos ou JCP.”

Apesar de os dois mecanismos resultarem em remuneração, para as empresas o JCP pode ser mais vantajoso. “A grande diferença é que o JCP não é isento de Imposto de Renda, havendo um recolhimento na fonte de 15%”, comenta o analista. 

“Empresas, basicamente, usam o JCP para se beneficiar sob o ponto de vista fiscal, aliviando o volume que a companhia paga de imposto — ao considerá-los como uma despesa, a empresa teria uma base de resultado menor a ser tributada (diminui o lucro tributável), por isso o benefício fiscal.”

Guilherme Tiglia, analista da Nord Research

Essa prática é bastante habitual no mercado. “O JCP é uma forma de distribuir lucros muito comum, e é utilizado como uma forma de planejamento tributário pelas empresas, já que é considerado uma despesa antes da realização do lucro”, comenta Marcelo Boragini, sócio da Davos Investimentos. 

Mas, para o ministro Haddad, essa “engenharia” estaria gerando distorções. Ele citou que apenas uma empresa tem um auto de infração de R$ 14 bilhões por essa prática. “Não pagam nem como pessoa jurídica e nem como pessoa física. Essas coisas precisam ser explicitadas. Não estou buscando controvérsia ou ataque a quem quer que seja. Só estou dando transparência porque a sociedade precisa saber para onde está indo o dinheiro”, argumentou, também na última segunda.

Correções x resultados

Especialistas concordam que é preciso corrigir eventuais deturpações, mas ressaltam que os efeitos devem ser considerados antes de qualquer decisão de mudança.

“Concordo que o governo precisa corrigir certas distorções, mas para isso, precisa apresentar algum programa tributário que não prejudique a forma com que as empresas trabalham hoje”, opina Ricardo Jorge, especialista em renda fixa e sócio da Quantzed. 

De maneira semelhante, Boragini, da Davos, diz que “a carga tributária no Brasil é muito pesada. Mas corrigir distorções no JCP, sim, é necessário“.

“Vale lembrar que qualquer alteração significa que as margens de lucro das empresas serão reduzidas. Portanto, esse movimento exige cautela”, diz ele.

Por sua vez, Bento, da FMB, diz que, “se há abuso de empresa ou não, teria que ser visto caso a caso”. 

Em busca de arrecadação 

Governo apresenta texto do arcabouço fiscal ao Congresso (Fotos: Ricardo Stuckert)

As falas de Haddad sobre o JCP vieram na esteira de uma série de tentativas do governo de aumentar a arrecadação para cumprir a regra de novo arcabouço fiscal proposta pela equipe econômica, que já está sob análise do Congresso.

Pelo desenho da medida, que prevê uma melhora na dívida pública, mas também um contínuo aumento das despesas acima da inflação, o sucesso do ajuste fiscal depende de ações que elevem receitas do governo. Parte das medidas foi anunciada por Haddad, mas ainda depende de formalização, como a taxação de apostas esportivas.

Jorge, da Quantzed, diz que “o governo está ‘desesperadamente’ tentando criar soluções para cobrir o rombo fiscal que se instalou no país, e isso tem gerado muitos ruídos e preocupações na esfera empresarial”. 

“Eu concordo com o Haddad em corrigir as distorções, mas discordo do motivo pelo qual está fazendo, que é cobrir um rombo fiscal gerado pelo próprio governo”, critica ele.

E os dividendos?

Haddad também já falou sobre taxar dividendos, hoje isentos de IR, da mesma forma que Guedes, seu antecessor. A medida também seria uma forma de elevar a arrecadação pública, e também está no radar do mercado. 

“Vale destacar que a reforma do IR será discutida no segundo semestre. Comenta-se que serão tributados dividendos para pessoas físicas e, assim, diminuir a tributação sobre as empresas. Ponto positivo para as empresas”, especula Boragini, da Davos.

A possibilidade de taxação de dividendos está diretamente ligada à discussão sobre os efeitos de uma eventual extinção do JCP para as empresas. 

“No final as empresas teriam que se reinventar aumentando a distribuição de dividendos, e caso aconteça a tão sonhada mordida do Leão na distribuição dos lucros, o empresário não terá muito para onde fugir, a não ser pagar mais imposto” 

Idean Alves, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos

Para Alves, isso “afastaria investimentos do Brasil, pois a nossa margem para aumento de tributos é muito curta, e onerar ainda mais o empresariado e o consumidor poderia ter um efeito reverso, de mais recurso para o serviço público, e menos emprego e renda partindo da iniciativa privada, que é quem de fato move o país”.

‘Sem pânico’

Lucas Rufino, da Simpla Invest, pondera que, “apesar de não ser uma boa notícia, não devemos criar pânico”, e lembra que, caso o JCP seja mesmo revisto, “as empresas devem continuar remunerando os acionistas, mesmo que através de outros mecanismos”. 

Ele cita, por exemplo, que “seria plausível esperar um aumento nos programas de recompras de ações”, assim como Tiglia, da Nord.

“Os dividendos e o JCP não são a única forma de recompensar acionistas. As companhias também têm outras ferramentas, por exemplo, a recompra de ações. Ela acaba sendo um ‘dividendo indireto’, pois com a recompra acabamos tendo um número menor de ações em circulação, beneficiando a relação de lucro por ação e, consequentemente, dividendo por ação.”

Guilherme Tiglia, analista da Nord

Rufino acrescenta que, “além do mais, nem todas as empresas vão ser impactadas na mesma proporção, já que algumas utilizam desse benefício do JCP mais do que outras”.

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