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Negócios

Negócio de US$ 1,4 bi entre BP e Bunge mostra que a cana até pode ser doce – mas não para todos

Bunge vende sua fatia na 2ª maior processadora de cana do país para a sócia BP, deixando claro que operar etanol no Brasil não é simples

O negócio de US$ 1,4 bilhão entre BP e Bunge, anunciado nesta quinta-feira (20), demonstrou que ser uma gigante do agro não significa necessariamente que operar várias commodities agrícolas ao mesmo tempo é uma boa estratégia.

Explicamos. A americana Bunge é uma das maiores negociadoras de grãos do planeta. Faz parte do seleto grupo “ABCD” das chamadas tradings agrícolas – a saber, ADM, Bunge, Cargill e [Louis] Dreyfus. Soja, milho, trigo e seus derivados são as especialidades da casa e existe uma sinergia de mercado entre entres, enquanto o açúcar com o etanol não caem bem nessa receita.

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A venda de sua participação para a petroleira britânica BP, sua sócia na BP Bunge Bioenergia, põe fim à uma estratégia frustrada de quase duas décadas atrás, como lembrou a repórter Camila Souza Ramos, da revista Globo Rural.

Trabalhar com cana-de-açúcar, especialmente no setor de energia, não é tarefa fácil no Brasil – os percalços do Proálcool não nos deixam mentir. Além de conviver ao sabor dos preços internacionais do açúcar e do petróleo, existe ainda um governo inimigo da gasolina cara, não importando a que preço o barril do fóssil esteja sendo negociado no mercado internacional.

A cotação alta do petróleo seria, teoricamente, boa para o setor de bioenergia. Se a gasolina está cara, vai de etanol. Mas, na prática, não é bem assim. Além de a escolha de combustível ser um tema sensível entre a população (que tende a preferir gasolina), a gasolina cara acerta em cheio na inflação. Quantas não foram as vezes em que o presidente da República da ocasião interveio na Petrobras para derrubar os preços dos combustíveis?

Daí, a chance de ouro de lucro para os produtores de etanol cai por terra e as condições artificiais de mercado sangram lentamente a margem dessas empresas. Os usineiros viram a chave a passam a produzir açúcar com sua cana. Nesse caso, outro governo, o indiano, historicamente despeja subsídios para vender seu adoçante mais barato para o mundo.

Não são necessários muitos modelos matemáticos para entender que cana é um negócio de baixa previsibilidade.

Resultado: investe-se menos na estrutura, a produtividade cai e aí já mal se sabe o que é margem de lucro. O setor conviveu ao longo dos anos com quebradeiras de grandes usinas. Se não quebra, o ativo pode se tornar um pepino, como a Bunge sinalizou ao longo dos anos ao procurar um comprador para a empresa de Bioenergia.

Aspas para o CEO global da Bunge, Greg Heckman:

“Este negócio não é fundamental para a nossa estratégia de longo prazo e esta transação nos permitirá focar e investir em nossos negócios principais, ao mesmo tempo que fortalecerá ainda mais nosso balanço”, declarou o executivo nesta quinta-feira.

Virando o jogo

Até a safra 2019/20, época em que a BP formou a joint venture com a Bunge, a empresa dava prejuízo – e isso que estamos falando da segunda maior processadora de cana-de-açúcar do país. Nos anos seguintes, foi lucro atrás de lucro, o que ajudou a recompor as perdas do passado. Na temporada 2022/23, a última com o balanço fechado, o bottom line ficou positivo em R$ 646,1 milhões.

Como os números mostram, a chegada da petroleira BP ajudou a virar o jogo – e faz sentido. As empresas de energia têm mais estômago e balanço para lidar com o etanol, já que operam em todas as pontas do mercado de combustíveis. Aliás, as majors do petróleo estão às compras nos últimos tempos, sejam de concorrentes na exploração ou de outras iniciativas de energia. A pauta da transição energética é importante para essas companhias. A BP e seus pares precisam diminuir as emissões de carbono e o etanol ajuda nisso.

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Em comunicado, a vice-presidente executiva de clientes e produtos da BP, Emma Delaney, apontou que, ao assumir toda a empresa, terá potencial para avançar na produção de biocombustíveis, como o etanol de segunda geração (combustível que tem menor pegada de carbono, feito de resíduos do processo de fabricação do etanol comum) e o combustível de aviação sustentável (SAF, que pode ser feito a partir de cana).

Após a conclusão da aquisição com a Bunge, a BP terá capacidade para produzir cerca de 50 mil barris por dia de etanol equivalente a partir da cana-de-açúcar por meio das 11 usinas que a BP Bunge Bioenergia possui no Brasil. O negócio, somado a outras iniciativas operacionais na vertical de biocombustíveis, deverá gerar US$ 2 bilhões de Ebitda (resultado operacional) para a BP até 2025 com a pauta da transição bioenergética.

Do lado da Bunge, a venda de sua fatia na joint venture vai gerar uma receita líquida aproximada de US$ 800 milhões – nada mal, apesar dos pesares. Agora, foco total nos grãos e na incorporação dos ativos que pertenciam à Viterra, concorrente que se fundiu à Bunge no ano passado, avaliando o novo conglomerado em US$ 18 bilhões. Vale lembrar que, no último mês, o M&A já obteve aval do Cade, e está aguardando a definição dos reguladores de outras partes do mundo.

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