Cerca de dois anos após o colapso da Evergrande, a China ainda tenta evitar um “evento Lehman Brothers”, que desencadeou a crise das hipotecas subprime de 2008. Desde que a incorporadora revelou problemas de dívida, em setembro de 2021, o setor imobiliário chinês sente os efeitos e, agora, está à beira do precipício, podendo afetar também o Brasil.
Afinal, o estouro das bolhas imobiliárias nunca vem sozinho. “Esta é uma das lições dos Estados Unidos com a crise do subprime, mas também do colapso do setor na Espanha e no Reino Unido pouco depois de 2007”, lembra a economista-chefe da Ásia Pacífico do Natixis, Alicia Garcia Herrero.
No Brasil, o principal impacto deve ser sentido na balança comercial. Afinal, a China é o maior parceiro comercial do Brasil e uma desaceleração econômica mais pronunciada por lá tende a reduzir as exportações nacionais, em especial de minério de ferro e outras commodities metálicas, como o cobre, usadas na construção civil.
Com isso, apesar do receio de contágio nas construtoras brasileiras, o estrago maior deve ser nas mineradoras, como a Vale (VALE3), e nas siderúrgicas, em especial a CSN (CSNA3). Até porque o estoque de metais básicos na China já estava baixo e as dificuldades do setor imobiliário no país tendem a manter a demanda reduzida.
Nesta segunda-feira (25), os obstáculos enfrentados pela Evergrande para reestruturar a dívida derrubaram em cerca de 20% as ações da empresa negociadas em Hong Kong, contaminando outras imobiliárias. Country Garden, por exemplo, caiu 7,7%. Já o índice do setor na bolsa chinesa despencou quase 4%.
‘Casas são para morar, não especular’
Porém, não é de hoje que as preocupações com a perda de tração da atividade na China abalam os mercados globais. Esse receio tem nome e sobrenome: a Evergrande e o setor imobiliário chinês. Desde meados de setembro de 2021, a empresa cujo nome era estampado na camisa de time de futebol na China passou a ser manchete nas finanças.
Tudo começou quando o governo chinês decidiu impor, no verão de 2020, a política chamada de “Três Linhas Vermelhas”. As medidas visavam controlar o risco de crédito, o que atingiu em cheio as gigantes endividadas do setor imobiliário, com lideranças chinesas entoando o discurso de que “casas são para morar e não para especular”.
Com isso, as autoridades chinesas limitaram os esforços para evitar o sofrimento do setor associado à absorção do excesso de capacidade produtiva. Como resultado, houve uma queda de dois dígitos no investimento em ativos fixos reduzindo a oferta de imóveis, em um processo de ajuste que apenas começou e levará anos para ser concluído.
E foi assim que a Evergrande, que também investiu bilhões em carros elétricos e parques temáticos, se viu obrigada a reduzir a dívida. O fantasma de um episódio Lehman Brothers 2.0 voltou a assustar o mundo recentemente após a Evergrande interromper o processo de reestruturação da dívida devido a uma investigação regulatória na subsidiária Henga.
Com isso, as expectativas de emissão de nova dívida reestruturada foram frustradas.
“Os problemas profundos no setor imobiliário chinês voltaram à superfície, provocando um novo mal-estar sobre as falhas estruturais que atravessam a segunda maior economia do mundo”
Susannah Streeter, analista da corretora Hargreaves Lansdown
A Evergrande é a incorporadora mais endividada do mundo, com um passivo estimado atualmente em US$ 340 bilhões. A dívida com credores externos (offshore) que a empresa tenta renegociar envolve um total de US$ 31,7 bilhões. A proposta inclui bônus, garantias e obrigações de recompra, o que pode ser um dos maiores exercícios deste tipo no mundo.
Risco sistêmico
Porém, a informação que a Hengda estava sendo investigada por supostas violações dos regulamentos de divulgação interrompeu o processo. “Com isso, o plano de reestruturação da dívida ficou paralisado e não pode avançar”, disse à agência Reuters Steven Leung, diretor de vendas da UOB Kay Hian, em Hong Kong, citado pelo site Asia Financial.
Segundo ele, outras opções, como a conversão da dívida em ações de outras subsidiárias ou demais incorporadoras listadas em bolsa, também não são consideradas viáveis agora. Daí porque o setor como um todo parece estar em perigo, em meio à frágil situação das imobiliárias altamente endividadas.
“Havia esperanças de que a intrincada engenharia financeira impediria que os problemas do setor imobiliário transbordassem para outros setores, mas surgiram dúvidas sobre a eficácia a longo prazo destes ajustes”, emenda Susannah, Hargreaves Lansdown, citada pelo site Marketwatch.
Portanto, a estabilidade do sistema financeiro é um ponto adicional de atenção para os investidores. “As lideranças de Pequim devem se concentrar em limitar os potenciais impactos de um risco sistêmico e conduzir um ajuste da economia chinesa a um setor imobiliário em contração”, avalia a economista do banco francês.
Investigação ao estilo chinês
No entanto, por ora, o governo chinês está tratando a questão como caso de polícia – e não de política. Na semana retrasada, vários executivos do Grupo Evergrande foram presos na cidade de Shenzhen, no sul do país, onde o conglomerado está sediado. O episódio agravou os já profundos problemas financeiros da incorporadora.
Essas detenções ocorrem na sequência do desaparecimento, há um mês, do ministro da Defesa da China, Li Shangfu, e da destituição de Qin Gang do cargo de ministro das Relações Exteriores.
“Estes incidentes levaram à especulação de que o presidente Xi Jinping está conduzindo uma purga no aparelho de Estado da China”
Avaliação da Eurasia
Para Tasha Kheiriddin, colunista do GZero, a newsletter semanal da consultoria Eurasia, os episódios recentes na China não são um bom sinal. Afinal, diante desses desaparecimentos de funcionários do alto escalão, o risco é a onda se espalhar para a segunda maior economia do mundo, com algumas empresas chinesas também sob o risco de sumirem.
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