Primeiro, ele tomou um gole de chá para se recompor. Em seguida, o chefe do Banco Central chinês, Pan Gongsheng, deu início a divulgação de um dos pacotes de incentivo mais ousados das últimas décadas no país.
Em uma tentativa de dar um “choque de adrenalina” em uma economia à beira de uma espiral deflacionária, o presidente do Banco do Povo da China e outros altos funcionários financeiros anunciaram uma série de medidas de afrouxamento monetário durante uma rara coletiva de imprensa nesta terça-feira, em Pequim.
As medidas incluem cortes nas taxas de juros, mais dinheiro para os bancos, incentivos para a compra de imóveis e a possibilidade de criar um fundo para estabilizar o mercado de ações.
Os mercados na China continental e em Hong Kong dispararam, com o índice CSI 300 — referência das ações chinesas — registrando seu maior ganho desde julho de 2020. Ações dos EUA e bolsas europeias também subiram, especialmente em setores com alta exposição à China, como o de fabricantes de automóveis e produtos de luxo.
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A reação dos mercados sugere que Pan, um tecnocrata com passagens por Harvard e Cambridge, conseguiu ganhar tempo precioso para a economia chinesa. No entanto, economistas acreditam que esse movimento é apenas um “primeiro passo”, se o presidente da China Xi Jinping quiser tirar a economia de aproximadamente US$ 18 trilhões de uma crise prolongada, marcada pelo colapso do mercado imobiliário, fraqueza nos preços ao consumidor e tensões comerciais globais crescentes.
“Não acho que seja suficiente para lidar com as questões subjacentes que estão levando a China à espiral deflacionária”, disse Duncan Wrigley, economista-chefe para China da Pantheon Macroeconomics. Segundo ele, a China precisa de “um pacote de reformas que reconfigure fundamentalmente a economia e libere o crescimento do consumo”.
A toque de caixa
A coletiva de terça-feira, marcada às pressas 48 horas antes, ocorreu após semanas de crescente ansiedade entre os principais líderes do governo de Xi, segundo fontes familiarizadas com a situação. Autoridades de alto escalão realizaram várias reuniões a portas fechadas para discutir a economia, à medida que ficava claro que a meta de crescimento para este ano estava ficando fora de alcance.
Havia especial preocupação com alertas de autoridades de uma importante província costeira, que contribui significativamente para o crescimento, afirmando que teria dificuldade para atingir a meta de Produto Interno Bruto (PIB), segundo uma das fontes.
A rápida mudança de postura dos líderes do Partido Comunista pegou muitos funcionários de surpresa, já que eles aguardavam há meses algum retorno sobre as propostas de políticas que haviam elaborado para reaquecer a economia. Na semana passada, receberam pedidos urgentes de mais informações, o que fez com que alguns precisassem trabalhar madrugada adentro antes da coletiva de terça, conforme relatos de autoridades reguladoras que pediram anonimato.
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O esforço pareceu valer a pena. Pan e outros dirigentes conseguiram mudar, pelo menos por enquanto, a narrativa em torno da economia chinesa. Isso representa uma grande mudança, considerando que nas últimas semanas bancos como o Goldman Sachs e o UBS reduziram suas previsões de crescimento para a China, após uma série de dados negativos que alarmaram o mercado sobre a possibilidade de queda nos preços.
Agora, economistas do Bloomberg Economics e outras instituições esperam que o governo consiga atingir a meta de Xi de expandir o PIB em “cerca de 5%” este ano. Contudo, a maioria dos especialistas concorda que mais medidas serão necessárias para evitar uma deflação prolongada nos moldes do Japão. O principal desafio continua sendo uma estratégia eficaz para estimular os 1,4 bilhão de habitantes da China a aumentar o consumo.
“Muitos dos problemas da China estão relacionados à demanda ou à confiança”, disse Nigel Peh, gestor de portfólio da Timefolio Asset Management. “No geral, não acho que essas medidas sejam suficientes, porque os problemas da China são complexos e não há uma solução única.”
Pressões para medidas fiscais
Com o banco central surpreendendo o mercado ao fazer mais do que o esperado, agora a atenção se volta para o Ministério das Finanças. Novas medidas fiscais podem ser anunciadas nos próximos dias, já que o Politburo, formado por 24 membros, deve se reunir antes de um feriado nacional que começa na próxima terça-feira. O evento marcará o 75º aniversário da fundação da República Popular da China pelo Partido Comunista.
Apesar da pressão dos EUA e de outros países para estimular o consumo e reequilibrar a economia, os líderes de Pequim preferem evitar distribuir dinheiro diretamente à população, como se tornou comum em outros países. O temor é que isso crie um estado de bem-estar social insustentável. Além disso, com uma das maiores taxas de poupança do mundo, muitos acreditam que os chineses não gastariam esse dinheiro.
As expectativas do mercado agora se concentram em mais financiamento para comprar imóveis encalhados, maiores gastos com bem-estar social e incentivos para que os consumidores troquem eletrodomésticos antigos. O Ministério das Finanças também pode pressionar os governos locais a emitirem mais títulos para aumentar os investimentos em infraestrutura.
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Há também um debate emergente na China sobre a necessidade de romper com as regras não escritas que limitam o déficit fiscal a cerca de 3% do PIB e mantêm a relação dívida-PIB abaixo de 60%. Segundo Xu Qiyuan, diretor adjunto do Instituto de Economia e Política Mundial da Academia Chinesa de Ciências Sociais, o governo deveria “aumentar significativamente” os gastos fiscais para financiar educação, saúde e seguridade social.
“Ao passo que políticas expansionistas têm efeitos colaterais, uma lição que deveríamos aprender com o Japão é que as consequências seriam ainda piores se essas políticas não forem implementadas ou forem adiadas”, disse Xu. “A China não deveria se prender a doutrinas fiscais ultrapassadas dos EUA e da Europa.”
Repressão enfraquece setor privado
As autoridades de Pequim querem que quaisquer medidas fiscais fortaleçam a confiança do setor privado. No entanto, nos últimos anos, o governo de Xi tomou várias medidas que tiveram o efeito oposto, como a repressão a gigantes da tecnologia, como o Alibaba, e a crítica aos estilos de vida “hedonistas” dos trabalhadores do setor financeiro.
Nos últimos meses, pelo menos três banqueiros de investimento de grandes corretoras foram detidos, além de cinco funcionários da farmacêutica britânica AstraZeneca. As preocupações com a segurança dos executivos, as tensões crescentes entre EUA e China e os problemas no setor imobiliário estão afastando investidores estrangeiros.
“Ainda estamos longe de realmente investir no mercado imobiliário da China”, disse Hamish MacDonald, chefe de investimentos imobiliários para a Ásia-Pacífico na BlackRock, ao ser questionado sobre o impacto do estímulo.
“Quero ver capital externo e doméstico focado nisso”, afirmou. “No momento, não há muitos compradores em nenhuma dessas duas categorias.”
Durante a coletiva de terça-feira, Pan e outros funcionários se concentraram em políticas monetárias. Não houve menção à “deflação”, um termo que as autoridades chinesas tentam evitar.
Ainda assim, o fato de o governador do banco central ter feito uma coletiva ao vivo para anunciar grandes medidas monetárias e responder a perguntas dos jornalistas representa uma mudança significativa no modus operandi da China.
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