Na sexta-feira (10), os EUA anunciaram as sanções mais abrangentes e agressivas já aplicadas ao comércio de petróleo da Rússia, apenas dez dias antes de Joe Biden deixar a Casa Branca e ser substituído por Donald Trump como presidente.
Cerca de 160 navios petroleiros foram sancionados e a Índia – um importante comprador de barris marítimos – não permitirá que os navios entrem em seus portos assim que o período de redução gradual terminar em março.
Se permanecerem em vigor durante o governo Trump, as medidas são as que, até o momento, têm as melhores chancer de interromper as exportações de petróleo da Rússia.
Além dos navios-tanque, dois grandes produtores e exportadores foram sancionados, comerciantes que organizam centenas de remessas foram listados, companhias de seguros importantes foram nomeadas e dois prestadores de serviços petrolíferos dos EUA foram orientados a sair. Um operador de terminal de petróleo chinês também foi incluído.
As medidas poderiam, em teoria, reduzir o que a Agência Internacional de Energia prevê que será um excedente de fornecimento de quase 1 milhão de barris por dia este ano. Para contextualizar, isso equivale a cerca de um terço da produção brasileira no pré-sal em 2024, que foi de 3,681 milhões de barris de óleo equivalente por dia. Os futuros do petróleo Brent, que encerraram 2024 abaixo de US$ 75 por barril, subiram acima de US$ 80 em um determinado momento na sexta-feira (10), segundo dados da ICE Futures Europe.
Veja a seguir cada um dos principais assuntos relacionados ao fornecimento de petróleo.
Surgutneftegas e Gazprom Neft
A sanção a essas duas empresas é, de longe, a medida mais direta e agressiva tomada até agora por Washington ou por qualquer outra potência ocidental.
Entre elas, as duas empresas embarcaram cerca de 970.000 barris por dia de petróleo por via marítima em 2024 e o fato de terem sido designadas será motivo de preocupação para as refinarias de petróleo na Índia, bem como para as empresas estatais na China.
Para contextualizar seus fluxos marítimos, isso é maior do que um excedente de fornecimento global que a Agência Internacional de Energia está prevendo para o mercado global em 2025. Também corresponde a quase 30% das exportações marítimas da Rússia.
Ninguém está sugerindo que as remessas das duas empresas serão totalmente interrompidas, mas o fato de elas terem sido sancionadas, juntamente com as outras medidas anunciadas, significa que a interrupção não pode ser descartada.
Muitos navios-tanque
Os EUA anunciaram sanções a cerca de 160 navios petroleiros individuais.
Isso dobra a lista completa de navios visados pelos EUA, Reino Unido e União Europeia até o momento. Cerca de 30 dos navios que Washington está perseguindo já foram sancionados por Londres e Bruxelas, mas é importante observar a eficácia das medidas dos EUA até o momento.
De todas as sanções sobre o comércio de petróleo da Rússia, as impostas pelos EUA foram as que tiveram maior impacto, o que comprova que os compradores asiáticos estão cautelosos em desrespeitar as medidas de Washington.
Antes de sexta-feira (10), o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros havia designado 39 navios-tanque que transportam petróleo russo desde outubro de 2023. Desses, 33 não conseguiram levantar cargas desde que foram listados, de acordo com dados de rastreamento de navios compilados pela Bloomberg. Esse é um nível de interrupção mais alto do que o alcançado por medidas semelhantes impostas pelo Reino Unido ou pela União Europeia e por um período de tempo duas vezes maior, sendo que as primeiras sanções impostas por qualquer uma dessas jurisdições só ocorreram em junho de 2024.
A medida mais recente inclui sanções contra toda a frota de navios-tanque especializados usados para transportar petróleo bruto de projetos importantes nas regiões árticas e do Pacífico da Rússia. As embarcações do Ártico transportam cargas para o porto russo de Murmansk, onde dois navios-tanque de armazenamento também foram visados, e podem sentir pouco impacto imediato da medida. Mas isso pode prejudicar o trabalho de manutenção dos navios, que normalmente é realizado na China.
Os navios-tanque que operam no Pacífico transportam o petróleo russo para a China e as sanções de sexta-feira podem complicar esse comércio, possivelmente exigindo que as cargas sejam transferidas de um navio-tanque para outro antes da entrega.
Empresas chinesa
Embora o comunicado de imprensa tenha se concentrado nas entidades russas visadas, a lista de sanções totalmente atualizada continha um operador de terminal de petróleo chinês.
A Shandong United Energy Pipeline Transportation Co. Ltd. e uma subsidiária foram sancionadas por fornecer apoio material à gigante estatal russa de navios-tanque Sovcmoflot, informou o Departamento de Estado.
A medida mostra a disposição dos EUA de sancionar empresas de países consumidores que ajudam a contornar os esforços para restringir o fluxo de petróleo russo.
Tão importante quanto isso é o fato de demonstrar que o simples fato de negociar com empresas sancionadas pode ser suficiente para que uma empresa seja sancionada, o que pode tornar outras empresas mais avessas ao risco.
Comerciantes
O OFAC também tem como alvo os “comerciantes opacos dispostos a enviar e vender” o petróleo da Rússia, que “geralmente são registrados em jurisdições de alto risco, têm estruturas corporativas obscuras e pessoal com vínculos com a Rússia e ocultam suas atividades comerciais”.
Muitas dessas empresas comerciais foram criadas somente após a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022 e vários dos primeiros participantes já desapareceram, sendo substituídos por novas entidades, com proprietários sobrepostos e muitos dos mesmos funcionários.
As ações tomadas contra os atuais comerciantes de petróleo provavelmente criarão alguma interrupção de curto prazo, mas é provável que muitos deles ressurgirão com nomes diferentes.
Seguro de navios
As sanções impostas a dois dos maiores fornecedores russos de seguro de proteção e indenização para navios petroleiros, a Ingosstrakh Insurance Company e o Alfastrakhovanie Group, podem não ter muito impacto sobre os fluxos.
No entanto, a proibição da provisão de seguros por essas duas empresas pode efetivamente empurrar alguns petroleiros, incluindo a própria frota russa, para fora dos principais mercados de seguros. Pelo menos temporariamente. Isso aumentará as preocupações já expressas por países cujas águas já estão em risco devido ao envelhecimento dos navios que transportam o petróleo russo.
Uma questão importante será a resposta da Índia e de seus compradores e reguladores de petróleo, já que o país é um dos principais destinatários das entregas cobertas pela Ingosstrakh.
“A retirada da Ingosstrakh do mercado cria um vácuo que será inevitavelmente preenchido por seguradoras que não têm nada a ver com isso”, disse a empresa por e-mail. Ela acrescentou que procuraria maneiras de lidar com o que chamou de uma decisão injustificada e prejudicial.
Serviços de petróleo
As sanções também exigem que as empresas de serviços petrolíferos dos EUA interrompam suas operações na Rússia até 27 de fevereiro
Pelo menos dois fornecedores globais sediados nos EUA continuaram a trabalhar no país mesmo após a invasão do Kremlin na Ucrânia, de acordo com seus relatórios trimestrais.
No entanto, é improvável que as restrições mais amplas tenham qualquer efeito imediato sobre a capacidade da Rússia de bombear petróleo bruto, já que os fornecedores nacionais, incluindo empresas anteriormente pertencentes a investidores estrangeiros, fazem a maior parte dos serviços de petróleo no país. As antigas subsidiárias de fornecedores globais de serviços de petróleo mantiveram os equipamentos, o pessoal e o know-how suficientes para sustentar as taxas de perfuração da Rússia.
Apenas cerca de 15% do mercado russo de perfuração de petróleo dependem de tecnologias estrangeiras, segundo estimativas da empresa de pesquisa Rystad Energy A/S, sediada em Oslo, há um ano.
É provável que qualquer impacto sobre a produção de petróleo russa seja sentido apenas a longo prazo e de forma mais intensa nos projetos greenfield que exigem as tecnologias mais modernas para bombear petróleo de forma lucrativa. Como resultado, a incursão da Rússia nas reservas do Ártico, bem como o desenvolvimento de campos offshore, podem desacelerar.
Implementação e fiscalização
Grande parte do comércio de petróleo russo já migrou para longe das empresas e dos prestadores de serviços ocidentais, reduzindo o impacto das medidas tomadas até o momento.
Para que as sanções sejam eficazes, o novo governo dos EUA precisará estar disposto a tomar medidas contra os compradores do petróleo russo.
As refinarias indianas e as de propriedade do governo chinês já demonstraram relutância em aceitar cargas transportadas por navios sancionados. Mas isso não lhes custou muito caro quando as embarcações incluídas na lista negra eram apenas uma pequena fração da frota clandestina disponível.
A última rodada de sanções dos EUA muda esse quadro, atingindo uma proporção maior da frota.