Esta semana vamos trocar ideias e conhecimentos sobre o livro de Ben Horowitz: “Você é o que você faz: como criar a cultura da sua empresa”, bestseller da lista do New York Times que nos traz insights poderosos de como incorporar a cultura como um ativo intangível da governança corporativa; e a criação de valor para os stakeholders.
Segundo o ponto de vista do autor, a cultura é o modo como a empresa toma decisões. “Empresa não é a declaração de missão, visão e valores listados na parede, não é o que diz ser nas reuniões”, explica.
Para o Horowitz, as empresas não são as campanhas de marketing e nem sequer o que acreditam ser. “Uma empresa é o que você faz. Fazer o que se prega talvez seja a mais difícil de todas as habilidades no mundo corporativo”, diz.
A cultura come a estratégia no café da manhã
Essa famosa frase de Peter Drucker nos convida a uma pergunta: onde está a dificuldade em colocar as estratégias em prática? Simples assim: a cultura da empresa.
A declaração de Drucker trouxe, pela primeira vez, ao mundo da gestão o papel invisível da cultura nas organizações: “A cultura devora a estratégia no café da manhã e agora também nas mídias sociais e nos grupos de WhatsApp”.
Gosto muito de lembrar desta frase do pai da administração moderna em minhas reflexões, pois me fez e faz corrigir os fracassos que tive como executivo e empreendedor por não levar a sério o fator cultural. Às vezes não interessa o que os executivos dizem, o importante é o que as pessoas fazem e como agem.
Mas a verdade é que a cultura e a estratégia não competem uma com a outra. Não é um jogo de soma zero. “Hoje em dia, a principal qualidade da liderança é o coaching, a orientação pessoal, e não a direção. É preciso saber tirar os obstáculos do caminho para deixar as pessoas fazerem o que sabem fazer”, nos lembra Horowitz.
A cultura é uma força poderosa, mas não é magia
“Preste atenção na cultura da empresa. A cultura é o mais importante”, diz o autor quando perguntava aos seus colaboradores. “O que é a cultura, exatamente? Como posso criar a cultura da minha empresa?”, todos eles davam respostas muito genéricas, reforça Horowitz.
Ben continuou, ao longo dos dezoito anos seguintes, a procurar uma resposta para essa questão. “Seria a cultura a possibilidade de levar o seu cão para o trabalho ou praticar ioga na sala de descanso? Não, essas coisas são regalias. Seriam os valores da empresa? Não, os valores são aspirações. Seria a personalidade e as prioridades do CEO? Não, elas ajudam a dar forma à cultura, mas estão longe de ser a cultura em si”, pontuou o autor.
Quando era CEO da LoudCloud, Ben Horowitz pensava que a cultura da empresa seria somente um reflexo dos seus valores, do seu comportamento, da sua personalidade. Assim, diz ele, “concentrei toda a minha energia em “liderar pelo exemplo”. No entanto, para a minha perplexidade, essa maneira de agir não conseguiu acompanhar o crescimento e a diversificação da empresa. Nossa cultura se tornou uma miscelânea de variadas culturas promovidas por diferentes gerentes, e a maioria delas de modo não intencional. Alguns supervisores gritavam com os funcionários e os intimidavam, outros se esquecem de dar feedback sobre o trabalho, outros ainda não se preocupavam em responder a e-mails – era tudo muito confuso. Uma verdadeira Babel corporativa, uma hidra de múltiplas cabeças”, assinalou Ben Horowitz, em trechos do livro.
Em outras palavras, o que ele afirma nesta obra é que a cultura não é um conjunto mágico de regras que faz com que todos se comportem como você gostaria. É um sistema de comportamentos que você espera que a maioria das pessoas adote a maior parte do tempo na maioria das situações. Nenhuma grande organização consegue cem por cento de observância de todos os seus valores, mas algumas saem-se bem melhor que outras. “O objetivo aqui é que nos tornemos melhores, não perfeitos “, lembra o autor.
Como identificar a cultura de sua empresa?
É difícil descobrir o tipo de cultura que queremos para uma empresa. Precisamos saber não só para onde a empresa deve seguir, mas também qual o caminho tomar para chegar lá. Faz lembrar um mantra que uso sempre: o que todos sabem é o que, mas que poucos sabem é o “como” fazer.
A cultura para a sua empresa depende do tipo de empresa que ela é, do que faz e do que quer ser. Na verdade, o modo como seus funcionários respondem a essas perguntas é o que constitui a cultura da sua empresa. A cultura é o modo como a empresa toma decisões quando você não está lá. Cultura é atitude.
A cultura que funciona para a Apple jamais funcionaria para a Amazon, opina Ben Horowitz. Na Apple, o grande objetivo é criar os designs mais espetaculares do mundo. Para reforçar essa mensagem, a empresa gastou cinco bilhões de dólares em sua nova sede, elegante, sofisticada e moderna.
Já na Amazon, vale o dito de Jeff Bezos: “Suas margens gordas são a minha oportunidade.” Para reforçar essa mensagem, ele fez que a empresa fosse simples em tudo, até nas escrivaninhas dos funcionários, que custam dez dólares cada. Tanto uma cultura como a outra funcionam. E aí como se diz “cada um no seu quadrado, cada uma com sua cultura”.
A Apple cria produtos muito mais bonitos do que a Amazon, mas os produtos da Amazon são muito mais baratos do que os da Apple. Em síntese, a cultura empresarial não é um conjunto mágico de regras que faz com que todos se comportem como você gostaria. É um sistema de comportamentos que você espera que a maioria das pessoas adote a maior parte do tempo na maioria das situações. E Ben Horowitz enfatiza no seu livro e nos leva à seguinte conclusão: “não faz copy e paste com a cultura”.
A mais difícil de todas as habilidades humanas
O primeiro passo para criar a sua cultura é saber o que você quer. Isso parece evidente, e é. Também parece fácil, mas não é. Com um número aparentemente infinito de possibilidades a escolher, como criar uma cultura que proporcione benefícios para a organização, que possibilite um ambiente que faça as pessoas se orgulharem e, o mais importante, que possa de fato ser implementada?
Alguns aspectos a levar em conta: se a empresa é uma startup, ou que exista há cem anos, a cultura é sempre necessária. As culturas, assim como as organizações, devem modificar-se para enfrentar os novos desafios. Todas as culturas permanecem, até certo ponto, no nível das aspirações.
Trabalhei com milhares de empresas, e nenhuma delas jamais alcançou a total consonância e harmonia cultural. Numa empresa de grande porte, sempre ocorrerão transgressões. O objetivo não é ser perfeito, mas simplesmente ser melhor hoje do que ontem. Embora se possa buscar inspiração em outras culturas, não se deve tentar adaptar os sistemas de outras organizações.
Para que sua cultura seja vibrante e sustentável, deve nascer do sangue, da alma. Seja você mesmo. Isso não é tão simples. É impossível desenvolver uma cultura perfeita, mas o importante é declarar com todas as letras aquilo que a sua empresa jamais deve fazer é violação da ética.
Uma metáfora da atitude: ‘mate a cobra e mostre o pau‘
Na Netscape, temos três regras, diz Ben Horowitz, como exemplo: a primeira é “se você vir uma cobra, não forme um comitê, não chame os colegas, não organize uma equipe, não convoque uma reunião, simplesmente mate a cobra”. A segunda regra é “não brinque com uma cobra que já está morta”. Muita gente perde muito tempo com decisões que já foram tomadas. E a terceira regra é “todas as oportunidades, no começo, se parecem com uma cobra”.
A história era tão clara e tão engraçada que praticamente todos a entenderam de imediato. Se alguém não tinha entendido, todos se dispunham a contá-la de novo. Fomos contando e recontando a história, e a empresa mudou, reforçou o autor.
“A hierarquia empresarial ajuda a isolar as ideias boas e ruins. Quando uma ideia chega à chefia, ela já foi comparada com todas as outras ideias no sistema, e as ideias evidentemente boas nem sempre estarão em primeiro lugar. O problema, no entanto, é que as ideias evidentemente boas nem sempre são de fato inovadoras, e as ideias de fato inovadoras muitas vezes parecem péssimas quando apresentadas pela primeira vez”, diz o autor.
Os negócios se movem por decisões
A cultura é influenciada pelas decisões que você toma, mas o processo adotado para tomar essas decisões também se torna parte da cultura. Tomar decisões que revelam as prioridades. O último elemento essencial do processo de tomada de decisões é: “você favorece a rapidez ou a precisão? Em que proporção?” A resposta depende da natureza e do tamanho da empresa, opina Horowitz.
Para calibrar a proporção entre rapidez e precisão, a questão cultural da delegação é o de poder desempenhar importante papel. O livro é rico em exemplos inspiradores da Apple a GE. A última consideração sobre a dicotomia entre delegação e controle é saber se a empresa está em tempos de paz ou de guerra. A empresa vai bem e você vem procurando esquemas criativos para expandi-la? Ou ela está enfrentando sérias ameaças à sua própria existência?
Como Ben Horowitz destaca no seu livro: “O lado difícil das situações difíceis, os tempos de paz e os tempos de guerra obrigam o CEO a adotar modos de atuação muito diferentes. O CEO de paz sabe que o protocolo correto leva à vitória, o CEO de guerra viola o protocolo para vencer.
O CEO de paz enfoca o quadro maior e dá autonomia ao seu pessoal para tomar decisões referentes aos detalhes. O CEO de guerra se preocupa com um mínimo grão de poeira caso ele esteja prejudicando a diretriz primária. O CEO de paz constrói mecanismos de recrutamento de alto volume e passíveis de crescer em escala, o CEO de guerra faz isso, mas também monta um setor de RH capaz de executar demissões em massa. O CEO de paz se dedica a definir a cultura, o CEO de guerra deixa que a guerra defina a cultura, explica Ben Horowitz.
A maioria dos CEOs nunca transita do modo paz para o modo guerra ou vice-versa. A maioria tem uma personalidade mais condizente com um deles. O CEO de paz costuma ser diplomático, paciente e excepcionalmente sensível às necessidades de suas equipes, e se sente à vontade para dar bastante autonomia aos funcionários. O CEO de guerra fica muito mais à vontade em situações de conflito e é obcecado pelas suas próprias ideias acerca da direção da organização; sua impaciência e sua intolerância com qualquer coisa que não chegue à perfeição são quase insuportáveis.
A cultura da sua empresa deve ser uma expressão da sua personalidade, daquilo em que você acredita, da sua estratégia, e deve modificar-se à medida que a empresa cresce e as condições vão mudando.
O que ter em mente ao formular a sua cultura?
Design cultural: Sua cultura deve estar alinhada com sua personalidade e sua estratégia. Tente prever em quais situações ela pode virar uma arma e a defenda de modo claro, sem ambiguidades.
Orientação cultural: O primeiro dia de um funcionário na empresa pode não ser tão inesquecível quanto o primeiro dia de Shaka Senghor na prisão, mas sempre deixa uma impressão duradoura. É nesse dia, mais do que em qualquer outro, que as pessoas percebem o que é preciso para alcançar o sucesso na sua organização. Não deixe que essa primeira impressão seja negativa ou ocasional.
Regras impactantes: Qualquer regra impactante, que leva as pessoas a se perguntarem, “qual o motivo desta regra, afinal?”, serve para reforçar elementos culturais fundamentais. Pense nas maneiras como você pode impactar a sua organização e levá-la a implementar a sua cultura.
Incorporar liderança de fora: Às vezes a cultura que desejamos está tão distante daquela que já existe que precisamos pedir ajuda a terceiros. Em vez de tentar fazer a empresa abraçar uma cultura que você não conhece bem, use a experiência de um profissional cuja cultura seja aquela que você deseja ter.
As palavras sem ação matam a cultura empresarial
As ações falam mais alto do que as palavras. Se realmente quiser reforçar uma lição, use uma lição prática. Não precisa ser uma decapitação, à moda de Sun Tzu, mas deve ser dramática. Explicite a ética. Um dos piores erros que os líderes cometem, e que mais prejudicam a cultura da empresa, é supor que as pessoas “farão a coisa certa” mesmo quando isso conflitar com outros objetivos.
Declare objetivamente os princípios éticos da sua cultura. Atribua um sentido profundo aos princípios culturais. Faça que se destaquem, que saiam do comum e do esperado. Se os antigos samurais concebessem a boa educação como fazemos hoje, o impacto dela sobre a cultura seria nulo. Mas, tendo-a concebido como a melhor expressão do amor e do respeito, ela molda a cultura japonesa até hoje.
O que as suas virtudes realmente significam? Pratique o que você prega. “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço” é um princípio que nunca funciona. Por isso, não escolha nenhuma virtude cultural que você mesmo não pratique. Tome decisões que demonstrem suas prioridades.
A cultura começa quando você decide o que mais é mais importante. Depois, é preciso que todas as pessoas da organização adotem comportamentos que reflitam essas virtudes. Se elas se mostrarem ambíguas ou mesmo contraproducentes, você precisará mudá-las. Caso fique claro que na sua cultura faltam elementos essenciais, você precisará incorporá-los a ela.
Por fim, deverá prestar muita atenção ao comportamento de sua equipe, e mais atenção ainda ao seu próprio comportamento. Como o seu modo de agir vem afetando a sua cultura? Você é a pessoa que gostaria de ser? É assim que se cria uma grande cultura. É assim que age um grande líder.
Tomar decisões revelam as prioridades culturais
“Quando as vozes de comando não são claras e distintas, quando as ordens não são perfeitamente compreendidas, a culpa é do general. Mas quando suas ordens são claras e os soldados mesmo assim desobedecem, a culpa é dos oficiais”, diz trechos do livro. Ou seja, o material da cultura são as ações. Se as ações não funcionam, é hora de adotar novas ações.
Se o comportamento de uma pessoa chocar você, lembre-se: foi a sua cultura que, de algum modo, tornou aquele comportamento aceitável. Quando não tomamos cuidado, a verdade pode se tornar uma questão de interpretação. Ao ultrapassarem certos limites, nossas interpretações tornaram-se bastante abrangentes e é aí que mora o perigo na quebra da ética e destruição de qualquer cultura empresarial.
Quais sinais do fracasso mostram quebra do código da cultura empresarial
É difícil determinar se uma cultura fracassou ou não. Seria ótimo poder confiar no que os funcionários dizem, mas ou eles precisam ter coragem suficiente para dizer o que pensam; ou o funcionário queixoso deveria ser ele próprio uma pessoa que se sai bem na cultura que você quer, do contrário, pode ser que a queixa na verdade seja um elogio (a cultura está funcionando, mas o queixoso não consegue trabalhar naquele ambiente); ou a maioria das queixas em relação à cultura são abstratas demais e, portanto, inúteis lembra sempre Ben Horowitz ao longo do livro
Mas alguns sinais mostram a quebra do código cultural: pessoas que não deveriam sair da empresa estão fazendo isso com frequência. As pessoas pedem demissão o tempo todo, mas quando quem se demite são aquelas pessoas que não deveriam fazer isso, e por motivos que não deveriam ser alegados, o mais provável é que esteja na hora de mudar. Se a empresa vai bem, mas as pessoas pedem demissão num ritmo mais intenso do que o previsto para o setor, é porque existe um problema cultural.
Se as pessoas que fazem isso são exatamente aquelas que você gostaria de manter nos seus quadros, o problema é ainda pior. Quando pessoas escolhidas em razão de sua compatibilidade cultural com a empresa não se sentem em casa nela, o presságio é especialmente ruim: você as escolheu para integrar-se a uma cultura que não existe. Suas prioridades não estão sendo atendidas.
“Digamos que você esteja recebendo uma avalanche de queixas sobre o serviço de atendimento ao cliente. Então, determina a melhoria desse serviço como prioridade máxima da empresa. Seis meses depois, a satisfação do cliente teve uma pequena melhora, mas continua baixa. O diagnóstico mais imediato é que o atendimento ao cliente está falido e o líder deve ser demitido. A satisfação do cliente, no entanto, começa com o produto, passa pelas expectativas estabelecidas pelos setores de vendas e marketing e só termina no atendimento ao cliente. Isso significa que o problema, provavelmente, é cultural. Os funcionários que satisfazem os clientes não são recompensados. Por quê? Destaca o autor que “você não conseguirá resolver o problema do descontentamento dos clientes sem modificar a cultura, não é uma questão de inteligência artificial nem de técnica de vendas”.
Transformação digital: uma jornada que vai muito além da tecnologia
A leitura do livro de Ben Horowitz me trouxe à tona a questão atual da transformação tão bem explicada por Antônio Salvador e Daniel Castello no seu livro “Transformação Digital: uma jornada que vai muito além da tecnologia”, é um processo de mudança cultural que atinge todas as áreas de uma empresa e que vai além da adoção de uma tecnologia ou ferramenta digital.
“A área de recursos humanos precisa estar envolvida na transformação digital. Ela é essencial e não é opcional”, citam os autores. E lembram ainda: “trata-se de uma questão de mindset, de mentalidade. É um estilo de vida. O digital é uma nova linguagem, um novo idioma, tão fundamental quanto o português, o inglês, o espanhol e agora o mandarim”, assinalam Castello e Salvador, um dos pilares dessa transformação, sem dúvida, eram as pessoas e a cultura das empresas”.
Auguro uma boa leitura e uma excelente experiência como a que tive para compreender melhor o que significa a cultura na gestão das empresas e negócios. Até a próxima!
*Aloisio Sotero é professor e mentor em Precificação e Gestão de Negócios. Vice-diretor da Faculdade Central do Recife e membro associado do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. |
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