Dia desses, um amigo veio me consultar sobre uma questão curiosa. Ele recebeu por um serviço prestado o total de R$ 20.000 em ethereum (ETH), na cotação de US$ 1.400 por moeda, e gostaria de saber qual a melhor opção: manter o saldo em ethereum, trocar por bitcoin (BTC) ou converter para dólares?
Para tanto, fiz algumas perguntas, cujas respostas valem a pena compartilhar…
Essa pessoa:
- Já possui reserva de emergência formada?
- Esse valor (R$ 20.000) representa 5% do seu patrimônio total?
- Pretende manter esse dinheiro investido ao menos pelos próximos 5 anos?
- Estuda bastante o mercado de criptoativos, assimilando bem sua volatilidade?
- Já investe 25% do seu patrimônio em criptoativos, incluindo bitcoin?
Meu primeiro comentário foi sobre a alocação dele em criptoativos: se ele decidisse manter o saldo em bitcoin ou ethereum, seu percentual alocado subiria para cerca de 30% do seu patrimônio. Contudo, trata-se de uma pessoa que está nesse mercado há pelo menos 6 anos, entende bem quando o assunto é volatilidade e tem um perfil ultra agressivo.
Nas palavras dele: “se pudesse, teria todo patrimônio alocado em cripto” – mas mesmo ele, que é conhecedor do assunto, sabe que não se trata de uma escolha prudente.
Feitas as considerações preliminares, vamos entrar no mérito da questão.
Dólar vs. criptos
O primeiro ponto a se considerar é a questão macroeconômica: por causa da inflação que se alastra no mundo, do decorrente aumento dos juros e de outras questões que geram instabilidade (guerra na Ucrânia, lockdowns na China, dentre outras), o investidor de modo geral anda avesso a tomar risco.
Isso fez com que, em 2022, bolsa e criptoativos tivessem uma inédita correlação direta de preços: ainda que fosse esperada correção de preços nas criptos durante esse ano, por causa de repetição dos ciclos do bitcoin, fato é que o investidor está enxergando todo mercado de renda variável (incluindo o criptomercado) como algo a se manter distância nesse momento.
Em outras palavras: enquanto a alta da inflação não é arrefecida, os juros tendem a subir, a renda fixa tende a pagar mais e os investidores tendem a optar por esse tipo de investimento.
O resultado desse movimento foi uma queda drástica em ativos de risco. No caso do bitcoin e do ethereum, ambos já tocaram na retração de 78,6%, o que costuma ser a mais drástica das correções nesse mercado:
Por causa disso, podemos dizer que tanto o bitcoin quanto o ethereum (e outros ativos da bolsa) estão, neste momento, com valores extremamente descontados. E essa é uma quasi unanimidade.
Porém, ainda há diversos analistas advertindo sobre uma possível nova queda nos preços, que ocorreria até o final deste ano. Não vou negar que essa preocupação existe, inclusive do meu lado, como analista que orienta milhares de pessoas sobre a movimentação dos criptoativos algumas vezes por semana.
E mais: há aqueles que não conseguem enxergar o fim dessa crise e, exatamente por isso, não querem aproveitar os preços descontados das criptos (ou das ações) para comprar nesse momento.
Sobre isso, tenho minha opinião formada:
- O aumento de juros para conter a inflação nos diversos países não será capaz de repor a inflação. Seja por custar extremamente caro ou pelo risco de recessão econômica, fato é que os juros não vão subir indiscriminadamente. Já a inflação…
- Percebendo esse efeito, o investidor deverá voltar a tomar algum risco. Nesse momento, nada melhor do que apostar em ativos extremamente descontados, como criptomoedas. E o aumento na demanda deverá puxar as cotações para cima.
Portanto, ainda que exista a possibilidade dos preços caírem mais até o fim do ano, entendo que esse é um momento para comprar criptos, não para vendê-las, especialmente se estivermos considerando um prazo de 5 anos, como é o caso.
Logo, converter aqueles R$ 20.000 em dólares seria o mesmo que vender ethereum “na baixa”, o que não parece ser a melhor opção no momento.
Bitcoin vs. ethereum
Decidir entre o bitcoin e o ether neste momento é uma tarefa extremamente difícil.
Primeiro, o bitcoin como hedge de inflação é uma tese que, pelo menos no curto prazo, foi quebrada. Segundo, porque a tokenometria (tokenomics) do ethereum mudou drasticamente após as últimas atualizações do protocolo, que introduziram uma política de token burn (queima de tokens) e alteraram o algoritmo de consenso para o Proof-of-Stake.
Logo, qualquer proposta de fazer um exercício de valuation dos dois protocolos partirá, necessariamente, das premissas erradas.
Nessa hora, acho prudente voltar aos fundamentos de cada proposta para, então, fazermos algumas projeções.
Nesse sentido, o bitcoin nada mais é do que uma proposta de um novo sistema monetário deflacionário, pré-programado e sem um agente central.
Colocando isso numa perspectiva da história do dinheiro e entendendo como o inflacionismo foi e ainda é nocivo à economia, me parece uma proposta com alto valor intrínseco, especialmente por ser totalmente supranacional.
Portanto, o melhor comparativo para o valor de mercado do bitcoin, na minha opinião, é o market cap das moedas nacionais.
O bitcoin possui atualmente, aos US$ 19.400, um market cap aproximado de US$ 369 bilhões e ocupa o 27º lugar se comparado às demais moedas fiat (emitidas por governos).
Suponhamos então que, nos próximos anos, fique claro o quão nocivas as políticas inflacionárias são, haja vista a inflação corroendo o capital das pessoas no mundo todo e os juros que não conseguem repor o patrimônio. Seria factível imaginar o bitcoin ocupando a 10ª posição nesse ranking?
Se sua resposta for sim, saiba que isso significaria uma valorização do bitcoin de algo em torno de 5 vezes seu valor atual, ou seja, cada um dos cerca de 19.155.200 bitcoins atualmente emitidos valeria aproximados US$ 97 mil nesse cenário.
Do ponto de vista da análise técnica, considerando a repetição de tendência do bitcoin, é razoável pensar que no próximo bull run, que deverá ter início antes do halving (previsto para 2024) e seu pico em meados de 2025, veremos o bitcoin cotado entre US$ 124 mil e US$ 190 mil:
Assim, juntando a análise fundamentalista com a técnica, conseguimos estimar uma possível valorização do bitcoin nos próximos 5 anos entre 5 e 9,74 vezes a cotação atual (US$ 19.400). Nada mal.
Quando o assunto é o ethereum, no entanto, o racional é completamente diferente.
Ainda que após a política de token burn e adoção do PoS possamos ver o ethereum se tornar deflacionário, sua proposta de valor nunca esteve intimamente ligada à proposta de um novo sistema monetário.
Na verdade, o ethereum é, na sua acepção, a proposta de uma nova tecnologia, com linguagem própria, que permite a programação e execução de contratos inteligentes.
Nesse sentido, acho imprudente querer valorar o ethereum de acordo com o valor total de ativos que estão programados para rodar na rede, já que não existe correlação nenhuma entre as duas coisas. Também é, ao meu ver, incompatível sua comparação de valor com o bitcoin, já que os dois protocolos são representações tecnológicas de coisas totalmente distintas.
O melhor comparativo para o ethereum é, ao meu ver, uma big tech. A diferença é que, nesse caso, todas as “licenças de uso” (tokens) necessários para uso da tecnologia são detidas pelos usuários investidores do ethereum.
Atualmente, com o ethereum cotado a US$ 1.363, o valor total de mercado da moeda é de US$ 165 bilhões. Se comparado à Amazon (market cap de US$ 1,269 trilhões), por exemplo, vemos um potencial de valorização de aproximadamente 7,7 vezes seu valor atual.
Mas seria factível imaginar o ethereum valendo o mesmo que a Amazon num espaço de 5 anos? Para termos essa ideia, é prudente verificar a análise técnica do ethereum:
Considerando os mesmos múltiplos previstos para o bitcoin em seu próximo ciclo, conseguimos verificar um potencial de que nos próximos 5 anos o ethereum se valorize entre aproximadamente 6,32 e 9,85 vezes o seu valor atual. Em outras palavras: esperar que o ethereum chegue ao valor de mercado atual da Amazon parece possível.
A decisão
Tendo em vista o comparativo anterior, fica claro que, do ponto de vista técnico, é difícil fazer uma escolha entre bitcoin e ether.
Olhando pelo lado fundamentalista, a opção pelo ethereum pode trazer mais retornos. Entretanto, parece uma tese muito mais agressiva do que escolher uma alocação dos mesmos R$ 20 mil em bitcoins.
O segredo, portanto, está na alocação.
Sabendo que os criptoativos são, em sua acepção, muito mais arriscados que ações, por exemplo, uma boa estratégia ao escolher criptos para sua carteira é decidir uma alocação de acordo com seu perfil de risco.
Para criptoinvestidores mais “conservadores”, alocar mais recursos em bitcoin pode ser melhor. As valorizações, apesar de agressivas, não tendem a ser mais como no passado, porém ele é um dos poucos criptoativos que se mostrou resiliente a crises e com maior histórico de negociações até o momento. Seu tokenomics é extremamente previsível e sua tese de valor até hoje vem se reafirmando.
Portanto, sendo este o caso, você poderia considerar ter pelo menos 70% de seus criptoativos investidos em bitcoin, 20% em major coins (outras grandes iniciativas do mercado, como o ethereum, por exemplo) e 10% em small caps.
Contudo, se o seu perfil for de extremo risco, a lógica inversa poderá atendê-lo melhor: 30% em bitcoins e 70% divididos entre major criptos e small caps.
O importante é que, em qualquer caso, você saiba que:
- Nunca, jamais deixe de ter bitcoin na carteira;
- Cada major coin tem uma tese específica, portanto é bom que as conheça antes de investir;
- Small caps oferecem o maior risco do mercado, podendo facilmente “virar pó” pelo fato de a iniciativa não vingar. Logo, tenha cuidado!
Assim, a resposta sobre “no que vale mais a pena investir” vai depender exclusivamente de como está sua carteira hoje e qual é o seu perfil de risco como criptoinvestidor.
Mas não vou deixá-los sem resposta. Como disse no começo desse texto, meu amigo é ultra agressivo e já possui bitcoins. Portanto, sua opção foi de manter os ethereums que recebeu como forma de pagamento.
*Helena Margarido é especialista em blockchain e moedas digitais e sócia da Monett |
As informações desta coluna são de inteira responsabilidade do autor e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação.
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