O ministro da Economia da Argentina e candidato à presidência do país, Sergio Massa, anunciou na terça-feira (26) a criação do dólar “Vaca Muerta”, informou a imprensa local.

Trata-se de um câmbio especial destinado aos exportadores de hidrocarbonetos. O objetivo, informou o veículo La Nacion, é tentar lançar US$ 1,2 bilhão no mercado cambial, que servirá para aumentar as reservas do Banco Central e dar “poder de fogo” ao governo para garantir a estabilidade cambial e financeira.

Cédula de 100 pesos argentinos sobre notas de 100 dólares americanos.
Nota de cem pesos da Argentina sobre notas de dólares
17/10/2022
REUTERS/Agustin Marcarian

De acordo com a publicação, segundo fontes oficiais, a medida anunciada por Massa vai vigorar até 25 de outubro e poderá ser prorrogada até 25 de novembro, dependendo do sucesso do programa. Em contrapartida, as petrolíferas deverão respeitar o acordo de preços para o mercado local até 30 de novembro.

Objetivos

Segundo o jornal argentino Clarin, o dólar “Vaca Muerta” vai funcionar para:

O benefício, noticiou o Clarin, para as empresas do setor de hidrocarbonetos significará que elas poderão liquidar 25% das suas exportações à taxa de câmbio de liquidação financeira, sem perder o acesso ao Mercado Livre e Único de Câmbio (MULC).

Tipos de câmbio

A economia argentina convive há anos com crise financeirahiperinflação e câmbio desvalorizado. Na tentativa de evitar uma desvalorização ainda maior e a evitar a fuga de dólares do país, o governo argentino criou regras de câmbio.

Veja a seguir algumas das taxas mais usadas, segundo levantamento da Bloomberg publicado em 11 de agosto:

Oficial

Taxa: 287 pesos por dólar

A taxa de câmbio oficial é altamente restrita. Pessoas físicas só podem comprar US$ 200 por mês legalmente à taxa oficial, devem pagar três impostos que adicionam cerca de 80% ao custo.

Dólar blue

Taxa: cerca de 600 pesos por dólar

É taxa mais usada, com cotação diária, para transações em dinheiro vivo, nos fundos de lojas, bancas de jornal ou em escritórios discretos, ou algum conhecido disposta a vender seus dólares.

Blue chip

Taxa: 595 por dólar

A Argentina também tem taxas de câmbio flutuantes para investidores que compram ações e títulos. Para transações locais, é usada uma taxa de câmbio conhecida como “dólar MEP”, enquanto a blue-chip swap é utilizada para operações que terminam no exterior.

Cartão de crédito

Taxa: 523 por dólar

Usado para compras mensais abaixo de US$ 300, uma taxa de câmbio implícita que combina a taxa oficial com os três impostos cobrados nos cartões de crédito para compras em moeda estrangeira.

Dólar Qatar

Taxa: 598 por dólar

Para compras mensais acima de US$ 300 por mês, uma taxa de câmbio implícita que combina a taxa oficial com dois impostos e um terceiro tributo novo, de 25%. Ela surgiu quando milhares de argentinos viajaram ao Qatar para a Copa do Mundo, para assistir sua seleção ganhar seu terceiro mundial.

Dólar Coldplay

Tarifa: 374 por dólar

Os promotores de shows que contratarem artistas que cobram em moeda estrangeira pagarão um imposto de 30%, que é repassado aos fãs além do custo do ingresso. O nome pegou depois que a banda britânica fez 10 shows com ingressos esgotados em Buenos Aires no ano passado.

Dólar Malbec

Taxa: 340 por dólar

O dólar Malbec, também conhecido como dólar agrícola ou dólar da soja, refere-se a uma série de programas de câmbio fixo, implementados por períodos limitados no ano passado. O programa começou como uma tentativa de incitar os produtores a venderem seus estoques de soja para trazer dólares para o banco central. Atualmente, aplica-se aos produtores de sorgo, cevada e girassol, bem como os famosos vinhos.

Dólar lujo

Taxa: 575 por dólar

Os argentinos mais ricos que compram produtos de luxo como jatos particulares, carros esportivos, iates, relógios e álcool de primeira linha precisam pagar impostos adicionais de quase 100% sobre o preço dos produtos importados.

Dólar tech

As empresas de tecnologia podem reter 30% dos dólares de vendas adicionais no exterior em vez de ter que  trocar por pesos, conforme a lei anterior. Os dólares são destinados aos salários dos funcionários.

Vale a pena investir na Argentina?

Com taxas de juros elevadas para 118% ao ano em agosto e as eleições se aproximando, Danielle Lopes, sócia e analista de ações da Nord Research, explica em relatório que o mercado financeiro, que naturalmente se antecipa aos movimentos futuros, aposta na mudança de política econômica positiva, o que justifica as fortes altas da bolsa de valores local.

Homem de máscara passa em frente ao Banco Central da Argentina. Bicicleta estacionada na calçada.
Sede do BC da Argentina em Buenos Aires
16/09/2020. REUTERS/Agustin Marcarian

O Índice Merval, também conhecido como Merval 25, principal índice de mercado de ações da Argentina, acumula alta de mais de 170% em 2023, ante mais de 9% do Ibovespa.

Lopes lembra ainda que, com um índice bastante concentrado em ações que ficaram descontadas ao longo do tempo, que sofreram bastante com a economia ruim, elas se recuperam antecipadamente com uma sinalização de melhora de mercado.

De acordo com a analista, a bolsa de valores da Argentina se tornou uma das melhores defesas contra a inflação no país e que as maiores altas estão concentradas nos setores que sofreram estímulos do governo.

“O mais interessante é que as empresas que contemplam o ranking estão em setores com alto grau de impacto na economia ruim da Argentina, como energia, e o restante bastante concentrado em commodities (alumínio, aço, petróleo e gás)”.

DANIELLE LOPES, ANALISTA DA NORD RESEARCH.

Com resultados mais impactados e/ou mais voláteis, “nos parece bem claro que essa alta não é nada sustentável, complementa a analista.

Diego Hernandez, economista e especialista em investimentos e diretor da Ativo Investimentos, avalia que é possível realizar investimentos para capturar ganhos com juros e inflação na Argentina, entretanto, salienta que, além dos riscos de variação cambial, oscilação de mercado, há, sobretudo, o risco de crédito com uma grande possibilidade de inadimplência – seja do emissor soberano, seja de emissores privados.

“Para que esses riscos sejam mitigados, a melhor maneira de realizar esses investimentos é via fundos que tenham posições na América Latina e consequentemente na Argentina, assim o investidor se expõe ao risco de forma mais diversificada e com o suporte de um gestor profissional”, orienta o economista.

Olho nos resultados

Para a analista da Nord Research, investir na Argentina atualmente é buscar as “cigar butts” (bitucas de cigarro) de Warren Buffett, estratégia em que o investidor busca comprar ações a preços baixíssimos de empresas em dificuldade que deveriam valer mais do que o preço atual.

“Parece simples, mas é bastante arriscado, visto que as empresas que podem ser selecionadas não serão necessariamente as que possuem bons fundamentos, bons resultados. Boa parte das empresas possui dívida em dólar, o que gera mais imprevisibilidade quanto à solvência consequente da instabilidade da moeda”.

DANIELLE LOPES, ANALISTA DA NORD RESEARCH.

Investir na renda fixa argentina segue a mesma lógica, segundo a analista. Lopes explica que uma taxa de juros capaz de dobrar o patrimônio tão rapidamente parece atraente, mas o poder de compra é dilacerado com a alta inflação local.

 “Kit Brasil”

Lopes avalia que o “kit Brasil” é bastante interessante e ainda mais seguro que o da Argentina: “manter uma parcela do seu patrimônio em CDI e aproveitar as barganhas locais da bolsa”, recomenda a analista da Nord Research. 

Pessoa aponta para tela da bolsa de valores exibindo cotações em verde (alta) e vermelho (baixa).
Bolsa de Valores B3
28/10/2021
REUTERS/Amanda Perobelli

“A filosofia de escolha fica mais simples quando isolamos de certa forma um risco cambial, político, fundamentalista. Ainda encontramos oportunidades de empresas que entregaram ótimos resultados e estão bastante descontadas, com um risco muito abaixo do que entendemos que correríamos ao investir em empresas argentinas”, destaca Lopes.