Os maiores lucros em 70 anos ajudaram a sustentar uma onda de contratações na esteira da pandemia entre empresas nos EUA. Agora, as margens começam a encolher – e isso pode sinalizar tempos mais difíceis no mercado de trabalho.
À medida que a temporada de balanços se aproxima do fim, os dois anos de ganhos crescentes de companhias americanas parecem ter acabado. Os lucros do quarto trimestre das empresas do S&P 500 ainda são altos para os padrões pré-pandemia, mas caíram 2,3% em relação ao período anterior – a primeira queda desde 2020, segundo a Bloomberg Intelligence. As margens de lucro líquido devem diminuir pelo segundo trimestre seguido.
Quando os lucros caem, pode ser um sinal de que cortes de empregos estão a caminho, pois as empresas buscam proteger as margens reduzindo custos trabalhistas.
Mas a força dessa conexão é mais complicada do que o normal para que possa ser entendida agora. Os lucros – como tantos conjuntos de dados da pandemia – fazem parte de um território mais ou menos desconhecido, mas ainda estão perto das máximas em várias décadas, e o mercado de trabalho também tem se comportado de maneira estranha.
Trajetória importa mais
Gina Martin Adams, estrategista-chefe de renda variável da Bloomberg Intelligence, acredita que o encolhimento atual das margens corporativas possa levar a uma retração mais ampla. O nível dos lucros é importante para o emprego, mas “a trajetória é mais importante”, explica.
Adams aponta para empresas de tecnologia que registram margens mais altas do que a maioria de seus pares, mas ainda estão demitindo. Companhias de tecnologia, incluindo gigantes da indústria como Amazon.com (AMZO34), Meta Platforms (FBOK34) e Alphabet (GOGL34), controladora do Google, cortaram mais de 100 mil empregos desde novembro.
Essas medidas de corte de custos ajudaram a elevar os preços das ações do setor de tecnologia e agora “começamos a ver as demissões se espalharem um pouco” para outras indústrias, diz Adams. “Se as receitas delas continuarem caindo e não virem uma luz no fim do túnel, reagirão e cortarão custos.”
Uma coisa que pode impedi-las, porém, é a dificuldade de encontrar trabalhadores.
Com a despesa de voltar a contratar e a pandemia ainda presente na mente dos líderes empresariais, algumas companhias acumulam mão de obra, preservando o quadro de funcionários durante uma recessão esperada até que a economia volte a crescer.
O primeiro relatório de empregos de 2023 pareceu apoiar essa visão, pois mostrou que o ritmo de contratação das empresas ainda está acelerado, com mais de meio milhão de pessoas contratadas em janeiro e a menor taxa de desemprego em mais de meio século.
‘Posicionamento para a recuperação’
A indústria da construção pode ser um exemplo. O mercado imobiliário dos EUA tem sido pressionado pelos altos custos das hipotecas, mas Ken Simonson, economista-chefe da Associated General Contractors of America, diz que mais de dois terços dos membros da associação esperam aumentar o número de funcionários este ano.
“Muitas empresas provavelmente estão se posicionando para a recuperação”, diz. “No geral, a expectativa parece ser de que uma recessão será leve e curta – se houver uma.”
Em discurso no mês passado, a vice-presidente do Fed, Lael Brainard, apontou que os lucros como parcela da economia “permanecem próximos das máximas do pós-guerra”, enquanto a fatia correspondente aos trabalhadores encolheu. Ela indicou que as empresas podem desacelerar os reajustes de preços diante da menor demanda dos consumidores, e isso “pode contribuir para pressões desinflacionárias”.
“Os lucros atingiram o pico, haverá maior contenção das empresas daqui para frente, e o próximo passo é reduzir as contratações”, diz Robert King, diretor de pesquisa do Jerome Levy Forecasting Center, em Nova York. “Há uma relação rompida agora entre o poder dos lucros e as decisões de contratação. Com o tempo, essa relação vai se reafirmar.”
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