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Economia

Linha de crédito entre Brasil e Argentina tem risco de calote e depreciação

Especialistas ouvidos pelo InvestNews ressaltam que garantias de financiamento do banco devem ser rígidas com o país vizinho.

O acordo entre o Brasil e a Argentina para ampliar o comércio entre os países vem gerando diversas dúvidas e incertezas quanto à capacidade de pagamento dos nossos vizinhos. O Brasil propôs a criação de um mecanismo de pagamento por meio de uma linha de crédito do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para facilitar a exportação dos produtos nacionais.

Logo do BNDES em frente à sede do banco
Logo do BNDES em frente à sede do banco . REUTERS/Sergio Moraes

De acordo com o Ministério da Fazenda, o Brasil perdeu cerca de US$ 6 bilhões em exportações para o comércio para China, devido à ausência de meios de pagamentos alternativos.

Assim como com a China, que é a segunda maior economia do mundo, o Brasil decidiu abandonar o uso do dólar como referência em suas transações com a Argentina, uma vez que os “hermanos” enfrentam uma grave crise econômica e escassez da moeda norte-americana. O país asiático ampliou suas negociações com a Argentina, pois está viabilizando alternativas como linhas de financiamento.

Sem reserva internacional de dólares, déficits constantes em sua balança de pagamentos e dificuldade de gerar fundos para honrar seus compromissos, a Argentina, que registrou uma inflação de mais de 100% em março deste ano, não consegue itens manufaturados ou primários para abastecer sua economia.

“O maior problema que os argentinos têm hoje é referente à moeda, na qual há uma grande desvalorização, pouca demanda por atratividade, ficando muito difícil qualquer financiamento na moeda argentina. O financiamento no caso será via BNDES, via moeda brasileira, e com garantias para não ter um risco de default. O risco de calote sempre existirá, mas é atrelado a garantias de produtos, resta saber o quanto serão rígidas as garantias e quanto serão diligentes.”

Luciano Feres, economista e CFO da Somus Capital

O presidente argentino Alberto Fernández visitou o Brasil no início deste mês para fechar os últimos detalhes do acordo. Em mensagem postada no Twitter ainda durante o encontro, Lula escreveu que “Brasil e Argentina são países irmãos e teremos relações cada vez mais prósperas com um dos maiores parceiros comerciais do nosso país e da nossa indústria”.

O presidente da Argentina, Alberto Fernánde, cumprimenta o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto. Crédito: Agência Brasil

Lançado em 1998, o programa de financiamento à exportação de bens e serviços de engenharia brasileiros do BNDES foi paralisado nos últimos anos após a revelação de casos de corrupção envolvendo empreiteiras.

Quais os riscos e garantias do acordo?

Apesar do programa de financiamento não ter sido anunciado oficialmente, economistas esperam que o BNDES tenha garantias para evitar riscos de calote no pagamento, como ativos de liquidez internacional depositados pela Argentina antes do fornecimento da linha de crédito.

“Por ser feito por meio de um sistema em que há uma garantia desse pagamento por parte dos importadores argentinos para os exportadores brasileiros em reais, com garantia em algum tipo de ativo com liquidez internacional, ou seja, algum ativo que tenha valor nos principais mercados internacionais, ou seja, bolsas de futuros ou outro tipo de título que não esteja na possibilidade de ser sequestrado pelo governo argentino garantindo assim o pagamento dessa operação comercial”.

Alexandre Pires, professor do Ibmec.

De acordo com o economista Luciano Feres, retirar o dólar das negociações é um grande entrave.

“Há um risco de depreciação das duas moedas, que tem uma paridade em relação ao dólar, principalmente a moeda argentina, e isso corroer as garantias. Isso precisa ser muito bem atrelado, seja com swaps e tudo mais”, disse.

Feres ressalta que é necessário avaliar as garantias e o risco cambial para não termos calotes. E, alerta que em caso de não pagamento, o BNDES pode ter sim complicações, como no passado.

“A principal garantia necessária é um swap cambial. É ter um swap casado na moeda de troca e garantias de ativos atrelados a conta bancária, a produções, entre outros. Esse é o maior risco, a inadimplência é muito difícil de ser evitada, mas com boas garantias e um swap cambial alinhado, você mitiga esse risco.”

Luciano feres, economistA

Já Pablo Luchetta, presidente da YPF Brasil, uma empresa de exploração de petróleo ressalta a importância do exportador brasileiro não ficar exposto a uma moeda desvalorizada.

“O valor a receber, estando expressado em reais, sofreria a desvalorização ou apreciação da moeda brasileira. Se o exportador não se sente confortável com essa exposição, tem instrumentos de para se proteger, e caberá na negociação decidir quem arca com esse custo. O importante é que o exportador brasileiro não fique exposto ao peso.”

Países inadimplentes com o BNDES

Entre 1998 e 2017, o BNDES desembolsou cerca de US$ 10,5 bilhões para empreendimentos em 15 países. Desde montante, US$ 12,8 bilhões retornaram em pagamentos do valor principal da dívida e juros, até setembro de 2022, de acordo com o próprio banco de desenvolvimento.

Deste total desembolsado, 89% foram para apenas seis países, entre eles:

  • Angola (US$ 3,2 bilhões);
  • Argentina (US$ 2 bilhões);
  • Venezuela (US$ 1,5 bilhão);
  • República Dominicana (US$ 1,2 bilhão);
  • Equador (US$ 0,7 bilhão);
  • Cuba (US$ 0,65 bilhão). 

Em 2003, um conselho reduziu as taxas de juros da Argentina, Equador, Venezuela e República Dominicana. 

Três países não pagaram toda a dívida com o BNDES e estão na lista de devedores, como a Venezuela, Moçambique e Cuba, totalizando US$ 1,09 bilhão acumulado até março de 2023. Outros US$ 518 milhões devidos por esses países ainda irão vencer.

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