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Economia

‘Plano Marshall’ agora é uma bobagem, diz Mendonça de Barros

Em conversa com Samy Dana e Fabio Macedo, o economista e sócio da MB Associados diz acreditar que a recuperação da economia vai acontecer em ‘V’, só que mais envergonhado, e minimiza pânico do mercado com a crise política.

Mendonça de Barros

Não faz sentido querer lançar um “Plano Marshall” brasileiro para tirar o país da crise deflagrada por uma pandemia. Essa é a opinião de um dos economistas mais respeitados do país. Luiz Carlos Mendonça de Barros conversou com Samy Dana e Fabio Macedo, diretor comercial da Easynvest, sobre as saídas para a economia voltar a crescer. Assista aqui a íntegra da entrevista.

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Sem papas na língua, ele dispara que a agenda liberal do governo, sob a batuta de Paulo Guedes, perdeu o sentido neste momento, mas pondera que a criação de um plano conduzido pela Casa Civil para liberar as torneiras do governo, neste momento, seria uma “bobagem”. O economista aposta que o modelo keynesiano [intervenção maior do estado a economia] deve prevalecer em todo o mundo, e também no Brasil, e acredita que o próprio Guedes já reconhece a necessidade de mudar o remédio.

Sócio da consultoria MB Associados, Luiz Carlos Mendonça de Barros é engenheiro, economista, e foi presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) entre 1995 e 1998 e foi ministro das Comunicações do governo Fernando Henrique Cardoso. Na entrevista a seguir, ele diz acreditar que a recuperação da economia brasileira deve acontecer em “V”, só um “V” bem mais tímido que em países como a China, e dá seu recado para o investidor que está com medo de tomar decisões agora. Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

Como você avalia o risco de a atual tensão política agravar ainda mais o cenário de crise que estamos vivendo?

O mercado financeiro tropeça nas análises políticas de curto prazo. Ele comete o erro de trazer para a análise política valores e instrumentos de análise do mercado financeiro. (…) É evidente que [a tensão com a saída de Sergio Moro do ministério da Justiça] trouxe um desgaste muito grande para a parte de Jair Bolsonaro, mas hoje os jornais estão repletos de notícias mais calmas em relação à crise, inclusive há um movimento de confiança em Paulo Guedes [após Bolsonaro afirmar que ele é “quem manda na economia”, abafando rumores de sua saída por discordar da criação de um “Plano Marshall” lançado pela Casa Civil]. A crise de confiança do governo está praticamente estabilizada. Minha leitura é que não vai haver nenhum movimento agora. A narrativa de impeachment vai fortalecer o Paulo Guedes, que é suficientemente esperto, e o Plano Marshall já foi para o saco.

O que esperar da crise econômica a partir de agora e o que deve ser feito pós epidemia?

A doença já está dando sinais de estabilização nos próximos 60 ou 90 dias. Pegou setores mais frágeis do que outros e agora descobrimos que a Embraer está com um baita de um “pepino”, o que se chama de efeito colateral de guerra. Veremos se a doença vai permitir a abertura das economias. No quarto trimestre estaremos meio “capenga”, mas vamos ver se as economias saem dessa armadilha da queda da renda. Teremos economias mais frágeis, além de toda a tensão do desequilíbrio entre oferta e procura agora. Vai todo mundo virar “japonês” por um tempo. Há um hiato do PIB muito grande em todas economias do mercado, inflação ou deflação, porque não há pressão sobre preços. Neste momento, assumindo que a doença foi controlada e essa suplementação de renda permitiu, mesmo que aos trancos e barrancos, e a economia saísse da quarentena, agora você tem uma economia em que nada praticamente foi destruído. Por isso apareceu o Plano Marshall no passado, porque tinha que refazer a estrutura econômica.

O senhor afirmou que o BC deveria seguir uma linha mais keynesiana, para ter uma mão do estado maior na economia. O senhor acha que o governo, que tem viés liberal, adotou as medidas monetárias e fiscais corretas?

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, me surpreendeu sendo keynesiano. Eu não sabia dessa vocação. Mas todos os BCs do mundo foram nessa crise, menos alguns países da Europa. Fizeram coisas que ninguém podia imaginar, nem o Keynes. E o Roberto Campos fez o que tinha que ser feito. E o Paulo Guedes também percebeu que o discurso de contenção de gastos era para uma situação anterior e, portanto, entendeu o novo desafio e fez medidas fiscais que depois vai ter que explicar para seus amigos da PUC do Rio de Janeiro. O problema é que aqui demorou um pouco a interação entre o governo e Congresso, principalmente na questão dos estados e municípios. O Guedes tinha um projeto liberal e percebeu que não era hora de insistir naquilo. O problema é que os militares olharam para a Europa depois da Segunda Guerra e acharam que é a mesma coisa, o que não é verdade. Nossa estrutura produtiva continua a mesma.

O que vai precisar mais à frente é de um segundo estímulo keynesiano clássico para um ciclo da economia que está lá embaixo. O setor privado sozinho não consegue navegar. O governo tem que ter estímulo para aí sim reagir e navegar. Não é agora. É uma bobagem o Plano Marshall no Brasil pelo nome, origem e momento, mas algo vai ter que ser feito lá na frente. A recuperação da China vai ser mais fácil porque o governo chinês vai fazer o que já fez no passado e os outros países vão depender da intensidade desse segundo pacote de estado. É absolutamente fora de propósito pensar em medidas fiscais agora, porque a dívida vai a 100% do PIB. Vamos ter que pensar em uma nova rodada de reformas para estabilizar a dívida federal quando a economia começar a crescer. Esse plano maluco nao tem nada a ver com o problema. Acho que o Guedes vai ter condições de amolecer o presidente dizendo que não é agora que se deve gastar, mas lá na frente quando a economia voltar a crescer, certamente teremos que fazer alguma coisa. É isso o que eu vejo em outros países.

Como você vê a nova dinâmica mundial entre os países em relação à China?

A China assustou porque, primeiro, tiveram competência para lidar com a doença no começo, que só uma ditadura teria. Deu certo. E segundo, a indústria de medicamentos e equipamentos da China é muito superior à do Ocidente e, para completar a paranóia, tem uma empresa chinesa que tem interesse na Embraer. Nada será como antes na relação da China com o mundo ocidental e, portanto, o risco da dependência da China é bem maior que um eventual ganho de produtividade das empresas ocidentais. A tal da globalização como conhecemos é um dos efeitos colaterais da crise que vivemos, porque mostrou que a China só vai ficar mais potente. Precisamos chegar lá e, para isso, precisamos saber qual é o problema. O primeiro é o pânico financeiro. Isso tem um paradigma. Os BCs já agiram e não tem mais o pânico, só o efeito colateral. Tem outros problemas como de crédito, mas os governos estão tomando medidas. Os EUA aprovaram um segundo pacote de estímulos, o dinheiro já sumiu e vão fazer o terceiro. Vai depender da ação de cada governo. Os EUA ainda têm eleição no meio do caminho antes dessa terceira fase e ninguém sabe o que vai acontecer.

 O senhor acredita que a recuperação da economia brasileira vai ser em “V”, como previu o Paulo Guedes?

Acho que no Brasil a recuperação vai acontecer em “V”, mas não como na China. É um “V” envergonhado, com os problemas que temos aqui. Se no ano que vem vai subir 3%, não vai subir na mesma intensidade que caiu. Mas se o governo fizer um plano para lidar com esse “V” nos próximos três ou quatro anos, aí as coisas voltam a funcionar. Vamos estar com a linha da economia potencial tão baixa que vamos começar a subir. Já fizemos isso, se olhar o começo do governo Temer com o Henrique Meirelles [ex-ministro da Fazenda], que pegou a economia com ciclo lá embaixo e começou a crescer, depois foi paralisado com o escândalo da JBS. E agora tínhamos tudo pra crescer e fomos atropelados pela pandemia. Esse ano já está perdido. E vamos ver que tipo de ação keynesiana o Guedes vai fazer para aproveitar o hiato do PIB e fazer a economia crescer de novo.

Qual a sua mensagem para o investidor que está com medo agora?

Dont’ panic. O capitalismo não acaba, o mundo não acaba e esses momentos, se o sujeito tiver capacidade de entender o que está acontecendo, são momentos importantes. Agora não creio que vai ter impeachment, não acho um problema para o mercado financeiro. Se acontecer, é no ano que vem e vamos olhar mais para a questão deste cenário e ter certeza de que a abertura da economia será de maio para frente e daí vai começar a funcionar. Mas é bom tomar cuidado porque está cheio de corpo boiando depois dessa crise.

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