O dólar saltou mais de 2% nesta quarta-feira (24) e registrou a maior alta diária em seis meses, voltando a ficar acima de R$ 5,60, num movimento puxado pela piora da percepção de risco relacionado ao Brasil à medida que a pandemia explode no país e ameaça a perspectiva de retomada econômica e de debate sobre reformas.
O Morgan Stanley rebaixou a previsão de crescimento da economia brasileira de 4,3% para 3,5% em 2021, citando impactos justamente do agravamento da crise sanitária, além da persistente incerteza fiscal e, agora, inflacionária.
Com o rali desta sessão, o dólar zerou as perdas acumuladas desde a semana passada, quando o Banco Central surpreendeu ao elevar os juros em ritmo mais forte que o imaginado.
O dólar à vista fechou esta quarta cotado acima de R$ 5,63. A alta de mais de 2% é a mais forte desde setembro de 2020. A moeda mostrou grande oscilação entre a mínima (na casa dos R$ 5,49) e a máxima (acima de R$ 5,64).
Mas a menor cotação do dia foi registrada logo no começo do pregão. Já na sequência, o dólar entrou numa gradual e estável rota ascendente, alcançando os picos intradiários já perto do encerramento dos negócios no mercado à vista.
“Existe um incômodo com fiscal, dívida e a pandemia em aceleração”, disse Joaquim Kokudai, gestor na JPP Capital. “A percepção do estrangeiro em relação ao Brasil realmente está ruim”, completou.
Evidência disso, segundo o gestor, foi mais um dia de salto nas taxas de juros dos contratos de DI da B3, que chegaram ao fim da tarde em altas de até 30 pontos-base.
A inclinação entre os DIs janeiro 2027 e janeiro 2023 – uma medida de percepção de risco – saltou a 212,5 pontos-base nesta quarta, de 201 pontos-base da terça e bem acima do nível de 170 pontos-base do dia 18 de março, quando o prêmio de risco na curva caiu após o BC elevar inesperadamente a Selic em 0,75 ponto percentual, para 2,75% ao ano.
Mesmo o Ibovespa, que resistiu em alta durante boa parte da sessão, acabou virando para queda de 1,06% no fechamento.
O mal-estar no mercado brasileiro também teve componente externo, já que as praças em Wall Street caíram e o dólar subiu frente a uma cesta de rivais, mas a intensidade das perdas aqui voltou a ser maior. O real teve, de longe, o pior desempenho no mundo nesta quarta, e o Ibovespa contrariou o sinal da maioria de seus pares latino-americanos, que fechou em alta.
Causou ruído decisão do Ministério da Saúde de promover mudanças em registros de morte por Covid-19, suspensa posteriormente devido a pressão de governadores.
A tentativa de alteração pela pasta ocorreu no dia seguinte à divulgação de que o país contabilizou pela primeira vez mais de 3 mil mortos em 24 horas por Covid-19, aproximando-se da marca de 300 mil vítimas. O Brasil é hoje o epicentro global da pandemia e tem causado preocupação entre autoridades de saúde e governos de todo o mundo devido à incapacidade de controlar a disseminação da doença.
Mais cedo, após reunião entre os chefes dos Poderes, ministros e governadores, o presidente Jair Bolsonaro anunciou a criação de mais um comitê, com a responsabilidade de definir as ações do combate à epidemia de Covid-19, em coordenação com os governadores.
Mesmo depois do discurso da noite da véspera, em que se mostrou favorável às vacinas, ainda há dúvidas no mercado sobre em que medida o presidente adotará uma postura mais combativa em relação à crise sanitária.
Na avaliação de profissionais do Barclays, o Brasil está hoje envolto na intensificação de três crises – aceleração da pandemia, deterioração de perspectivas de crescimento e crescente risco de ruptura fiscal -, com fator adicional vindo do ressurgimento do ex-presidente Lula na cena política.
O banco privado ainda vê chances de o real se apreciar no período de três a seis meses, mas estima que o alívio durará pouco, com a moeda voltando a sofrer no quarto trimestre à medida que discussões sobre o Orçamento de 2022 e o teto de gastos antes das eleições de 2022 ganhem tração. A previsão é que o dólar feche 2021 em R$ 5,50.