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Economia

Risco fiscal, inflação controlada e juros baixos: como fica a economia em 2021?

A recuperação da economia deve acontecer, mas especialistas avaliam que será insuficiente para superar as feridas deixadas em uma década perdida.

2021

O ano se aproxima do fim após atravessar por uma das piores crises econômicas da história. Segundo um levantamento da MB Associados, em 2020 o PIB per capita (PIB dividido pelo número de habitantes do país) voltou ao patamar de 2009, de R$ 33 mil ajustado a preços de 2019, enquanto a dívida pública brasileira – no patamar de R$ 4,788 trilhões até novembro – exigirá uma resposta do tamanho da crise de 2015/2016, que levantou a necessidade da reforma da Previdência para solucionar o rombo nos cofres públicos.

Nesse contexto, o ano de 2021 deve chegar com tom de esperança em torno da recuperação econômica, mas ainda muito fragilizado pelas consequências da pandemia, apresentando um crescimento incapaz de tirar o Brasil do buraco no qual afundou nos últimos anos.

Sérgio Vale, economista da MB Associados, projeta um crescimento do PIB de 2,6% para 2021. Ele avalia que o primeiro semestre ainda deve ser ruim pela ausência da vacinação em massa da população contra a covid-19 e o fim dos pagamentos do auxilio emergencial. A verdadeira recuperação deve ocorrer no segundo semestre, acredita. “A população responsável pela produtividade do país será vacinada e teremos a retomada do setor de serviços”, explica.

Para Silvio Campos Neto, economista da Tendências Consultoria, o Brasil até tem chance de ter uma década melhor nos próximos anos, isso se focar em mudanças estruturais como as reformas (previdência, administrativa, trabalhista), e em oportunidades como a abertura do setor de saneamento.

Embora considere a recuperação de 2021 como parcial e frágil, Campos enxerga um crescimento do PIB de 2,9% no próximo ano. Veja as projeções de outras consultorias entrevistadas pela reportagem:

Segundo a Tendências Consultoria, o cenário internacional também deve ser favorável para impulsionar a recuperação do Brasil, com maior liquidez global, taxas de juros baixos e menos risco com o democrata Joe Biden na presidência dos Estados Unidoss, enquanto a China, principal parceiro comercial do Brasil, se recupera com força na economia. “Apenas a questão ambiental, onde não estamos muito firmes, pode gerar conflitos”, aponta Campos.

Porém, o verdadeiro perigo para a economia brasileira está no cenário doméstico, com o risco fiscal. Os economistas avaliam que o governo ainda não apresentou nenhum plano consistente para controlar os gastos públicos em 2021. No próximo ano e com as eleições presidenciais em 2022, a baixa popularidade de Jair Bolsonaro e da equipe econômica de Paulo Guedes no Congresso pode impedir a aprovação de um plano fiscal mais robusto.

Risco fiscal será o ponto fraco

De acordo com quatro consultorias econômicas procuradas pelo InvestNews, o risco fiscal foi eleito o “calcanhar de Aquiles” brasileiro e a principal ameaça para a recuperação econômica, podendo até ser pior que a atual.

Segundo Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, uma saída para o governo mudar a situação de endividamento do Brasil seria um bom plano de concessões e privatizações. Contudo, a aprovação ficou para o próximo ano, uma situação que ele avalia como delicada porque depende de novas lideranças que serão escolhidas para a Câmara e o Senado (anunciadas em janeiro).

“O governo tem feito o possível para que estas novas lideranças sejam as mais alinhadas com este plano [de privatizações], mas a melhor forma de avaliar o futuro fiscal será com o apoio destes”, afirma Agostini.

Fabio Silveira, sócio-diretor da MacroSector consultores, explica que a dívida pública brasileira é um problema estrutural de muitos anos e que 2021 não seria suficiente para corrigir os conflitos fiscais. No entanto, ele acredita que os investidores internacionais estarão atentos à capacidade do Brasil organizar suas contas. “Ao longo do primeiro semestre, o país precisará dar uma satisfação, se não os mercados vão começar a olhar o Brasil com desconfiança”.

Para que o Brasil comprove que tem capacidade real de honrar as suas dívidas, Silveira explica é necessário a execução de orçamento público no longo prazo, e criar uma política fiscal sustentável e crível para os próximos anos, independentemente da troca de governo.

Mas o grande temor do mercado é: caso Bolsonaro seja reeleito, sua força política seria o suficiente para aprovar uma reforma mais impopular que a da Previdência até 2023? Ou um novo mandatário teria capacidade de levar adiante uma reforma destas?

Afinal, o Brasil tem tempo suficiente de pensar em reformas mais profundas até a eleição de 2022?

Quem volta primeiro?

Segundo os especialistas, 2021 deve se caracterizar pela retomada do setor de indústria e serviços, que foram bastante afetados durante a pandemia por conta da paralisação das atividades.

Agostini acredita que este movimento deve ocorrer a partir do mês de maio, com o avanço da vacinação e as pessoas se sentindo mais confiantes para viajar ou frequentar bares e restaurantes. Com os comércios, redes hoteleiras e turismo voltando, novos empregos surgem e os brasileiros começam a gerar renda.

Além da retomada dos serviços, a indústria também deve voltar com força em maio, se beneficiando especialmente da taxa de juros baixa e estimulando a produção de bens como veículos, imóveis, que em consequência movimentam outros setores da economia. “Para fazer um veículo você precisa de aço, borracha, vidro, comércio (concessionárias) e peças para reposição. É um grande movimento setorial”, explica Agostini.

Segundo a Tendências Consultoria, a indústria como um todo deve ter um crescimento de 5% no Brasil em 2021. Puxada principalmente pela produção de veículos automotores, que devem reduzir seus problemas de estoque no próximo ano e reaquecer com o crescimento do crédito e juros atrativos.

Outro destaque será a indústria extrativa, com potencial para as companhias de petróleo, minério de ferro e o agronegócio por causa da demanda chinesa.

Ainda entre os setores que lideram a retomada está a construção civil. Os brasileiros devem usufruir da percepção de juros baixos para financiar imóveis.

Silveira, da MacroSector Consultores, reforça que os principais sustentáculos da recuperação econômica em 2021 serão:

  • O aumento do crédito: com projeção de crescimento de 10% em 2021 e acompanhando os juros baixos, impulsionado principalmente pelo crédito pessoal, financiamento de veículos e imobiliário, e cartão de crédito.
  • Rendimentos dos brasileiros: seja pelos salários ou por injeção de recursos na economia, como um auxílio emergencial em menor proporção.

Projeções para 2021

O consenso dos especialistas é que a inflação deve permanecer sob controle em 2021, e não representará um conflito para a economia brasileira desde que o Banco Central acompanhe o indicador e reajuste os juros. As projeções das consultorias apontam o IPCA entre 3,75% até 4,50% para o final de 2021, enquanto a Austin Rating enxerga a inflação em 6,5%.

Segundo Vale, da MB Associados, no primeiro semestre a inflação pode ser pressionada por fatores diversos, entre eles:

  • choque das commodities (com aumento da demanda chinesa)
  • valorização do dólar
  • pressão no segmento de alimentos
  • falta do auxílio emergencial

Esta situação deve melhorar no segundo semestre, com possível aumento da taxa de juros que deve conter a inflação acelerada, segundo ele.

A economia que estava funcionando abaixo do potencial, com desemprego elevado e serviços fechados, deve recuperar seu fôlego, fazendo a inflação desacelerar, aponta Vale.

Em 2021, também deve ocorrer a normalização dos preços em diversos setores, o Brasil retoma a sua produção interna e as empresas começam a reduzir o repasse dos seus custos nos produtos, na visão da MB Associados.


Para a taxa Selic, a expectativa é de uma leve alta dos juros a partir do segundo trimestre de 2021. Os especialistas projetam os juros entre 3,5% ao ano e 4,75% no final do próximo ano, enquanto a MacroSector acredita que eles devem permanecer em 2% mesmo com a alta da inflação.

Entre os motivos que propiciam esta alta, Vale destaca a economia brasileira saindo da recessão, a proximidade do cenário eleitoral em 2022 que deve pressionar também o câmbio e a necessidade do Banco Central monitorar a inflação.

Segundo os especialistas, uma taxa de juros em 3,5% ao ano ainda é historicamente baixa para o Brasil. Entre os efeitos, o financiamento imobiliário pode crescer com a população se antecipando a alta dos juros.

Por outro lado, um efeito negativo apontado por Vale é o aumento da inadimplência, com famílias perdendo o auxílio emergencial e juros baixos, a procura por crédito deve ser maior, mas com a correção nas taxas o descontrole pode ser inevitável.


Olhando para o mercado financeiro, os economistas não enxergam uma ameaça na alta da Selic, considerando que a renda fixa ainda permanece fragilizada, sem muitas vantagens sobre inflação.

Agostini, da Austin Rating, destaca que a renda variável, especialmente a bolsa de valores não deve sentir os impactos. Com empresas se recuperando e lucrando mais, muitos investidores vão preferir a compra de ações ou enxergar oportunidades nas aberturas de capital (IPO). “A bolsa deve encerrar 2021 com 6 milhões de investidores e acima dos 130 mil pontos”, projeta. O economista está confiante no fluxo de investidores nacionais e estrangeiros.

E o câmbio?

O dólar, que chegou ao patamar de R$ 6 em 2020, pode passar por um movimento de desaceleração em relação ao real em 2021, favorecido principalmente pela recuperação econômica global e a injeção da moeda americana, graças ao pacote de estímulos e o governo Biden.

Contudo, no Brasil a queda do câmbio não é menor por causa do risco fiscal, que ainda pressiona o real frente ao dólar. A projeção das consultorias para 2021 é o dólar no patamar entre R$ 4,85 e R$ 5,50 no final do próximo ano.


Segundo Mauriciano Cavalcante, diretor de câmbio da OuroMinas, o dólar deve sofrer variações em cada trimestre, acompanhando o sucesso da vacina contra a covid-19 e a retomada das viagens internacionais.

No cenário doméstico, o risco fiscal pode valorizar a moeda americana, dependendo da aprovação do plano de privatizações e concessões no Congresso.

No cenário internacional, Cavalcante destaca apenas a questão ambiental que pode pressionar o Brasil e suas exportações gerando um sentimento de risco.

Segundo o diretor de câmbio, as projeção pode mudar a cada quatro meses:

  • No primeiro quadrimestre do ano, o dólar deve permanecer estável no patamar de R$ 5,05 a R$ 5,20, de olha na eficácia das vacinas.
  • No segundo quadrimestre, o dólar começa a sofrer ajustes e reduz sua diferencia frente ao real, no patamar de R$ 4,50 a R$ 4,70.
  • E no último quadrimestre, a projeção de Cavalcante é que fechemos 2021 no patamar de R$ 4,24.

No entanto, o progresso não se mantém em 2022, por causa das eleições presidências. “É difícil projetar ainda a oscilação, mas 2020 será um ano conturbado que pode puxar o dólar de volta aos R$ 6”, afirma.

Problemas estruturais

Mesmo com a melhora de alguns indicadores econômicos, o Brasil ainda carrega um fardo de problemas estruturais que impactam especialmente os mais pobres. Um deles é o desemprego, que deve permanecer em patamares elevados em 2021, apesar da retomada dos empregos formais.

“Com a recuperação dos serviços, indústria e varejo, muitos empregos com carteira serão gerados, mas infelizmente são insuficientes para inserir os mais de 14 milhões de desempregados”, explica Campos, da Tendências.

Ele reforça que da mesma forma que ainda não há um plano concreto para enfrentar o risco fiscal, não existe um planejamento para lidar com o desemprego.

Agostini, da Austin Rating, destaca que outro problema estrutural que deve permanecer sem solução é a desigualdade, porque até o momento nenhum governo na história brasileira foi capaz de criar um plano que supere os mandatos de 4 ou 8 anos e diminua a desigualdade de renda, emprego, e educação. “A distância entre a riqueza e a pobreza não mudou nos últimos 200 anos e infelizmente deve permanecer assim nos próximos governos”, afirma.

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