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‘Como explicar para o negro da periferia o que é Goldman Sachs e Morgan Stanley?’

Gabriel Souza, um dos fundadores do Black Finance (projeto que forma jovens negros para o mercado financeiro), diz que muitos nem sabem que a Faria Lima existe.

Gabriel Souza
Gabriel Souza, co-fundador do projeto Black Finance |Foto: LinkedIn

“Não queríamos essa publicidade. Estamos na Faria Lima e temos medo desse holofote, sendo que é um programa em que estamos ainda testando, vendo como funciona”. Com essa frase, Gabriel Souza, um dos fundadores do Black Finance – um movimento que tem como missão promover a diversidade no mercado financeiro, começou a entrevista ao InvestNews.

Ele, juntamente de seus três amigos, Victor Satiro, Matheus Cruz e Eduardo Nascimento tiveram a iniciativa de promover um projeto que tem por objetivo levar os conhecimentos do mercado financeiro aos jovens pardos e negros cursando alguma faculdade ou recém-formados. 

O pontapé inicial para o Black Finance foi o sentimento de indignação por tentar entender qual é a barreira de entrada para jovens negros ingressarem em bancos de investimento.  “Sempre que nos encontrávamos, comentamos que não conhecíamos mais ninguém do nosso meio em que estivessem inseridos no mercado financeiro”, relembra Gabriel. 

Entre os amigos, o mais novo – Victor, bolsista no Insper em administração e morador de uma favela no ABC paulista, foi um caso real de quem não fazia ideia do que seria o mercado financeiro dois anos antes. Não fosse pela orientação de carreira feita pelo amigo Gabriel, já inserido nesse meio há pelo menos três anos, seu destino poderia ser bem diferente do que está sendo traçado até então. 

“Eu o levei no Insper e disse: “essa aqui é a sua universidade. Um ano depois, o Victor ganhou uma bolsa integral”. 

Segundo Gabriel, a emoção do amigo em ganhar uma bolsa em uma das instituições privadas mais renomadas do país o fez querer retribuir para mudar a vida de pessoas que vieram do mesmo lugar que eles. 

Então em abril do ano passado foi criado o Black Finance. Eduardo Nascimento, de Diadema, analista no Morgan Stanley e formado em economia na USP;  Matheus Cruz, de Guarulhos, hoje no Goldman Sachs e engenheiro formado na UFABC; Gabriel Souza, da Virgo Inc, cursando administração no Mackenzie e Victor se uniram e elaboraram o programa que tem hoje três pilares principais: educação, mentoria e mercado de trabalho.

Os alunos do programa recebem a educação introdutória, como contabilidade, matemática financeira e valuation, para que não cheguem “perdidos” no mercado, diz Gabriel. 

Um programa de mentoria também é oferecido – sendo este um dos pontos-chave do programa. E por fim, o programa coloca os alunos em contato com as instituições. 

“Não prometemos emprego para ninguém, apesar de querermos que todos saiam da mentoria empregados. Porém, o que prometemos é muita luta. Já conseguimos chamar atenção de algumas instituições e isso é apenas um degrau”.

“Acreditamos que o mercado financeiro ainda é um dos que têm os maiores holerites de São Paulo. E se pegarmos uma pessoa que mora na favela, colocamos ela dentro do Insper, dentro de um banco de investimentos, o seu salário será o maior da família. Isso muda a vida dele, muda o relacionamento em que está inserido, muda os filhos dele, muda a educação da casa dele, então a ideia é pensar que a educação pode te levar a lugares inimagináveis e que te levam a uma maior remuneração”. 

Gabriel Souza, co-fundador do Black Finance


Com carreiras em paralelo ao trabalho de treinamento de jovens, Gabriel ressalta que nem ele nem seus amigos vieram de famílias ricas ou tinham posses para se preparar para o mercado financeiro.

“Apesar de nossa realidade ser muito diferente hoje, ainda tenho conhecidos que nem fazem ideia de que São Paulo tem uma rua só de bancos ou de que há outros bancos além de Santander, Itaú e Bradesco. E por isso que nossa ideia é aproximar o jovem negro da periferia e mostrar pra ele que é possível. O problema é que muitas vezes eles não se sentem identificados. Muitos nem pensam em tentar passar num trainee de grandes bancos. O racional deles é de se pouparem da frustração de não passarem em um processo seletivo ao competirem com playboys que fizeram intercâmbio”.

O curso

Com 14 alunos pardos e negros inscritos, meninas ainda são minoria: apenas três fazem a mentoria do Black Finance, cuja duração é de dez semanas. As aulas começaram em janeiro deste ano de forma remota, sendo esta a primeira turma. Os jovens são recém-formados ou ainda cursam graduações, como direito, administração, economia e relações internacionais. A maioria é da grande São Paulo. 

Para aproximar jovens da Faria Lima, o programa traz mentores de bancos de investimento ou outras instituições para se aproximarem dos alunos. E cada aluno tem dois mentores com olhares e históricos distintos – até para criar uma identificação e observar as diferenças do mercado. 

“Nós criamos um match interno entre o mentor e o mentorado. Suponha que um aluno sonhe em trabalhar em um banco de investimentos americano. Então tentamos que um dos mentores dele tenha trabalhado ou trabalhe em um banco de investimento americano”.

A ideia do Black Finance é aumentar o projeto para assim estimular a inserção de negros no mercado financeiro em todas as pontas.

As instituições estão abertas à diversidade? 

Segundo Gabriel, as instituições estão mais abertas à diversidade em seus quadros – seja por “livre e espontânea pressão”, como não.

De acordo com o estudo “DE&I Pós 2020: Progresso Real ou Ilusão?”, feito pela Korn Ferry, empresa global de consultoria organizacional, 85% das empresas aceleraram seus esforços em diversidade e inclusão nos últimos 12 meses, sendo 46% delas progressivamente. A pesquisa analisou informações de 250 empresas no Brasil, de diversos setores. Apenas 14% das organizações avaliam que seus esforços em diversidade e inclusão estão sendo muito efetivos.

Porém, analisando as companhias que oferecem algum programa de formação para negros, é necessário ser feita uma varredura com uma lupa.

Muito se fala sobre a dificuldade em encontrar profissionais qualificados negros, mas pouco se faz para formar esse profissionais. Vejo que é uma dificuldade que as companhias têm em saber onde achar essa pessoa. No Brasil, copiamos muito o modelo de seleção de RH dos EUA – onde o melhor profissional é aquele com mais línguas fluentes, tem a melhor universidade no currículo, é o mais envolvido em projetos. Mas será que este é o melhor ‘match’ para essa companhia?”, indaga Gabriel.

Segundo o co-fundador do Black Finance, a grande dificuldade é como as instituições podem mudar isso, e uma forma disso acontecer seria uma maior aproximação de coletivos negros, fazer uma análise quantitativa do número de pessoas negras formadas nas universidades ‘targets’ (reconhecidas por sua formação para profissionais do mercado financeiro), e por que esses universitários negros não se identificam com o mercado financeiro.

“Se uma instituição quer atrair a comunidade negra e periférica mas exige que a pessoa tenha inglês e espanhol fluente, Excel avançado, Power Point, que experiência seja um diferencial, fica impossível atrair esse perfil”.

Segundo Gabriel, a população negra não teve acesso a estas exigências e nem sabia pouco tempo antes o que era o mercado financeiro. E se há tanta dificuldade em encontrar esse perfil, uma maneira para vencer isso é oferecer capacitação profissional e os RHs mudarem sua comunicação e exigências.

Como explicar para o menino da periferia o que é o Goldman Sachs, o que é o Morgan Stanley, que o Itaú tem um banco chamado Itaú BBA e que é um banco de investimentos que não tem nenhuma agência? Isso também deve partir das instituições“.

Meritocracia

Para Gabriel, quando analisado o termo meritocracia sob a ótica da sociedade, não é porque alguém se esforça mais que terá as mesmas oportunidades ou o mesmo resultado do que uma pessoa com boa formação e melhores oportunidades. “Alguém que não demorava duas horas e meia pra chegar em casa, que estudou no Dante Alighieri, no Porto Seguro, no Santa Cruz, não se deparou com as barreiras de quem estava na outra ponta. Nas instituições, a meritocracia é verdade, mas na sociedade, não é bem assim”. 

“O grande problema, é: como acessar as instituições financeiras se não tenho a formação necessária para chegar nelas, como mostrar meu trabalho, me esforçar e receber todo o mérito do que eu estou entregando? O mercado financeiro é reconhecido por premiar bem quem entrega bons resultados, mas o problema é como ingressar nele sendo um jovem negro da periferia”.

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