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Finanças

Apesar de desistências, número de IPOs em 2020 já é o maior em 13 anos

Segundo a B3, pelo menos 24 ofertas iniciais de ações já foram registradas neste ano até agora.

leungchopan

Apesar do crescente número de empresas que desistiram de abrir capital na B3 este ano, a quantidade de operações realizadas até o momento já é a maior desde 2007. Apenas em fevereiro, quatro companhias — Mitre (MTRE3), Locaweb (LWSA3), Moura Dubeux (MDNE3) e Priner (PRNR3) — fizeram suas ofertas públicas iniciais de ações (IPO, na sigla em inglês), contra somente cinco — Vivara (VIVA3), Banco BMG (BMGB4), C&A Modas (CEAB3), Neonergia (NEOE3) e Centauro (CNTO3) — em todo o ano de 2019, segundo dados da B3.

No dia 9 de novembro, 38 empresas estavam na fila de análise da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) à espera do registro para fazerem seus IPOs. Na mesma data, já eram 24 ofertas iniciais de ações concretizadas na B3, com um volume de R$ 36,7 bilhões. A título de comparação, o número só não é maior que o recorde de 2007, quando foram feitas 64 operações do tipo.

Veja abaixo as aberturas de capital já realizadas em 2020 na B3:

EMPRESASETORDATA
MITRE REALTYIncorporações03/02/2020
LOCAWEBProgramas e Serviços04/02/2020
MOURA DUBEUXIncorporações11/02/2020
PRINERServiços Diversos13/02/2020
ESTAPARServiços Diversos13/05/2020
AURA 360Minerais Metálicos02/07/2020
AMBIPARÁgua e Saneamento09/07/2020
GRUPO SOMATecidos. Vestuário e Calçados29/07/2020
D1000VFARMAMedicamentos e Outros Produtos06/08/2020
QUERO-QUEROProdutos Diversos06/08/2020
LAVVIIncorporações31/08/2020
PAGUE MENOSMedicamentos e Outros Produtos31/08/2020
PETZProdutos Diversos09/11/2020
PLANOEPLANOIncorporações15/09/2020
MELNICKIncorporações24/09/2020
HIDROVIASTransporte Hidroviário23/09/2020
CURY S/AIncorporações17/09/2020
BOA VISTAServiços Financeiros Diversos28/09/2020
SUZANOPapel e Celulose01/10/2020
SEQUOIAServiços Diversos05/10/2020
GRUPO MATEUSAlimentos08/10/2020
TRACK FIELDVestuário22/10/2020
MELIUZCashback03/11/2020
ENJOEIVarejo online05/11/2020

Fonte: B3

O ano de 2020 já era esperado como o ano dos IPOs. Existia uma expectativa de que o crescimento da economia brasileira seria mais robusto. Além disso, o Ibovespa, principal índice da B3, chegou perto dos 120 mil pontos em janeiro. O cenário favorecia a retomada da euforia vivida no ano de 2007, quando 64 empresas abriram seu capital na bolsa de valores brasileira, de acordo com a B3.

Apesar de este ano começar bastante movimentado, a pandemia do novo coronavírus acabou paralisando o mercado de capitais várias vezes. Somente este ano, a Bolsa brasileira acabou registrando seis circuit breakers, ou seja, parada das negociações. Esse mecanismo é utilizado em momentos de turbulência no mercado, quando o Ibovespa registra queda acima de 10% e os negócios são congelados com o objetivo de evitar um desabamento ainda maior da Bolsa.

Mesmo com a turbulência vivida pelo mercado financeiro desde março devido à pandemia, com o Ibovespa fechando o mês de março acumulando uma queda de 29,90%, aos 73.019 pontos, a pior em 22 anos, o principal índice da B3 passou a retomar gradualmente sua recuperação.

Já a Selic, a taxa básica de juros da economia, vinha em uma sequência de cortes consecutivos desde de julho de 2019, chegando em seu patamar mínimo histórico de 2% ao ano em agosto de 2020. Com a taxa de juros em suas mínimas históricas, aumentou o apetite do investidor por ativos de maior risco e com um potencial de maior rentabilidade.

Esse cenário se refletiu na B3, que teve recorde em março no número da sua base de CPFs registrados como investidores, atingindo 2,24 milhões de pessoas físicas na bolsa brasileira, que investiram R$ 17,6 bilhões em ações. Foi somente em julho de 2019 que a B3 alcançou o primeiro milhão de investidores, após anos de espera para chegar neste patamar. E, dentro de alguns meses, foi possível ver esse número mais que dobrar. Dados mais recentes da B3, do mês de outubro, apontam um total de 3,1 milhões de pessoas físicas na bolsa.

Com isso, houve uma corrida de empresas para fazerem seus IPOs. Para o doutor em finanças e professor da FGV Fabio Gallo, as empresas estão abrindo capital justamente pelo cenário de juros baixos e inflação controlada. Segundo ele, isso permite fluxo de investimentos dedicado ao mercado de capitais e não mais somente para a renda fixa. “Esse boom atual é algo positivo e veio, sim, para ficar, desde que mantida as condições econômicas de taxa de juros mais baixa”, disse. Ele ainda avalia que a manutenção desse cenário vai depender muito da retomada da economia no momento pós-pandemia e do rigor sobre como o governo vai tratar a questão fiscal. 

Por que uma empresa faz IPO?

A oferta pública inicial de ações marca a primeira venda de ações de uma empresa e, posteriormente, as negociações de suas ações em bolsa de valores.

Uma empresa realiza um IPO como uma possibilidade de levantar recursos para novos negócios, expansão, reestruturação financeira, sem precisar assumir um empréstimo convencional, por exemplo, tornando sua sociedade de forma pública.

Porém, o IPO não acontece de forma tão rápida e fácil. É um processo caro, complexo e burocrático. De acordo com Gallo, se considerar o processo total para uma empresa estar em condições de fazer esta operação, usualmente leva anos. “A empresa tem que se estruturar, criar conselhos, estar exposta, ter processos de auditoria externa”, explicou.

Além de todo o processo para a realização do IPO, ainda existe a imprevisibilidade do sucesso das novatas na B3. Anderson Luz, sócio-diretor da Mont Capital Asset, avalia que é difícil afirmar o sucesso de todas as empresas que abriram capital. Segundo ele, notavelmente algumas são sólidas em seus setores e outras nem tanto, mas isso não é certeza nem para a empresa consolidada em seu setor de atuação, pois renda variável é imprevisível.

“Nosso conselho para o investidor é buscar empresas com histórico de sucesso financeiro, consolidadas no seu setor de atuação, e de empresas que prezam por ótima governança corporativa”, destacou.

IPO de sucesso

O maior IPO de 2020, até o momento, foi o da varejista Grupo Mateus (GMAT3). O quarto maior atacarejo do país, hoje com 137 lojas e atuação no norte de nordeste do Brasil, realizou abertura de capital em outubro, com arrecadação de R$ 4,63 bilhões.

Para Henrique Castro, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EESP), o Grupo Mateus é uma empresa grande, tem boas margens de lucro históricas para a área que atua, além de ser uma companhia de uma região que, tradicionalmente, não tem empresas abrindo capital na B3.

Ele avaliou que o tamanho do IPO do Grupo Mateus foi maior que a média, além de boa parte da emissão ter sido primaria. “A ideia era fomentar o crescimento da empresa. É um grupo que está investindo em aumentar seu tamanho, em aumentar o valor da empresa. Então, de certa forma, é um bom sinal. O IPO foi bem sucedido também por essas razões”, explicou a empresa ao InvestNews.

Henrique Castro destaca que o Grupo Mateus chamou a atenção dos investidores no IPO por mostrar para o mercado um bom pacote de números. “É uma empresa grande, está presente em alguns Estados, faturou R$ 8 bilhões por ano, com lucro de R$ 400 milhões e que queria fazer um IPO para o grupo crescer ainda mais”, disse. Para ele, esses fatores motivaram o mercado a acreditar no sucesso da empresa.

O professor da FGV avaliou ainda como positiva a chegada de um grupo novo à B3 como uma possibilidade de diversificação aos investidores e de estimular empresas de outras regiões a abrirem seu capital. “Quanto maior for nossa Bolsa, mais vai possibilitar os investidores montarem um portfólio de investimentos que seja menos arriscado. Já para a Bolsa, existe a vantagem de dar uma sinalização para outras empresas a abrirem seu capital e ganhar mais visibilidade”, disse Henrique Castro.

Primeiro IPO da pandemia

A Allpark (ALPK3), dona da rede de estacionamentos Estapar, foi a primeira a fazer abertura de capital desde que a pandemia do novo coronavírus atingiu o Brasil. Em seu IPO no mês de maio, foram captados R$ 345 milhões.

Segundo a Estapar, a disseminação do coronavírus pelo mundo, seus impactos na economia global e na atividade doméstica exigiram ainda mais estudo e parcimônia para a realização do IPO. Porém, avaliou que o momento seguia oportuno para as necessidades da empresa.

“Nenhuma companhia estava preparada para esse cenário da pandemia de covid-19. Mesmo em um cenário adverso, a Estapar optou por seguir com o IPO. A decisão foi tomada mirando o médio e longo prazo. Vencemos a concessão para operar o estacionamento rotativo (Zona Azul) da cidade de São Paulo, um contrato de 15 anos. Os recursos captados foram integralmente direcionados para o pagamento da outorga desta concessão”, disse a Estapar em entrevista ao InvestNews.

A empresa intensificou no último ano a parte documental e demais exigências legais para a realização de sua abertura de capital e fez, em março, seu pedido de registro na CVM. Com a pandemia declarada no país, a rede de estacionamentos foi a primeira a fazer abertura de capital de maneira 100% online na B3. “O mercado se ajusta e novas soluções aparecem, por isso, entendemos que a tecnologia foi uma grande aliada neste ponto, uma vez que pudemos fazer tudo virtualmente”, destacou a Estapar.

Processo inverso

Diante das incertezas nos cenários político e econômico, volatilidade na Bolsa, além de questões relacionadas à segunda onda dacovid-19, um movimento contrário passou a ser observado: empresas desistindo dos IPOs.

Grandes companhias que geravam expectativa no mercado passaram a adiar sua abertura de capital, como foi o caso da varejista catarinense Havan. Segundo a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), de julho até 9 de novembro, havia o registro de 16 desistências, sendo 10 só no mês de outubro.

O professor Castro, da FGV, explica que o mercado de IPO observa o ânimo do mercado corrente, naquele instante, e que as empresas não desejam abrir capital quando o mercado está depressivo, pois, provavelmente, vai captar menos. Por isso, segundo ele, as companhias acabam adiando para um momento em que o IPO será mais bem sucedido. “Eu não vejo essa onda de desistências como uma grande preocupação. Vejo que essas empresas vão retomar seus IPOs tão logo o mercado dê sinais de recuperação”, projetou.

Já Luz, da Mont Capital Asset, diz não enxergar um ponto contrário à decisão de uma empresa abrir capital no cenário econômico de 2020. Segundo ele, a empresa que deseja abrir seu capital e ter suas ações negociadas na B3 fez uma “lição de casa” de ao menos três anos e viu agora uma boa janela de oportunidade para vender suas ações a um preço/múltiplos bem atrativo e, ao mesmo tempo, captar recursos para seu crescimento a taxas mais favoráveis. “Acreditamos que o ritmo de IPOs deva se manter, uma vez que a taxa de juros deve ficar relativamente baixa no médio prazo, o que tende a favorecer o movimento de busca por ativos de risco”, apontou.

Vale a pena investir em IPO?

O IPO pode ser uma boa oportunidade para os investidores em caso de ações que são precificadas abaixo do valor justo. Por outro lado, também pode ser um risco, seja pela alta volatilidade de preços ou pela precificação excessiva das ações. Será que vale a pena investir em IPO neste ano?

Gallo avalia que entrar em um IPO não é uma decisão que deve ser tomada somente com uma visão de curto prazo, mas, sim, dentro de uma estratégia de investimentos para a carteira. “Quem decide investir em um IPO somente com visão imediatista não está investindo no sentido estrito do termo, mas, sim, ‘apostando’ ”, explicou. Segundo ele, investir em um IPO é buscar aplicar recursos aproveitando o momento de entrada dessa empresa no mercado e apropriar-se do ganho potencial do crescimento do valor de mercado.

Ele alerta, no entanto, que o risco de um IPO é como o de qualquer ação, no sentido de que investir em ações deve ser orientado por uma estratégia de investimento. “O desempenho pós IPO não tem um modelo e, historicamente, muitas empresas brasileiras não apresentam um bom desempenho nos dois anos seguintes”, apontou.

Já Luz orienta que o investidor deve se ater a alguns detalhes nas ofertas públicas, e se questionar sobre a finalidade do IPO, seja ele uma oferta primária, onde os recursos irão para o caixa da empresa, ou se será uma oferta secundária, quando os recursos irão para o bolso dos atuais acionistas.

Segundo ele, o último boom de IPOs em 2006/2007 deixou uma boa lição para empresas do setor de construção civil, pois poucas delas estão em patamares do seu IPO e muito investidor, que almejava se beneficiar da corrida de IPOs no longo prazo, teve uma decepção com algumas companhias. “A história tende a se repetir quando vemos empresas ainda no vermelho abrindo capital, embora suas perspectivas sejam favoráveis no longo prazo, porém, o risco a esse tipo de papel pode não compensar”, concluiu.

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